2 rosas e uma bandeira

Apesar do meu blog não ser dedicado a assuntos diversos, alguns não podem deixar de passar por aqui. Senna foi um herói, um guerreiro contemporâneo, um empreendedor.

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Artigo originalmente escrito em 30 de Abril de 2009.

Aos amigos próximos, sabem da minha ligação com o automobilismo desde criança, a paixão por corridas e velocidade. Cresci assistindo a TODOS os GPs de Fórmula 1, e se perdi algum ao-vivo, sempre assisti a reprise. Adorava Nigel Mansell, respeitava o Piquet, tinha uma certa admiração pelo Prost, sempre gostei do Rubinho (e acho que sou o único torcedor vivo desse coitado azarado) e o grande ídolo sempre foi o Ayrton.

O dia da sua morte, infeliz coincidência também do aniversário da minha mãe, foi um dos piores que já vivi. Lembro da empolgação e da certeza que a partir daquele GP de Ímola o Ayrton ia virar o jogo sobre o “alemão”, e como sempre acordei cedo para ver a corrida.

Sentei no sofá e ali fiquei o resto do dia, acompanhando atônito a todas as notícias. Convidados do aniversário?!? Não vi ninguém entrar e sair, não lembro de ter falado com ninguém. Só lembro das imagens e notícias que a Rede Globo disponibilizava sobre o acidente do Senna.

Os dias seguintes viraram história, e qualquer pessoa daquela geração, principalmente os paulistantos, lembram-se de como a cidade parou para homenageá-lo. Impressionante, coisa nunca vista antes. Eu, que estudo e pesquiso muito sobre criação de personagens e universos para os games, tenho certeza que Ayrton Senna da Silva é um dos pouquíssimos mitos brasileiros que vão de encontro à cultura popular.

Geralmente o herói nacional é o fraco, o desajeitado, o coitado. O Jeca Tatu. É uma característica do brasileiro “ter dó” dos oprimidos e torcer por ele, ao invés do vencedor e lutador. Usamos muito a característica da consciência coletiva quando pensamos em um novo jogo.

Senna primava pela perfeição, em ganhar, em ser o número 1, em ser melhor que qualquer um. E não escondia isso, não tinha vergonha, mostrava sua personalidade e que faria de tudo para conseguir a vitória.

Poucos sabem dos feitos do tricampeão aqui na cidade de São Paulo, a ajuda que fazia ao Hospital do Câncer e outras instituições. O lado humano do mito.

Hoje, lendo o blog de um colega de trabalho aqui do iG, o Flavio Gomes, deparei-me com um fato que eu não sabia sobre o fatídico 1º de Maio de 1994: a homenagem que Senna faria ao Ratzemberger, pois tinha a certeza que ganharia aquela corrida. Senna era de fato um verdadeiro personagem herói.

Leiam o texto na íntegra abaixo, ou no blog do Flavio Gomes: http://colunistas.ig.com.br/flaviogomes/2009/04/30/30-de-abril/

A batida foi forte e assustadora. O socorro, nessas horas, parece demorar mais do que deveria. O tempo que se leva para tirar o piloto do cockpit é interminável. O corpo estendido no chão e os paramédicos fazendo massagem cardíaca eram imagens a que nós, os jornalistas mais novos naquele mundo, não estávamos acostumados. Afinal, a última morte num fim de semana de corrida havia acontecido 12 anos antes, no Canadá. E a última de um piloto de F-1 pouca gente viu, em 1986, em testes privados na França. Mas o corpo estava estendido no chão, e a realidade daquele esporte despencava sobre nós sem tempo para grandes reflexões enquanto os paramédicos tentavam salvar aquela vida. Corri para o pequeno hospital do autódromo, ao pé dos boxes, na entrada do paddock. Ligaram os motores do helicóptero. O corpo saiu apressado numa maca, com um tubo de soro pendurado no vazio, isso eu notei, não havia nada conectado àquele corpo pálido, e os médicos continuavam batendo em seu peito, até que entrou no helicóptero e decolou contra o céu azul daquela tarde de primavera no norte da Itália. Poucas horas depois chegava a informação de que aquele piloto de 33 anos estava morto. A F-1 era seu sonho, depois de passar pela F-Ford, pela F-3000, por Le Mans, pelo Japão. Tinha um contrato de cinco corridas com uma equipe nanica, a Simtek. Nem se classificou no Brasil, mas conseguiu largar em Aida, chegou em 11º, era a felicidade em pessoa, embora fosse tímido e desconhecido. Bateu a 314,9 km/h na curva Villeneuve, depois de perder a asa dianteira de seu carro. Não teve a menor chance. Seu nome era Roland Ratzenberger. Hoje, dia 30 de abril, faz exatamente 15 anos de sua morte. A foto acima foi tirada no fim daquela tarde. Uma das cinco que bati naquele fim de semana, num tempo em que não havia máquinas digitais ou celulares cheios de megapixels. A Simtek ocupava o último box, ao lado do centro médico. O mecânico, fora do mundo, lavava as rodas dos carros da equipe como se nada tivesse acontecido, como se tudo não passasse de um pesadelo. A autópsia aconteceu na segunda-feira no Instituto Médico Legal de Bolonha. O legista que comandou os trabalhos, pouco depois, deu uma aula de ética médica aos seus residentes naquele mesmo prédio cinzento e sinistro. Com certa indignação pelo movimento que observava pelas janelas, ensinou aos seus alunos que não existiam categorias de morte, morte classe A e morte classe B. Dois corpos foram autopsiados naquele dia. Uma de suas residentes, quando foram fechados os caixões, colocou uma rosa na mão do mais conhecido. E duas na mão daquele rapaz que parecia esquecido pelo mundo. O mais famoso, soube-se depois, carregava uma bandeira da Áustria dobrada no bolso do macacão no dia seguinte, quando morreu de forma semelhante. Não queria que esquecessem aquilo que tinha acontecido no sábado. A bandeira no bolso do macacão foi o último dos exemplos que deixou.

Originally published at guilher.me.

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Guilherme Tsubota
Criando diversão. Inovando criação.

Comunicador e Diretor de Conteúdo na Rádio Geek. Escritor e roteirista de games e HQ. Professor e Palestrante.