O Brasil e sua política externa em palpos de aranha

Miriam Gomes Saraiva, Universidade do Estado do Rio de Janeiro

CRIES
4 min readApr 26, 2016

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Aos olhos de todos o Brasil está entrando em um período difícil, aonde soluções completas não são vistas no curto prazo. O início das dificuldades já data de algum tempo, mas agora a situação se agravou, em função da aprovação do primeiro e principal passo de um impeachment da presidente Dilma Rousseff, pela Câmara dos Deputados.

A crise começou no início do segundo mandato. O governo já enfrentava dificuldades em função de decisões de política econômica do primeiro mandato, e essas dificuldades tinham impactos no campo político, subindo o preço de um presidencialismo de coalizão. Mas a reeleição foi possível, embora depois de uma campanha eleitoral que mobilizou e dividiu o país, deixando para o governo um legado de difícil composição política. Nesse cenário, a presidente buscou implementar medidas de correção econômica que comprometeram o crescimento do PIB. Por outro lado, o Judiciário levou adiante acusações de corrupção sobretudo em obras ligadas à Petrobras que trouxeram à baila o envolvimento de parlamentares já conhecidos com essa prática; mas que, também e mais difícil, apontaram nomes dos quadros do PT assim como dirigentes da Petrobras e de grandes empresas de obras de infraestrutura.

Juntaram-se então três fatores importantes: decepção por parte dos eleitores com o governo recém reeleito (cuja avaliação negativa se viu em pesquisas de opinião); a ruptura da coalizão que havia levado a presidente à vitória eleitoral (com a saída de setores de centro para a direita dos quais o vice-presidente faz parte); e o desconsolo das forças políticas que haviam perdido a corrida eleitoral por uma diferença pequena de votos. Trocando em miúdos, forças políticas de outros partidos aproveitaram-se de uma situação de crise econômica profunda e frustação do eleitorado com a presidente para buscarem as brechas legais para um impeachment.

E encontraram: em caso de crime de responsabilidade por parte do presidente, a constituição brasileira permite um longo ritual de julgamento e eventual afastamento do cargo. Foi então dado o primeiro passo e, se o Senado aprovar a abertura do processo, dentro de um par de semanas o vice-presidente deve assumir, embora provisoriamente.

Não é certo -embora seja provável- que a presidente seja penalizada depois do ritual de julgamento com a perda definitiva do mandato. Mas também não é certo que, neste caso, o vice-presidente possa terminar o mandato. Existem outros processos em curso na Justiça, sendo um deles de cassação da chapa Rousseff-Temer que concorreu e ganhou a eleição presidencial por utilização de recursos de campanha irregulares. Nesse caso, os dois perdem seus respectivos mandatos. Pedidos difusos de uma sociedade angustiada para que haja novas eleições podem prosperar e encurtar de alguma forma o mandado de Temer.

Essa falta de previsão e regularidade afeta certamente a inserção internacional do país e, mais particularmente, na América do Sul. A presidente Dilma Rousseff já começou a atuar em defesa de seu governo, mas, em menor medida, o vice-presidente, já deu seus primeiros passos. Embora em diferentes graus, ambos estão canalizando esforços para conseguir apoios -ou neutralidade- no exterior, através dos fóruns multilaterais, de governos próximos politicamente ou da imprensa estrangeira.

Desde a sua chegada à primeira presidência que Dilma Rousseff modificou a política externa brasileira. Sem alterar as ideias da política externa de Lula, diminuiu fortemente a diplomacia presidencial e o ativismo internacional do país. O Brasil foi perdendo protagonismo da política global e sua participação ativa em debates da política internacional deram lugar a movimentos espasmódicos de caráter reativo.

Na América do Sul, o empenho brasileiro em consolidar as instituições regionais ficou limitado à manutenção do que havia sido consolidado durante o governo de Lula, e as expectativas de um Brasil incentivador da cooperação regional foram sendo frustradas. A UNASUL seguiu sendo considerada instrumento relevante na política regional, mas a vontade política demonstrada por Lula pelas iniciativas regionais não foi mais sustentada. A presidente não demonstrou ter interesse em atuar como agenda setting na política externa. O MERCOSUL enfrentou dificuldades comerciais que cresceram trazendo um complicador para a dimensão de integração econômica; no campo político, porém, a aproximação teve um importante papel compensador das diferenças econômicas. Na crise política e econômica brasileira, a área da política externa de mais impacto foi a dimensão regional, com o foco no desenvolvimento da infraestrutura.

O avanço do processo de impeachment tem piorado o cenário. A presidência começou movimentos para conseguir apoio de instituições internacionais e cruzar com as divisões políticas internas as fronteiras internacionais. Sua política externa passou a ter como prioridade o apoio à manutenção de seu governo deixando de lado outros temas mais tradicionais. Em relação ao MERCOSUL, foi mencionada a parceiros do bloco uma solicitação de aplicação da cláusula democrática e suspensão temporária do Brasil, mas que traria riscos futuros para a existência do bloco. A UNASUL, em reunião, evitou debater o problema.

Esse cenário não abre boas perspectivas futuras. Em caso de afastamento definitivo de Dilma Rousseff, o novo governo não tem um programa de política externa nem fez menção aos países vizinhos ou às instituições regionais. Por outro lado, um caso de retorno de Dilma Rousseff à presidência não virá junto ao retorno de uma política externa para a região que, na prática, vem sendo abandonada desde 2011. E, nos dois casos, os governos estarão prioritariamente preocupados com a solução da crise interna e com a manutenção e conquista de apoios externos à própria existência. Para tradicionais parceiros externos, além de apoios na esfera das forças políticas, na prática o que resta é aguardar.

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Coordinadora Regional de Investigaciones Económicas y Sociales