Uma vida bem vivida, Razão ou Emoção?

Tiago Leal
4virtudes
Published in
5 min readApr 12, 2020
Photo by Nicola Fioravanti on Unsplash

Certa vez conversando com uma menina sobre o nosso futuro juntos, ouvi algo próximo de “vamos deixar fluir naturalmente” — os homens que estiverem lendo este texto sabem, um comentário dessa natureza nunca é um bom sinal. E realmente não foi. Seja como for, o senso comum nos aconselha a deixar a razão deliberativa de lado para termos sucesso no amor. Não é estranho?

Em muitos sentidos, essa sabedoria comum é reforçada pelo melhor das ciências psicológicas. O termo flow (fluxo) (1) é usado na psicologia para designar um estado de hiperfoco e concentração absoluta, no qual alcançamos nosso desempenho máximo em uma atividade. Esse estado é comum em atletas de elite e monges budistas, mas todos nós o experimentando de vez em quando. Uma dessas situações é a paixão. Quando somos correspondidos, e estamos com a pessoa que amamos, o mundo parece parar. Esquecemos da nossa própria existência. Passamos a viver no momento presente.

Se pensarmos bem, refletir pode doer, a consciência dos nossos próprios defeitos, condição e existência não é uma experiência fácil. Para comparar extremos da experiência. Pense em momentos nos quais você estava fazendo o que você mais ama no mundo. Pode ser assistir seu filme ou série favorita, ler um bom livro, praticar o esporte que você adora. Reflita bem sobre esses momentos. Feche os olhos e tente revive-los. Vou te dar uns segundos… Pronto? São momentos assim, momentos em que esquecemos de nós mesmos, momentos em que deixamos de pensar sobre os nossos pensamentos, momentos em que estamos no flow que fazem a vida valer a pena ser vivida. Agora compare o estado de flow com o momento em que você mais passou vergonha na sua vida. Você estava ansioso, super ciente dos seus defeitos e falhas. Essa sensação também é comum na ruminação depressiva. Olhando esses estados de consciência por esse prisma, parece que realmente a razão atrapalha o fluxo na natural dos nossos sentimentos, e que para sermos felizes e viver uma vida bem vivida, deveríamos deixa-la de lado o máximo o possível. Contudo, há nuances que eu pretendo explorar. A vida, meus amigos, nunca é simples.

Um dos maiores sábios que a nossa cultura já produziu, Sócrates (6), famosamente disse: “uma vida não examinada, não vale a pena ser vivida”. A postura segundo a qual devemos viver a vida de forma deliberada e em sintonia com a razão perpassa outros grandes mestres clássicos como Sêneca e Marco Aurélio (2). Além de grandes cientistas contemporâneos, como Carl Sagan (3), Steven Pinker (4) e Jordan Peterson (5). Acredito que esses homens viveram e vivem, vidas bem vividas. Especialmente, Sócrates e Marco Aurélio cujas vidas eu conheço em mais detalhas. Ambos meditaram profundamente sobre a razão, sobre sua natureza, sobre como ela os guiava em direção ao bem. E após anos de exercícios espirituais em comunhão com a natureza da verdade, tais homens mostraram-se corajosos diante do maior dos desafios, nomeadamente, a morte.

Então, temos em mãos, duas verdades aparentemente opostas. É no fluxo em que nossas vidas valem a pena, e onde alcançamos o mais alto significado, porém, é na meditação deliberativa e racional onde atingimos a sabedoria de uma vida bem vivida.

Acredito que está é uma dualidade falsa. Ambos modos de existência podem ser verdadeiros e complementares um ao outro. É tudo uma questão de timing. Vamos ao exemplo de um guitarrista profissional em um show. Para desempenhar bem uma música, ele não pode refletir muito sobre o que está fazendo, sobre o que as pessoas estão pensando dele, sobre como é cada nota, ele precisa estar no flow, precisa desempenhar cada nota de forma medular, como se tocar fosse sua natureza, como se a guitarra fosse uma extensão de seus próprios dedos. Nada obstante, só existe um caminho para se alcançar tamanha proeza. A prática deliberativa (deliberate practice). Um músico profissional, passou horas e mais horas praticando incansavelmente — para ser mais exato por volta de 10 mil horas (1). Nesse caminho, fez uso de sua razão, para registrar seus progressos, leu partituras, aprendeu as posições dos dedos, treinou, treinou e treinou.

Para voltar ao exemplo do relacionamento. É ótimo viver o momento e deixar “acontecer naturalmente”, porém um casal eventualmente precisará fazer planos para o futuro, juntos, de forma deliberada e racional.

Os homens sábios que citei, especialmente Sócrates e Marco Aurélio, conseguiam mostrar sabedoria de forma instantânea, no seu cotidiano. Como se já tivessem nascido filósofos, mas isso não é verdade. A prática deliberativa esteve por trás de sua grandeza moral por toda a vida. Como treinaram a vida virtuosa por dezenas de anos, quando uma situação real exigia deles sabedoria, eles conseguiam entrar no flow. Pode parecer uma ideia estranha, mas a sabedoria é uma habilidade, com outras, como tocar guitarra, andar de bicicleta, nadar, etc. E quanto mais a praticamos, mais natural e instantânea ela se torna.

Por isso, te convoco para uma jornada em direção a uma vida bem vivida, virtuosa, e quem sabe até, feliz. Neste blog, irei somar ciência (psicologia, psiquiatria, neurociências) e a filosofia para construir meditações. Irei praticar a sabedoria todos os dias, e relatarei minhas experiências e reflexões para vocês. Talvez assim, eu me torne mais sábio e vocês também!

Continue a conversa, escreva suas impressões na sessão de comentários abaixo.

O presente texto não é um tralho científico, por isso não tem referências no sentido estrito, mas sempre deixarei aqui sugestões de livros e artigos que podem te interessar caso você tenha gostado do que leu acima.

Aprofunde sua leitura:

1) Gary Marcus. Guitar Zero: The New Musician and the Science of Learning. 2012

2) Marco Aurélio. Meditações

3) Carl Sagan. O Mundo Assombrado pelos Demônios: A Ciência Vista Como Uma Vela No Escuro. 1997

4) Steven Pinker. Enlightenment Now: The Case for Reason, Science, Humanism, and Progress. 2018

5) Jordan Peterson. 12 regras para A vida: um antidote para o caos. 2018

6) Donald Robertson. How to Think Like a Roman Emperor: The Stoic Philosophy of Marcus Aurelius. 2019

--

--

Tiago Leal
4virtudes

A Brazilian philosopher who also is in the fourth year of medical school. I believe that science and intuition can be combined to dream the most truthful words