O panetone
Dez para às oito da manhã, Joaquim estava de pé em frente às Lojas Americanas. Pedia, por favor, um realzinho para os passantes, que passavam direto, apressados. Por que a pressa, era uma coisa que Joaquim não entendia. Ele sabia, por experiência própria, que um tempo bem utilizado dá e sobra para tudo. Naquele dia, por exemplo, acordou quatro e meia, passou o café, vestiu a roupa mais limpa e saiu calmamente caminhando para a rua, sem com isso atrasar sua chegada em Laranjeiras, às sete em ponto. Foi ali falar com o Ferreira, seu amigo que era porteiro na Senador Corrêa. Soube que estavam contratando pintores para o novo prédio, mas não estavam mais. Paciência.
Oito em ponto, os funcionários da loja chegaram. Oito e meia abriram a porta. Joaquim foi o primeiro a entrar. Caminhou até os panetones na esperança de estarem mais baratos naquele dia. Não estavam. Por isso, voltou para a calçada em frente a loja e continuou a mendicância. Um realzinho, por favor. Um realzinho, senhora. Só preciso de um real, será que o senhor podia. Um realzinho sen. Um real. Um re.
Uma jovem lhe ofereceu um pacote de bolacha. Não, obrigada, ele disse. Não estava com fome. Voltou a contar seu dinheiro. Treze e noventa. Por duas vezes esteve a ponto de desistir. Tinha vontade de sentar um pouco, descansar e depois ir embora, dar adeus, se matar. Mas então pensava na Linda e fincava o pé no chão. Não a via há três anos. Os netos já deviam estar grandes, bonitos, quem sabe já estavam na escola?
Um realzinho, por favor.
Era quase meio dia quando passou uma mulher carregando a filha pela mão. A filha carregava uma boneca, a boneca carregava uma bolsinha. Quando o viu, a menina largou da mãe. Disse que tinha dinheiro. Abriu a bolsinha e tirou dali uma moeda bem grande. Um real. Entregou à Joaquim desejando um feliz natal. A mãe não ralhou. Olhou de boca escancarada para a boa alma da filha e depois, envergonhada, puxou novamente a menina para a rua e foram embora.
Joaquim voltou aos panetones. De frutas ou de chocolate? Empacou em frente à gôndola onde ficou por muito tempo, talvez horas. Uma aflição crescia e lhe queimava a boca do estômago. De frutas ou de chocolate? Sentia-se mole, transpirava. Linda, você gosta de frutas ou de chocolate? Viu que a senhora ao lado se espantou. Tinha dito em voz alta? Nojento, ela gritou, e marchou em direção ao segurança. Se você fosse o Joaquim, saberia que nesse ponto tudo se arruinaria em segundos: o natal, Linda, os netos. Vendo a mulher caminhar furiosa e pronta para o denunciar, sabe-se lá pelo quê, Joaquim pegou logo o primeiro panetone que viu e desapareceu rumo ao caixa, onde pagou quatorze e noventa e depois sumiu.
Dez para às oito da noite, bateu palmas. Linda abriu a porta. Os gritos dos netos explodiam lá dentro. Joaquim sentiu novamente o estômago arder, tudo girar. Tentou repetir o que havia ensaiado no trem até ali, mas se embaralhou, não conseguiu. Tudo o que disse foi:
“Linda, você gosta de frutas ou de chocolate?”.
E quando ela sorriu, o estômago de repente não doeu, todo o mundo parou de rodar.
“Eu gosto mesmo é de você”.