O PT criou Bolsonaro, parte 1

A Estrela Vermelha

Ariel Paiva
A Dissidência
7 min readOct 13, 2018

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A mudança faz parte do ser humano. Nunca se mudou tanto de emprego, de esposa/marido ou de faculdade. Na democracia, inclusive, as mudanças de poder são tão saudáveis quanto desejadas. O texto a seguir busca demonstrar como o Partido dos Trabalhadores fez do Brasil um Estado para chamar de seu e porque esse plano criou um fascista, tornou o plano socialista do PT a opção “menos pior”.

O primeiro capítulo da série de textos conta o início dessa história: das raízes guerrilheiras até a tomada do poder após a desidratação tucana.

PARTIDO DOS TRABALHORES: A ESTRELA VERMELHA

“[…] todos sabem que a lei ainda existe neste país para punir os fracos, e não os poderosos.” — Luiz Inácio Lula da Silva, Set/1988.

A cassação de qualquer associação esquerdista durante a ditadura militar brasileira pulverizou e dispersou as lideranças e partidos com inclinação socialista, comunista ou mesmo social democrata. Aqueles que faziam parte da elite intelectual e não fugiram do país, encastelaram-se nas universidades públicas e pregaram revolução aos estudantes — As organizações da juventude sempre foram a extrema-esquerda nacional, de pré-64 até hoje. Aqueles que não tinham acesso às universidades, mas simpatizavam com a causa, procuraram suas próprias organizações: ou faziam parte do MDB e abraçavam a oposição consentida, ou participavam de organizações sindicais clandestinas, ou buscavam seu refúgio na igreja. No pior dos casos, iam para a luta armada contra o regime direitista — caso de José Dirceu, Fernando Gabeira e Dilma Rousseff, por exemplo.

Quando Figueiredo assumiu de vez a abertura lenta, gradual e segura, todas as facções supracitadas se reuniram no guarda-chuva do Partido dos Trabalhadores, afinal o leque de partidos não era tão grande quanto hoje. Na eleição indireta de 1985, que elegeu Tancredo Neves como presidente, participaram cinco: os antigos, PDS (Partido Democrático Social, ex-Arena, pró-ditadura) e PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro, ex-MDB), e os novos PT (Partido dos Trabalhadores), PDT (Partido Democrático Trabalhista) e PTB (Partido Trabalhista Brasileiro).

Ao participar do movimento de Diretas Já e dada a desaprovação da emenda que daria oportunidade aos brasileiros de elegerem seu próximo presidente de forma direta, o PT ordenou que seus filiados se abstivessem do voto. Por isso aqueles que votaram em Tancredo Neves foram expulsos, numa prática ainda comum no partido de expurgar aqueles que não concordam com as decisões do diretório central.

O avô de Aécio Neves não chegou a assumir a liderança do poder executivo por conta de um câncer, dando a vez para o ex-Arena José Sarney ser o primeiro presidente do novo período democrático brasileiro. Além de ajudar a destruir a economia, o maranhense teve o trabalho de convocar uma constituinte para redigir o novo texto guia da república.

Figuras como Eduardo Jorge (candidato à presidência em 2014 e à vice-presidência em 2018, hoje no Partido Verde), Florestan Fernandes (notável sociológo brasileiro), José Genoíno (presidente do PT à época do mensalão), Lula e Plínio Arruda Sampaio (um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores) fizeram parte da bancada petista de dezesseis pessoas na Assembleia Nacional Constituinte.

A bancada petista na Assembleia Nacional Constituinte de 1988. (Foto: Paula Simas / Acervo CSBH-FPA)

O partido foi pivô e protagonista das matérias mais polêmicas da constituinte, a favor da limitação do direito à propriedade privada, da estatização do sistema financeiro e da reforma agrária, por exemplo. O partido esteve, na maioria dos casos, lado a lado com os partidos comunistas e o PDT, contrários ao PFL e ao PMDB, futuros aliados.

Como todo desfecho petista sempre precisa de um espetáculo, a organização decidiu que não iria assinar a constituição que havia sido votada e formulada durante meses pela Assembleia. Após diversos discursos, o mais notável deles do deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva, o partido fez a formalidade de assinar a magna carta da república brasileira. Dessa atitude retiram-se dois pontos: hoje o Partido dos Trabalhadores é, ao mesmo tempo, principal defensor da constituição (vide defesa à CLT) e um dos advogados de uma nova constituinte, conforme defendeu o candidato do partido na eleição de 2018 e como está descrito em seu programa de governo.

