Andre Sucupira
9 min readNov 17, 2015

Uma Guerra, duas batalhas, três versões: Cartas de Iwo Jima e A Conquista da Honra.

Tópicos para facilitar leitura:

Contém Spoilers*

A 2ª Guerra Mundial: Dois pesos, duas medidas. Lideranças e propósitos

Cartas de Iwo Jima X A Conquista da Honra: A propaganda Americana

Cartas de Iwo Jima X A Conquista da Honra: Os filmes

Clint Eastwood: a direção crua.

Apesar dos filmes relatarem a mesma batalha, as situações expostas são completamente diferentes. Clint Eastwood buscou nos dois filmes não relevar a importância dos conflitos das guerras, mesmo mostrando várias cenas de combate em campo mas elas não exaltam pontos positivos ou negativos de nenhum dos lados, apenas focam os personagens e seus conflitos internos diante os fatos.

Cartas de Iwo Jima e A Conquista da Honra são narrativas distintas porém, curiosamente, se apreciadas de forma unificada, uma terceira narrativa poderá surgir de acordo com a correlação das duas obras, sendo quase o complemento uma da outra, visto que em A Conquista da Honra o exército japonês é coadjuvante, não sendo exposto nenhum soldado ou personagem de destaque tornando-se quase um exército fantasma.

Já em Cartas de Iwo Jima, existe uma participação maior dos personagens americanos, havendo diálogos entre coadjuvantes durante os conflitos, tornado o exército americano um personagem neutro na narrativa.

A conquista da Honra — Flags of Our Fathers (2006) http://www.imdb.com/title/tt0418689

foi o primeiro dos longas que chegou às grandes telas, no ano de 2006. O filme é sobre a Batalha de Iwo Jima e conta a história de como os três alçadores da bandeira foram usados como instrumentos de propaganda pelo governo dos Estados Unidos para levantar a moral do povo americano e angariar dinheiro para o esforço de guerra. Também mostra os efeitos da guerra nos veteranos e como eles sofreram com as memórias do conflito pelo resto de suas vidas.

Em A Conquista da Honra, os personagens são soldados que sobreviveram a batalha de Iwo Jima na Segunda Guerra Mundial. Os soldados retratados no filme mostram o despreparo, a imaturidade da situação real que vão enfrentar, comum entre os soldados recrutados na guerra e mesmo com treinamento militar, o uso em política e propaganda foi a maior missão deles, algo que não esperavam. Essas características se mostram como uma desvantagem técnica com relação ao exército japonês.

Ao final da batalha, um grupo de soldados ergueu a bandeira americana no topo da ilha, como forma de expressar a vitória, porém a bandeira foi substituída por ordens superiores, e durante sua substituição por outra bandeira, foi chamado um outro grupo que não foi o vitorioso para ajudar a erguer a segunda bandeira. Nesse momento, o fotografo da guerra, registrou a ação que atingiu a midia como sendo verdadeira. Para infelicidade dos soldados do primeiro grupo, não houve a identificação clara de quem participou do ato, fazendo assim com que o segundo grupo — esse sobrevivente — levasse o crédito sobre a vitória da batalha.

Por conta desse mérito, esses soldados foram poupados do restante da guerra para disseminar uma campanha de arrecadação aos esforços da guerra, pois os Estados Unidos começavam a ficar sem fundos para patrocinar a mesma.

Cartas de Iwo Jima — Letters from Iwo Jima (2006) http://www.imdb.com/title/tt0498380

Filme também gravado em 2006, relata a batalha, durante a 2ª Guerra Mundial, que ocorreu na ilha Iwo Jima ( Ilha do meio, mostrando a visão dos japoneses sobre a situação da guerra. Cartas de Iwo Jima, foi baseado no livro que deu origem ao filme, e fala de várias cartas dos combatentes que foram guardadas e descobertas durante uma escavação. Nas cartas, eles contavam suas histórias e seus pensamentos — relacionando as cartas narradas com as situações representadas por flashbacks, como um diário com desabafos e confissões.

Retrata a história de soldados japoneses na batalha de Iwo Jima. Sua maior característica foi sua inferioridade em relação as tropas americanas. Como o filme se passava no cenário da Segunda Guerra Mundial, Iwo Jima foi tratada como uma batalha secundária, portanto o Japão concentrou suas forças nas batalhas maiores. A única vantagem dos combatentes era o território hostil da ilha e sua geografia montanhosa e composta por diversas passagens secretas e cavernas que se interligavam e atuaram a favor do exército.

