Organizações internacionais e a crise política brasileira
A crise política brasileira vem desencadeando crescente repercussão internacional. Matérias e opiniões de analistas publicadas em grandes jornais dividem-se e alternam-se em considerar que algo estranho e ilegítimo está ocorrendo no Brasil. Ao contrário da grande mídia brasileira, profundamente afetada por um momentâneo lapso de isenção jornalística, os meios de comunicação estrangeiros tem se revelado fontes mais confiáveis para refletir sobre as reais razões sobre o impeachment contra Dilma.
As reações internacionais de preocupação e de alerta sobre a crise política pela qual o Brasil atravessa também ganharam os gabinetes das organizações internacionais, tanto do Sistema ONU, como a CEPAL e a ONU Mulheres, quanto das organizações hemisféricas, como a OEA, e regionais, como a UNASUL.
Não deixa de causar surpresa aos que pesquisam e acompanham o comportamento das organizações internacionais, observar o quanto — e como — elas tem se posicionado de forma crítica, em alguns casos contundentemente crítica, sobre o processo que visa à destituir a Presidente Dilma de seu mandato.
Um dado que, particularmente, alimenta essa surpresa é que posições explícitas em solidariedade à Presidente Dilma tem sido expressas tanto por organizações de natureza mais política, quanto aquelas de perfil mais técnico. Ou seja, não se trata de manifestações apenas de simpatizantes do governo ou de sua política no sentido transpartidário. Trata-se de uma reação ampla e multifacetada de organizações internacionais como poucas vezes — sé que alguma vez — se viu num caso semelhante.
Se, como regra, as organizações internacionais mantem um perfil baixo, sobretudo na linguagem, em relação aos assuntos políticos internos dos países, mesmo em crises, não está fora do mandato implícito dos dirigentes internacionais se posicionarem diante de processos que, a olhos vistos, geram grande dúvida sobre sua legitimidade, e cujo desfecho pode ser irreversível.
Um das justificativas que amparam as manifestações de solidariedade ao governo atual é o forte compromisso que tanto o governo Lula quanto o governo Dilma tem tido com o multilateralismo e o regionalismo. Esse compromisso não deve ser analisado de maneira absoluta, já que a politica externa brasileira valoriza historicamente os foros multilaterais e regionais. Trata-se de um compromisso contramajoritário para legitimar e empoderar os foros multilaterais como foros democráticos e representativos, e não apenas como instrumentais das políticas de poder hegemônico; e de legitimar e empoderar os foros regionais como espaços de construção e ação políticas conjuntas.
Outra justificativa se vincula à liderança que o Brasil assumiu nas últimas décadas em relação às políticas sociais e às políticas de proteção e de políticas públicas em favor dos direitos humanos e das minorias, cujo reconhecimento principal vem das organizações internacionais que, inclusive, estão replicando as experiências brasileiras em outros países.
O fator “organizações internacionais” na crítica aberta à falta de legitimidade e à instrumentalização do processo de impeachment no Brasil são sinais importantes a serem decodificados, sobretudo pelos internacionalistas que — sabem bem — quando as organizações internacionais deixam de sussurrar e passam a elevar o tom, algo realmente grave está em curso.
*Gilberto M. A. Rodrigues é professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), pós-doutor em Direitos Humanos pela Universidade de Notre Dame e membro da Junta Diretiva de CRIES.