O que os gatos podem nos ensinar sobre o amor

Daniela Kopsch
3Devi
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3 min readJun 6, 2018
Ilustração: Sarah Goodreau

Não se deixe levar pela gentileza do título. Todo mundo sabe que a postura adequada em relação a um gato é não amá-lo de modo algum. Não estou me dirigindo aos donos de gatos porque vocês já estão perdidos. Escrevo isso para quem ainda pode ter uma alma liberta e uma vida tranquila mas infelizmente cultiva o mal hábito de visitar parentes e amigos, expondo-se assim ao risco fatal.

Se engana quem pensa que apaixonar-se pelo gato é um erro reservado aos iniciantes: crianças e jovens, em geral, desavisados. Não mesmo. Todo ser humano carrega consigo esse defeito de nascença, essa fresta aberta no coração e até com uma pessoa respeitavelmente experiente pode acontecer de perceber-se, de uma hora para a outra, completamente dominada por um bicho desses.

O problema até pode ser contornável quando o gato é arredio e fica longe ou quando o animal ataca logo de início, idealmente estragando seu tricô novo ou, melhor ainda, seu tricô velho e querido, feito à mão pela sua avó morta. Também é preferível o tipo oposto: o que se joga imediatamente no colo atrapalhando a conversa e depois embrenha-se entre as pernas, atravancando o caminho, miando sem parar. Desses você pode escapar, se tiver o devido cuidado.

Agora, se o gato em questão é como descrevo a seguir, melhor precaver-se. Essa espécie aprimorou, ao longo de bilhões e bilhões de anos, uma engendrada teia de sedução contra a qual você não tem a mínima chance. Segundo pude estudar recentemente, inspirada pelas observações de Darwin, o desenvolvimento dos fatos ocorre mais ou menos assim:

No primeiro dia, você é livre. Goza da ainda desconhecida alegria de ser completamente dono de si. Pode sentar-se onde quiser ou levantar-se quando assim desejar. Esta é uma boa vida, correta e tão estável que você quase não percebe a presença do gato que se aproxima. Ele é agradável de olhar. Por boa educação, você o cumprimenta.

No segundo dia, você deseja apenas manter boa comunicação. Acredita que podem manter uma amizade saudável, visto que ambos parecem ter muito em comum — estão na mesma casa, eu suponho, e tanto um quanto o outro têm os mesmos interesses, comer e dormir, por exemplo, quais são as chances? O destino foi quem fez esta perfeita combinação. O único problema é que o gato parece ainda não ter se dado conta.

No terceiro dia, você está em completo desespero. Já tentou de tudo para atrair a atenção do gato. A esta altura, pensa que já se humilhou o suficiente e chega, desiste. Que a máquina de arranhar faça como quiser, você tem mais o que fazer. Neste momento, escolhe um livro de boa trama e dedica-se a ele. No entanto, quando está prestes a virar a página cem, sente um calor junto ao pé, o coração pula no peito, o sangue para. É ele. Bicho maldito. Sabe que agora é tarde, você nunca mais vai tirar o pé dali.

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