Impactos internos e externos do conflito colombiano e perspectivas para a paz

CRIES
6 min readOct 13, 2016

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Carolina Silva Pedroso

As mais de cinco décadas de guerra civil na Colômbia envolvendo grupos guerrilheiros, paramilitares e governo marcaram não só a história colombiana, como também o seu entorno regional. Enquanto alguns países vizinhos viviam sob o jugo de regimes autoritários liderados por militares, a Colômbia conseguia ser uma “democracia” ainda mais letal do que as ditaduras que a rodeava. “La violencia”, como ficou conhecido o período de 1946 a 1957, caracterizou as muitas fases deste conflito e ganhou um novo fôlego com a entrada do narcotráfico na já complexa dinâmica política interna colombiana[1]. Se até então o conflito penalizava, sobretudo, as zonas rurais, onde estavam em disputa dois projetos antagônicos de uso da terra — os latifúndios “protegidos” pelos paramilitares versus a luta por reforma agrária protagonizada pelas guerrilhas — com a confluência de interesses de grupos guerrilheiros e narcotraficantes, era inevitável que ocorresse um spillover efect. Ademais do grande número de deslocados internos[2], cuja estimativa oficial contabiliza mais de cinco milhões de pessoas entre 1997 e 2013[3], muitos colombianos passaram a buscar refúgio nos países vizinhos, especialmente no Equador e Venezuela. Oficialmente, são mais de 20.000 colombianos vivendo como refugiados no Equador, porém dados de 2009 apontam que mais de 130.000 “não documentados” viviam em situação similar a refúgio no país vizinho[4]. De igual maneira, viveriam cerca de 120.000 colombianos com necessidade de proteção internacional (PNPI) não registrados na Venezuela[5]. Não por acaso, o ataque ao acampamento da principal guerrilha colombiana, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), no território equatoriano de Angostura no ano de 2008 gerou um grande mal-estar envolvendo os governos dos três países[6]. Além do “transbordamento” do conflito de maneira mais evidente para os países vizinhos, a presença militar norte-americana no país, sob a justificativa da War on Drugs, demonstrou que a situação colombiana também teve implicações globais. O aumento exponencial do uso de drogas na potência hemisférica, de maneira especial a partir de 1975 com o fim da Guerra do Vietnã, encontrou na Colômbia um de seus principais fornecedores[7]. Com o objetivo de sanar um problema interno oriundo de um crime transnacional — o narcotráfico — os Estados Unidos focaram suas ações não no combate ao consumo das drogas, mas sim ao seu cultivo e produção. Desta forma, desenharam o Plano Colômbia durante a presidência de Bill Clinton, que inicialmente consistia em uma ajuda de 1,3 bilhões de dólares para que o governo colombiano pudesse combater a produção de entorpecentes em seu território. Posteriormente, esse plano converteu-se em uma estratégia de ação militarista que, por sua vez, acabou aprofundando o efeito de transbordamento do conflito para fora do território colombiano, atingindo especialmente o Equador e a Venezuela[8].

