Jéssica Caroline
5 min readNov 15, 2015

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Olá, André. Tudo bem?

Em primeiro lugar, parabéns pela seleção de quadrinhos. Percebo que seu trabalho de escolha de material foi muito cuidadoso e que seu texto é fruto de reflexões que certamente te tomaram muito tempo. Inclusive, salvei algumas imagens aqui para meu uso futuro em sala de aula.

Porém, há certas coisas em seu texto que me incomodaram muito, e é sobre elas que venho falar agora.

Sou professora da rede Estadual de São Paulo. Estou na rede há um ano e meio, e atuo com os dois ciclos — por enquanto, pois após a “reorganização” trabalharei somente com o Ensino Fundamental.

É bem verdade que ainda sou sonhadora a respeito da minha profissão, que estou aqui faz pouco tempo, mas nesses meses já pude experimentar todo o mel e o fel da profissão. De momentos de realização extrema, de chorar de felicidade, a ameaças de processar aluno por atentado ao pudor.

E ler seu texto foi incômodo para mim porque você parece acreditar que a escola formal ainda está presa na época da Ditadura Militar, que mantemos nossos alunos presos, amordaçados, decorando datas, tolhendo qualquer tentativa de criatividade deles.

Nem eu nem meus colegas de profissão tratamos nossos alunos como “objetos”. Eu tenho 13 turmas e sei o nome de TODOS os meus alunos, de alguns sei até o sobrenome. E meus colegas também sabem. Conhecemos a história de vida de cada um dos alunos. E analisamos cada uma delas e seus reflexos na vida escolar.

Eu me preocupo com a vida emocional deles. Inclusive, se algum deles estiver muito triste e eu perceber, ou chegar em mim e disser “Prof, não estou legal, posso fazer a atividade amanhã?”, eu com certeza vou deixar. Eu e meus colegas deixaremos.

Eu tenho um conteúdo a cumprir, mas ele é passado de forma diferente para cada sala de aula, conforme seu ritmo e preferências. Acredite, seria muito mais fácil agir como você diz, homogeneizar todo o ensino, facilitaria muito minha vida. Mas eu não faço isso, nem meus colegas. Nós trabalhamos de acordo com as características de cada sala. Justamente porque não trabalhamos como máquinas nem acreditamos que nossos alunos são máquinas.

Eu e meus colegas NUNCA, NUNCA fomentamos ou sequer toleramos qualquer forma de bullying, racismo, misoginia, homofobia e xenofobia, pelo contrário. Qualquer tentativa disso é combatida no momento em que surge. Essa é uma acusação gravíssima. Convivemos com a diferença diariamente, inclusive vinda de professores.

Sobre as avaliações… Veja, esse sistema de provas padronizadas caiu faz MUITO tempo. Nós avaliamos as crianças de diferentes formas, levando em consideração diferentes competências e habilidades. Escrevendo, respondendo, esquematizando, criando, calculando, desenhando, TUDO é avaliado. Eu sou professora de História. Eu NUNCA obriguei um aluno a decorar uma data. Nunca perguntei UMA DATA em uma avaliação. Se você sentar com cada professor, verá que cada um avalia de DIVERSAS formas. Damos aulas fora da sala de aula, no pátio, na quadra, cantamos, lemos quadrinhos, fazemos gincanas, estimulamos as crianças.

Nenhuma criança sofre onde trabalho. E, veja, é uma escola PÚBLICA da REDE ESTADUAL. Nós prezamos por um ensino humano, responsável, que JAMAIS “retina a criança da vida e do mundo”. Pelo contrário, nosso objetivo é sempre colocá-la como sujeito agente e modificador na sociedade, para que o que aprende na escola possa ser utilizado. Eu e meus colegas trabalhamos em conjunto para que cada potencialidade dessas crianças sejam explorada. Cada talento. Desenhar, cantar, falar bem, fazer esportes, qualquer potencial que vá além do conteúdo de sala de aula é valorizado, SIM. Nós toleramos “desvios”, sim. Nós sabemos de cor o nome dos nossos alunos que não “se ajustam”, sabemos quem são os “pontos fora da curva”, e trabalhamos com eles de forma diferenciada. Tudo isso dentro de um sistema que nos paga uma miséria. Mas fazemos porque gostamos deles.

Você diz que a educação tradicional não fomenta o “senso crítico”… Mais uma vez, eu te digo que não é NADA assim. NENHUMA crítica dos alunos é desprezada. Na minha área, Ciências Humanas, eu VIBRO e SORRIO com cada aluno que critica um evento histórico ou qualquer aspecto social. Nem eu nem meus colegas colocamos cabrestos em nossos alunos. ODEIO quando a sala fica silenciosa demais. Peço para que eles falem, se posicionem, assim como meus colegas. Não queremos e não criamos robozinhos nem criaturas apáticas como você parece sugerir.

E seu texto finaliza com o item “A Escola foca apenas em desenvolvimento intelectual.” Realmente, essa afirmação é um absurdo para o qual quase me faltam palavras. Como eu disse no começo do texto: nós nos preocupamos, sim, com o emocional de nossos alunos. Quando eles choram, quando eles estão bravos, quando tem ataques de fúria, quando precisam conversar, de conselhos, de desabafar, eles tem em nós, professores, verdadeiros amigos. Conhecemos quem namora quem, quem odeia quem. Conhecemos quem tem problemas em casa. E muitas vezes nos envolvemos nisso mais do que devíamos — justamente porque não é só a “sala de aula” que nos importa, mas sim quem são essas crianças, o que querem, o que sonham, o que temem.

Não sei em quais meandros da educação tradicional você tem circulado, mas esse seu texto me parece tão apartado da realidade que não pude deixar de vir respondê-lo. A educação pública/tradicional tem sim MIL problemas, dos quais estou completamente habilitada a falar sobre em outra ocasião, visto que é o que eu vivencio de segunda a sexta-feira. Mas o que você escreve desmerece totalmente o meu esforço e o de muitos de meus colegas de profissão — que estamos na lida diária para que cada um de nossos alunos se torne um adulto consciente, feliz com as escolhas que fizer. Você com certeza tem uma grande carga teórica para falar sobre o assunto, mas eu vivencio isso e seu texto foi extremamente agressivo nesse sentido. Estou cercada de profissionais que fazem das tripas coração para que a “escola tradicional” seja um alento ao coração das crianças. Elas têm responsabilidades, SIM. Elas têm conteúdo para cumprir, SIM. Elas têm regras de convivência, SIM. Mas isso não significa que estejamos maltratando as crianças 1% do que você sugere que estejamos fazendo.

Escutamos críticas de TODOS os lados. “As aulas tem que ser mais modernas”. “Tem que mudar os conteúdos”. Concordo. Mas isso também é apartado da realidade. Existem salas que nem ventilador ou cortina têm. E dentro delas é que desenvolvemos nosso trabalho da melhor maneira possível.

Fazemos mais do que somos pagos para fazer. Inventamos, trabalhamos a mais, levamos trabalho para cada, TUDO para que as crianças não enxerguem na “escola tradicional” esse inferno que você diz que é. Essas crianças não tem a opção de uma escola “informal” — essas crianças muitas vezes sequer tem almoço antes de vir pra escola. E é para elas que nos dedicamos. E é em defesa dos professores que compõe o “sistema” que escrevo isso e peço que repense seu texto.

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