Em Cartas de Iwo Jima, os combatentes são retratados como fiéis ao exército japonês e são criados, desde a infância, com o objetivo de lutar pelo seu país. O que tornava uma vantagem de combate com relação as tropas americanas, porém pelo fato de ser uma batalha secundária, Iwo Jima apresentou dificuldades bélicas e um número reduzido de soldados combatentes. Mesmo com essas desvantagens, a tropa japonesa combateu e conseguiu realizar uma grande baixa no exército americano, contudo a batalha não foi vencida como eles mesmos já esperavam.

Pelo fato do filme retratar o lado japonês da batalha, fala-se muito sobre honra e luta. Quase tornando uma ironia o título proposto para o filme A Conquista da Honra, pois o ato americano foi construído baseado em uma mentira, em uma guerra covarde.

A 2ª Guerra Mundial: Dois pesos, duas medidas. Lideranças e propósitos

A Ilha Iwo Jima: O campo de batalha com cheiro de enxofre.

O cenário dos filmes foi a Ilha de Iwo Jima ou Ilha do enxofre, em japonês. O local fazia parte da estratégia americana como suporte para os aviões e navios, ajudando no plano de ataque ao Japão. Os ataques dos bombardeiros americanos não tiveram êxito em uma boa parte da ilha, antiaéreos derrubaram diversos aviões americanos, forçando o conflito por terra. Foi aí que a estratégia empregada em Iwo Jima se diferenciou das outras ilhas até aquele momento.

Volume x Estratégia: a fortaleza subterrânea japonesa.

Sistema de túneis da ilha

Ambos os exércitos cometeram erros que parecem de amadores.

O exército americano subestimou a quantidade de soldados japoneses na ilha, o serviço de inteligência não esperava que houvesse mais de 20 mil soldados espalhados em toda região, já que não contavam com o sistema subterrâneo e de túneis existentes em toda a ilha.

Em contrapartida, os japoneses falharam na gestão do exército deles pois não contavam com a falta de água potável para a quantidade de soldados e a duração dos conflitos com intensidade e consistência.

General Tadamichi Kuribayashi: líder.

General Tadamichi Kuribayashi a direita

Ele foi um grande responsável por tudo isso. Da dor de cabeça criada ao exército americano até a existência desse texto.

Interpretado pelo ator Ken Watanabe, não poderia ter outro ator que transmitisse mais postura de respeito e liderança que ele. Com inúmeras nomeações e vencedor de diversos prêmios, consegue transmitir ao espectador a leveza e intensidade nas decisões incomuns para os militares da sua época. Sua estratégia foi estimular os soldados a confrontar e obter o máximo de baixas ao exército americano e reduzir o sacrifício pela honra do imperador, algo bem comum aos combatentes japoneses.

Na minha opinião, A honra da conquista seria o título adequado ao filme Cartas de Iwo Jima. A forma que o líder conduz os seus soldados, a fidelização a nação acima da própria existência, torna qualquer desvantagem em algo louvável e merece ser eternizado através das cartas encontradas e narradas em voz off.

Cartas de Iwo Jima X A Conquista da Honra: A propaganda Americana

Fotografia original: Raising the Flag on Iwo Jima, by Joe Rosenthal / The Associated Press
Fotografia do filme: Quase idêntica, a bandeira é a mesma da imagem original.

Na narrativa, Clint Eastwood se utiliza de memórias associativas como recurso para demonstrar a situação psicológica dos personagens.

Devido aos traumas, mostra os personagens conduzidos diante das pressões de seus superiores militares que usam de ameaças para manipular suas ações. Em um dos momentos da narrativa, é claro o momento que os superiores militares ameaçam os falsos heróis: caso não desempenhem seus papéis corretamente, colaborando com seu país, iriam ser levados ao campo de batalha.

O filme termina dando desfecho dos falsos heróis, onde o personagem Ira conta a verdade durante uma caminhada longa a pé de Arizona ao Texas, apesar da imprensa negar o fato. A última vez que se viram foi em uma cerimonia de homenagem a batalha, onde os pais dos heróis originais não foram convidados.

Ira a direita, interpretado por Adam Beach

Cartas de Iwo Jima X A Conquista da Honra: Os filmes

A Fotografia

A fotografia trabalhada no filme A Conquista da Honra é levemente desaturada, dando um ar mais frio ao conflito e ambiente, algo bem característico aos filmes do Clint Eastwood. Porém, no filme Cartas de Iwo Jima, a fotografia segue um tom cinza e sem saturação, trazendo um ambiente quase preto e branco, o que acaba por retratar algo mais tenso e sisudo.