Em um contexto tão complexo desde os anos 1950, a busca pela paz na Colômbia acabou ganhando um impulso fundamental durante as presidências de Juan Manuel Santos (2010–2014, 2014-atual), eleito como um sucessor natural de Álvaro Uribe Vélez, quem havia fracassado na tentativa de emendar a Constituição para concorrer a um terceiro mandato. No entanto, após chegar ao poder, o ex-ministro da Defesa de Uribe começou a distanciar-se da política de segurança nacional da qual ele mesmo havia feito parte e iniciou um processo de diálogo com as FARC. O policy switch ocorrido na Colômbia fez com que o novo presidente obtivesse o apoio de grupos sociais favoráveis à paz e que, inicialmente, não haviam votado por ele. Em 2014 o mote de sua campanha pela reeleição era a continuação da busca pela paz, atraindo um eleitorado jovem, progressista e que, mesmo discordando de muitas ações do governo, entendia que a sua manutenção significaria o avanço das negociações[9]. Assim, Santos e Uribe passaram a ocupar polos opostos no que se referia à paz no país: enquanto o primeiro levava a cabo o diálogo pautado em construção de confiança, o segundo, que continuava na vida pública como senador, insistia em uma postura beligerante em relação às guerrilhas, considerando que o governo não deveria negociar com “terroristas”. A polarização entre essas duas lideranças só refletia uma divisão social entre aqueles que estariam dispostos a perdoar todos os lados do conflito em prol da paz versus os grupos que ainda acreditavam em uma ofensiva como estratégia de ação para lidar com as guerrilhas. Tal separação, entretanto, não pode ser vista de maneira maniqueísta, já que os traumas e feridas deixadas por tantos anos de conflito violento explicam a desconfiança em torno da reinserção política de grupos políticos que agem em forma de guerrilha há tanto tempo. Ademais, não se pode desconsiderar a ação de paramilitares, narcotraficantes e outros atores internos e externos que vivem à custa do conflito e, portanto, têm interesses na sua manutenção. A derrota do “Sim” no plebiscito que oficializaria os acordos de paz negociados por Santos com as FARC, em outubro de 2016, deve ser compreendida à luz da polarização interna. Por isso, há um duplo desafio: a superação destas divisões nacionais para que a paz possa ser construída com base na confiança mútua e, externamente, um maior engajamento da comunidade internacional, sobremaneira dos Estados Unidos (dado o seu papel no agravamento da situação) e dos vizinhos atingidos direta e indiretamente pelo conflito. O anúncio do início das negociações do governo com o Exército de Libertação Nacional (ELN), a segunda maior guerrilha do país, e as constantes manifestações de apoio à paz que têm se multiplicado no país desde a derrota do plebiscito demonstram que ainda há fôlego interno para que esse processo tenha um desfecho positivo. Resta aguardar que haja movimentações internacionais efetivas para que a Colômbia possa não só começar uma nova história, como também proporcionar ao continente americano soluções para os problemas oriundos da exportação do conflito.

[1] HYLTON, F. “A Revolução Colombiana” [da série] de Emília Viotti da Costa; tradução Magda Lopes. São Paulo: Editora UNESP, 2010. 194 p. — (Revoluções do Século XX)

[2] PROGRAMA DE LAS NACIONES UNIDAS PARA EL DESARROLLO, PNUD. “Colombia rural. Razones para la esperanza. Informe nacional de desarrollo humano 2011”. Bogotá: PNUD, 2011. Disponível em: <http://hdr.undp.org/sites/default/files/nhdr_colombia_2011_es_resumen_low.pdf>. Acesso em 10 Set. 2015.

[3] Dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), disponíveis em: <http://www.acnur.org/donde-trabaja/america/colombia/>. Acesso em 12 Out. 2016.

[4] VERNEY, M. H. “Las necesidades desatendidas: refugiados colombianos en Ecuador”. University of Oxford, Forced Migration Review, n. 32, Abril 2009, pp 60–61. Disponível em: < http://www.fmreview.org/sites/fmr/files/FMRdownloads/es/pdf/RMF32/29.pdf >. Acesso em 10 Out. 2016.

[5] ALTO COMISSARIADO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA OS REFUGIADOS, ACNUR. “El perfil de la población colombiana con necesidad de protección internacional. El caso de Venezuela”. Caracas: ACNUR, 2008. Disponível em: < http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/Publicaciones/2009/6953 >. Acesso em 12 Out 2016.

[6] VALLEJO, M.; LÓPEZ, H. A. “Ataque de Colombia en territorio ecuatoriano”. Buenos Aires: Ediciones del CCC Centro Cultural de la Coop. Floreal Gorini, 2009.

[7] BAGLEY, B. M. “Colombia and the war on drugs”. Foreign Affairs, vol. 67, n. 1 (outono, 1998), pp. 70–92.

[8] PIMENTA, M. C. B. S. “Zonas Estratégicas e Estruturais para os Trânsitos Ilícitos (ZEETI): desafios à zona de paz na América do Sul”. Tese (Doutorado em Relações Internacionais) — UNESP/UNICAMP/PUC-SP, Programa San Tiago Dantas, 2016.

[9] BUELVAS, E. P.; PIÑEROS, D. V. “La política exterior colombiana, conflicto y posconflicto: algunas herramientas teórico-conceptuales para su análisis” In BUELVAS, E. P.; GEHRING, H. Política Exterior Colombiana: Escenarios y Desafíos en el posconflitcto. Bogotá: Editorial Pontifícia Universidad Javeriana: Fundación Konrad Adenauer, 2016.

Carolina Pedroso é Mestre e Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP (IEEI-UNESP), bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e docente da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação e São Paulo (ESAMC-SP).

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Coordinadora Regional de Investigaciones Económicas y Sociales