A gripe do Cérebro

Tiago Leal
4virtudes
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4 min readApr 19, 2020
Photo by Tayla Jeffs on Unsplash

Existe uma doença muito comum entre os jovens — com surtos sazonais durante as férias escolares — da qual a mídia fala, mas nunca com a seriedade devida. Além disso, essa doença não é levada a sério pela comunidade científica. Não está nos principais livros de patologia disponíveis na biblioteca da minha faculdade, além de não aparecer em nenhum módulo da minha grade curricular.

Toda essa situação me deixou bastante revoltado, ainda mais por se tratar de uma doença que atinge o sistema nervoso central. Sim, isso mesmo, essa enfermidade atinge o cérebro.

A situação tornou-se insustentável quando me vi vítima dessa maladia. Dessa espécie de gripe do cérebro — em falta de um nome melhor. Embebido de espírito e curiosidade científicas, aproveitei a oportunidade para pesquisar sobre esse mal, e assim, trago para você informações sólidas e empiricamente embasadas a respeito do fenômeno.

Pois bem, a tal doença funciona deprimindo o seu sistema nervoso central, mais especificamente, fazendo com que uma área chama córtex pré-frontal se ative menos do que deveria. O córtex pré-frontal é a região do cérebro responsável pela sua moralidade e autocontrole. Sem essa área, você começa a falar e a fazer o que não devia. O álcool age de uma forma análoga. Por isso, quando você toma aquele vinhozinho, as besteiras e gafes começam a emergir. Sendo assim, essa doença te deixa basicamente mais idiota.

Essa gripe mental hackeia o seu cérebro de maneiras misteriosas. Como eu posso explicar? Basicamente, seu encéfalo funciona por meio de neurônios, desequilíbrios químicos, neurotransmissores e correntes elétricas. Um neurotransmissor é como um motoboy que entrega uma mensagem — através das fendas sinápticas — de um neurônio para outro. Um dos neurotransmissores mais importantes para a sua felicidade é a dopamina. Quando há muita dopamina no seu cérebro, você está feliz. Essa doença faz com que os receptores de dopamina fiquem bloqueados — exceto para um estímulo muito específico. Por outro lado, diante desse estímulo, o fluxo de dopaminérgicos e de outros neurotransmissores (por exemplo,
serotonina e noroadrenalina) sofrem um pico espantoso. Ou seja, sua vida perde a graça. Comer perde a graça. Dormir perde a graça. Netflix perde a graça. A graça perde a graça, exceto diante de um único estimulo no mundo. E, esse estimulo é outro ser humano.

Você se torna viciado, no sentido mais puramente bioquímico da palavra, em uma outra pessoa e como seu córtex pré-frontal não está muito bom das pernas, não dá para resistir. Pensar, falar, ou estar perto desse outro alguém passa ser o sentido da sua vida. Sem juízo, você é capaz de escrever poemas, cartas, canções, textos de divulgação científica, mandar flores, comprar presentes ou até mesmo mudar de país — tudo o que você quer é estar perto dessa pessoa e que ela esteja perto de você também.

Infelizmente, não há tratamento conhecido pela medicina moderna para essa enfermidade. Por sorte, esse problema tem remissão espontânea — pelo menos, na maioria dos casos. Significa que o seu corpo se cura sozinho da doença. Mais cedo ou mais tarde você melhora e volta para a sua vida normal. As complicações desse resfriado do cérebro geralmente são leves, nomeadamente: falta de apetite, insônia, choro fácil. Outras são até divertidas: Alegria, excitação, suspiros e frio na barriga.

Casos raros tem um prognóstico mais complicado, tudo depende se a outra pessoa foi infectada ao mesmo tempo que você ou não. Se foi, vocês podem passar a depender um outro para tudo, e isso pode durar muitos anos. Há relatos de pessoas que portaram esse mal de forma crônica por toda a vida. Um risco especialmente relevante é o de que você possa acabar produzindo uma cópia genética sua — o que mudará para sempre o curso da sua existência.

A ciência não foi a primeira área do conhecimento a abordar a gripe do cérebro. Os filósofos da antiguidade já tinham noção da existência desse problema, inclusive Platão escreveu um livro, “O Banquete”, com a exclusiva intenção de entender melhor essa manifestação psicológica. Talvez por essa razão a seguinte reflexão tenha sido atribuída, pelo senso comum, ao filósofo: “Até a mais inculta das almas, pode escrever poesia quando tocada pelo amor”. Essa frase não está em nenhuma das obras do autor que eu já tenha lido, mas isso não importa, a frase soa como verdadeira, e se não for, pelo menos é muito bonita. Não sei se o toque do amor me tornou um poeta, espero sinceramente que tenha me tornado um bom divulgador da ciência, nem que seja pelo menos desta vez.

P.S. Esse texto tem um valor sentimental para mim, foi com ele que eu ganhei o segundo lugar em um concurso literário promovido por um congresso acadêmico com a participal de todas a universidades de medicina de Brasília, o COMAB. Essa pequena vitória me motiva a continuar perseguindo minha carreira de escritor e divulgador de conhecimento.

Não esqueça de deixar suas palmas, me seguir no instagram, e comentar abaixo sobre as vezes nas quais seu cérebro ficou gripado!

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Tiago Leal
4virtudes

A Brazilian philosopher who also is in the fourth year of medical school. I believe that science and intuition can be combined to dream the most truthful words