O ambiente sugerido para a trama — túneis construídos nos interiores das montanhas — colabora para a construção dessa fotografia, possui pouca luz e torna o clima da narrativa mais hostil.

Esse clima destaca a expressão cansada e sofrida de cada personagem diante o conflito. A própria ilha não segue esse tom sem vida relatado nos longas, diversas cenas em que os soldados escondem-se dentro dos túneis construídos dentro da montanha, com um recorte de contraluz destacando a silhueta dos soldados americanos na entrada.

contraluz, silhueta e a escuridão a favor dos soldados e do estilo do Clint.

Apesar da fotografia ser similar nos dois longas, A Conquista da Honra possui uma tonalidade diferenciada, comparada a Cartas de Iwo Jima, mantendo a identidade de cada obra.

Trilha sonora

Em A Conquista da Honra, observamos a exaltação da guerra através da trilha sonora, em canções similares ao estilo das Andrews Sisters, que foi um grupo de três irmãs cantoras de grande sucesso, responsáveis por disseminar a cultura americana em bailes de veteranos de guerra. A música sempre tem um tom alegre e vitorioso. Também pode ser observado, em diversas situações, o clima de comemoração dos americanos.

Já em Cartas de Iwo Jima, observamos uma certa ausência de trilha sonora, com músicas e trechos bastantes sutis, geralmente em momentos em que as narrações em voice-over retratam memórias dos soldados e lembranças emocionais, dando um clima mais austero ao filme.

Clint Eastwood: a direção crua.

Clint, olha!

Bio

Clint Eastwood é um diretor norte-americano conhecido por sua imensa gama de filmes, principalmente atuando em westerns como o cowboy durão ou anti-herói e ser um dos diretores com o maior número de filmes realizados até hoje. Em seu currículo de diretor, ele já conta com mais de quarenta filmes e oito indicações ao Oscar, filmes esses que já foram agraciados com a estatueta.

Nasceu em São Francisco (Califórnia) e sua família é de origem escocesa, inglesa, alemã e irlandesa. Durante sua infância, Clint Eastwood teve muito contato com a cena cultural, talvez por isso seja considerado um diretor com um olhar crítico sobre assuntos e situações cotidianas. Sua família era de classe média e protestante. Durante sua adolescência, morou em Piedmont, uma pequena cidade californiana, e em 1949 realizou seu sonho de se formar na Universidade de Oakland. Ao concluir a faculdade, foi atendente em um posto de gasolina, bombeiro e tocou piano em um bar.

Contato com a guerra

Clint Eastwood foi convocado ao exército em 1950, mas seu avião caiu em São Francisco, escapando gravemente ferido, acabou afastado por meio ano prestando depoimentos para a investigação da causa da queda, impedindo-o de ir que não fosse para a Guerra da Coréia.

Direção

O estilo de direção de Eastwood, é sarcástico e com tiradas inteligentes, suas criticas são mordazes, porém realizadas de maneira sutil. Clint Eastwood já foi amplamente reconhecido e premiado por seus dramas, que mesmo possuindo uma característica convencional de alguns filmes, ele surpreende com a forma que o conceito de ápice é conduzido. Por mais que seus filmes possuam uma construção considerada previsível, o espectador é surpreendido ao prever o ponto do clímax e a resolução de sua problemática.

Finalizando…

Essa histórias que deram origem aos dois filmes, se contadas separadamente, não teriam o envolvimento e o impacto comparado as duas situações. De um lado, o ponto de vista dos japoneses sobre uma guerra com a batalha em desvantagem e dos seus relatos nas cartas, do outro, americanos no dilema para mostrar e assegurar uma situação baseada em uma mentira que promovesse a vitória e vitoriosos em um palco com o objetivo de arrecadar fundos do povo americano para financiar a guerra mas ficou o exemplo de estratégia, disciplina e determinação que os japoneses seguiram até seu último momento, mesmo com a lamentável baixa de inúmeras vidas em ambos os lados, honrando suas conquistas em Iwo Jima.

Andre Sucupira

Audiovisual e Novas Mídias. Mestre em Administração de Empresas. Pesquisador em Criatividade, Fotógrafo, Product Designer e UX Product Manager.