Passado o barulho da constituinte, Lula e seus correligionários começaram a campanha presidencial de 1989 coligados com o PSB (Partido Socialista Brasileiro), que indicou o vice para a chapa, e o PC do B (Partido Comunista do Brasil). Disputaria os votos da esquerda com Fernando Gabeira (PV), Roberto Freire (Partido Comunista do Brasil) e Leonel Brizola (PDT) e seria oposição a Paulo Maluf (PDS) e o alagoano Fernando Collor (Partido da Reconstrução Nacional), principalmente. A dois meses da eleição, o ex-metalúrgico tinha 7% das intenções de voto e arrancou para ultrapassar, por muito pouco, o favorito a ir para o segundo turno com Collor, Leonel Brizola.

A distância entre os dois foi pequena, mas Lula garantiu sua vaga no pleito final. O candidato alagoano, de partido minúsculo e vida política desconhecida até pouco antes das eleições, venceu baseando sua campanha no que o antipetismo hoje é avassalador: contra a política, contra a mídia e contra a corrupção. Collor era jovem, honesto e trazia um ar novo para a política. Perfeito para a “família tradicional brasileira”, ele enfrentava o “sapo barbudo” que até fama de alcoólatra já tinha. O resultado não surpreendeu ninguém. Com o apoio de Brizola, Lula alcançou 30 milhões de votos no segundo turno, mas foi derrotado por Collor.

Foram anos de oposição ferrenha ao governo, liderando desde o impeachment do presidente até a negação do que viria a ser a reforma mais importante do país. Implantado por Itamar Franco, empossado após a renúncia de Fernando Collor, o Plano Real tirou o Brasil de um espiral inflacionário que crescia desde a ditadura e transtornava a vida de toda a população brasileira, principalmente dos mais pobres. O PT sempre foi contra essa reforma — assim como seu atual algoz, diga-se. Esse posicionamento em específico custou muito caro às pretensões políticas da estrela vermelha, como se vê abaixo.

Na eleição de 1994, o Partido dos Trabalhadores juntou a “Frente Brasil Popular pela Cidadania” com sete partidos da esquerda, mas ainda formando uma chapa “puro sangue”, com Aloízio Mercadante (PT-SP) como vice e ignorando o PDT, de Brizola, que se lançou novamente candidato.

Embalado pelo sucesso do plano econômico criado pelos acadêmicos da PUC-RJ, Fernando Henrique Cardoso (Partido da Social Democracia Brasileira-SP), ganhava um ponto percentual para cada semana de sucesso do plano real. FHC colocou em si a imagem do bem-estar econômico e do progresso, aliou-se ao centrão e venceu. A vitória no primeiro turno surpreendeu, mas só àqueles que não faziam ideia de como era viver com a inflação ultrapassando mil por cento.

O primeiro mandato tucano teve de tudo. Eles privatizaram, criaram novas estatais, distribuíram renda, aumentaram juros, teve câmbio-fixo, câmbio flutuante e compra de votos. O PSDB comprou a própria passagem para um segundo mandato sob a persona de FHC por dois motivos: perpetuação de poder e medo que um governo de oposição fosse desfazer o que eles tinham construído no mandato. De mesmice, apenas a oposição petista. A famosa “oposição pela oposição”.

Em 1998, não deu outra. Repetindo a tônica de todas as campanhas presidenciais, Fernando Henrique se vendeu como o único capaz de continuar a veia reformatória que passava o Brasil. O PT formou a “União do Povo Muda Brasil” com seis partidos de esquerda e lançou Brizola como vice de Lula, mas foi derrotado ainda em primeiro turno pela aliança tucana de centro, impulsionada pelo bom desempenho econômico do período 95–98. A bancada petista, contudo, não parava de crescer, passou de 35 cadeiras na câmara dos deputados em 1990 para 59 em 1998.

O segundo mandato de FHC foi cercado de problemas: crises externas, deterioração econômica, aumento de impostos, desemprego e uma série de escandâlos que, não fossem o aparelhamento do Estado, teriam derrubado o governo — como desejava o PT, aliás. Por incapacidade administrativa ou falta de vontade, não aconteceu ajuste fiscal. Como o governo gastou todo seu capital político para permanecer no poder, aprovando a emenda da reeleição, não houve mais privatizações e as contas do governo pioraram. De quebra, a corrupção tomava conta dos corredores de Brasília.

Passeata pelo impeachment do presidente tucano em 1999. (Foto: Nacho Doce/Reuters)

Já desgastado e infeliz, o governo tucano sofreu o golpe final com o apagão energético de 2001. O povo estava sem comida, sem emprego e agora sem energia elétrica. O racha dentro do partido para a indicação do candidato governista na eleição vindoura foi somente o ponto final na história psdbista no alto do poder executivo nacional, posição que nunca mais voltariam a ocupar.

Chegava a hora do Lulinha paz e amor.

Essa história continua no próximo capítulo da série “O PT criou Bolsonaro.”

>>> O PT criou Bolsonaro, parte 2: A DOMINAÇÃO POLÍTICA

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Ariel Paiva
A Dissidência

Senior administrative on VC-X Solutions. Addicted to podcasts and strategy games.