Simone de Beauvoir e a Segunda Onda Feminista

4 graus de miopia
4 min readJun 5, 2017

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O feminismo se estabeleceu com um discurso de caráter político, intelectual e filosófico, que tem como objetivo romper os padrões tradicionais, resultando no fim da opressão sofrida pelas mulheres. A primeira onda do feminismo surgiu no século XIX e foi composto por movimentos protagonizados por mulheres à volta de lutas a favor da igualdade política e jurídica entre os sexos. A segunda onda do feminismo, entretanto, levou o debate mais adiante.

A segunda onda do feminismo se consolidou no início dos anos 60, dando continuidade às lutas anteriores, o movimento se destaca, pois ampliou os debates sobre igualdade de gênero também para o âmbito cultural.

Com a publicação de O segundo sexo, em 1949, Beauvoir revolucionou o cenário intelectual e político em que se inseria e se afirmou como sujeito autônomo, afrontando a imagem de “Notre Dame de Sartre”, como era chamada pela imprensa na época, devido a sua relação com o filósofo Jean Paul-Sartre.

“A humanidade é masculina, e o homem define a mulher não em si, mas relativamente a ele; ela não é considerada um ser autônomo.” (BEAUVOIR, 1949)

Em O Segundo Sexo, ela é mais que a filósofa e a literata: trata da questão das mulheres a partir de um lugar de mulher quebrando tabus, tanto dos cânones teóricos como dos sociais. Uma mulher, ao falar das relações de poder entre os sexos, como ela o fez, rompia um interdito. Fazê-lo como filósofa, tocava o impensável. Esse talvez tenha sido o escândalo maior, afirma Ana Regina Gomes dos Reis.

A Obra da autora colocou em debate questões como a natureza feminina, onde ela afirma que não acredita que existam qualidades, valores e modos de vida especificamente femininos, Beauvoir diz que isso é apenas um mito inventado pelos homens para prender as mulheres em sua condição de oprimidas.

“Não se trata para a mulher de se afirmar como mulher, mas de tornarem-se seres humanos na sua integridade” (BEAUVOIR, 1949)

Outras questões abordadas em O Segundo Sexo são as obrigações atribuídas pela sociedade às mulheres, como o casamento, a maternidade, a submissão e a falta de autonomia. Além disso, devem-se considerar todos os debates que estão envoltos a uma de suas frases mais famosas “Não se nasce mulher: torna-se mulher”, onde Beauvoir manifesta sua posição quanto à criação das mulheres e os valores que lhes são transmitidos durante a vida, mostrando que as mulheres não têm um destino biológico, mas se desenvolvem através de uma cultura que impõe qual é o seu papel na sociedade.

“Do mesmo modo, as mulheres, quando se lhes confia uma menina, buscam, com um zelo em que a arrogância se mistura ao rancor, transformá-la em uma mulher semelhante a si própria. E até uma mãe generosa que deseja sinceramente o bem da criança pensará em geral que é mais prudente fazer dela uma “mulher de verdade”, porquanto assim é que a sociedade a acolherá mais facilmente. Dão-lhe por amigas outras meninas, entregam-na a professoras, ela vive entre matronas como no tempo do gineceu, escolhem para ela livros e jogos que a iniciem em seu destino, insuflam-lhe tesouros de sabedoria feminina, propõem-lhe virtudes femininas, ensinam-lhe a cozinhar, a costurar, a cuidar da casa ao mesmo tempo em que da toilette, da arte de seduzir, do pudor; vestem-na com roupas incômodas e preciosas de que precisa tratar, penteiam-na de maneira complicada, impõem-lhe regras de comportamento: “Endireita o corpo, não andes como uma pata”. Para ser graciosa, ela deverá reprimir seus movimentos espontâneos; pedem-lhe que não tome atitudes de menino, proíbem-lhe exercícios violentos, brigas: em suma, incitam-na a tornar-se, como as mais velhas, uma serva e um ídolo.” (BEAUVOIR, 1949)

Em conformidade com a segunda onda do feminismo, a obra de Simone de Beauvoir teve como núcleo as relações entre o mundo público e o privado e mostrou que aquilo que se presencia na vida familiar e pessoal é político, dissertou sobre a desigualdade salarial, o trabalho não reconhecido e a exclusão das mulheres nos espaços de poder. O Segundo Sexo, apesar de criticado por alguns até hoje, é uma obra atual e de grande importância para o desenvolvimento do feminismo mundial.

​“Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto” (BEAUVOIR,1949)

Simone de Beauvoir em entrevista ao programa Questionnaire (1975)

Texto: Patrícia Nunes

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