O panetone

Daniela Kopsch
3Devi
Published in
3 min readDec 22, 2017

Dez para às oito da manhã, Joaquim estava de pé em frente às Lojas Americanas. Pedia, por favor, um realzinho para os passantes, que passavam direto, apressados. Por que a pressa, era uma coisa que Joaquim não entendia. Ele sabia, por experiência própria, que um tempo bem utilizado dá e sobra para tudo. Naquele dia, por exemplo, acordou quatro e meia, passou o café, vestiu a roupa mais limpa e saiu calmamente caminhando para a rua, sem com isso atrasar sua chegada em Laranjeiras, às sete em ponto. Foi ali falar com o Ferreira, seu amigo que era porteiro na Senador Corrêa. Soube que estavam contratando pintores para o novo prédio, mas não estavam mais. Paciência.

Oito em ponto, os funcionários da loja chegaram. Oito e meia abriram a porta. Joaquim foi o primeiro a entrar. Caminhou até os panetones na esperança de estarem mais baratos naquele dia. Não estavam. Por isso, voltou para a calçada em frente a loja e continuou a mendicância. Um realzinho, por favor. Um realzinho, senhora. Só preciso de um real, será que o senhor podia. Um realzinho sen. Um real. Um re.

Uma jovem lhe ofereceu um pacote de bolacha. Não, obrigada, ele disse. Não estava com fome. Voltou a contar seu dinheiro. Treze e noventa. Por duas vezes esteve a ponto de desistir. Tinha vontade de sentar um pouco, descansar e depois ir embora, dar adeus, se matar. Mas então pensava na Linda e fincava o pé no chão. Não a via há três anos. Os netos já deviam estar grandes, bonitos, quem sabe já estavam na escola?

Um realzinho, por favor.

Era quase meio dia quando passou uma mulher carregando a filha pela mão. A filha carregava uma boneca, a boneca carregava uma bolsinha. Quando o viu, a menina largou da mãe. Disse que tinha dinheiro. Abriu a bolsinha e tirou dali uma moeda bem grande. Um real. Entregou à Joaquim desejando um feliz natal. A mãe não ralhou. Olhou de boca escancarada para a boa alma da filha e depois, envergonhada, puxou novamente a menina para a rua e foram embora.

Joaquim voltou aos panetones. De frutas ou de chocolate? Empacou em frente à gôndola onde ficou por muito tempo, talvez horas. Uma aflição crescia e lhe queimava a boca do estômago. De frutas ou de chocolate? Sentia-se mole, transpirava. Linda, você gosta de frutas ou de chocolate? Viu que a senhora ao lado se espantou. Tinha dito em voz alta? Nojento, ela gritou, e marchou em direção ao segurança. Se você fosse o Joaquim, saberia que nesse ponto tudo se arruinaria em segundos: o natal, Linda, os netos. Vendo a mulher caminhar furiosa e pronta para o denunciar, sabe-se lá pelo quê, Joaquim pegou logo o primeiro panetone que viu e desapareceu rumo ao caixa, onde pagou quatorze e noventa e depois sumiu.

Dez para às oito da noite, bateu palmas. Linda abriu a porta. Os gritos dos netos explodiam lá dentro. Joaquim sentiu novamente o estômago arder, tudo girar. Tentou repetir o que havia ensaiado no trem até ali, mas se embaralhou, não conseguiu. Tudo o que disse foi:

“Linda, você gosta de frutas ou de chocolate?”.

E quando ela sorriu, o estômago de repente não doeu, todo o mundo parou de rodar.

“Eu gosto mesmo é de você”.

--

--