“The Idea That Gender Is A Spectrum Is A New Gender Prison”, de Rebecca Reilly-Cooper: tradução para Português Brasileiro

Cassie
15 min readJul 11, 2023

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O que é gênero? Essa é uma questão que corta até o coração da teoria e prática feminista, e é fundamental para os debates recentes em ativismo de justiça social sobre classe, identidade e privilégio. Em conversas cotidianas, a palavra “gênero” é um sinônimo para o que seria referido, com mais precisão, como “sexo”. Talvez devido aos vagos escrúpulos sobre proferir uma palavra que também descreve o intercurso sexual, a palavra “gênero” é agora usada eufemisticamente para se referir ao fato biológico de uma pessoa ser mulher ou homem, poupando-nos de todo o constrangimento de ter que invocar, mesmo indiretamente, os órgãos e processos corporais que essa bifurcação acarreta.

A palavra “gênero” originalmente tinha um significado puramente gramatical em linguagens que classificam seus substantivos como masculino, feminino ou neutro. Mas desde 1960, a palavra foi colocada em outro significado, nos possibilitando fazer uma distinção entre sexo e gênero. Para as feministas, essa distinção tem sido importante, pois ela nos ajuda a reconhecer que algumas das diferenças entre homens e mulheres são traçadas biologicamente, enquanto outros têm suas raízes no meio ambiente, cultura, criação e educação: o que as feministas chamem de “socialização do gênero”.

Pelo menos, esse é o cargo que a palavra “gênero” foi atribuída tradicionalmente na teoria feminista. Ela costumava ser uma ideia feminista básica e fundamental que, enquanto sexo referia-se ao que é biológico, e então talvez de algum modo “natural”, gênero referia-se ao que é socialmente construído. Nisso, onde para simplicidade chamamos a visão de feminista radical, gênero refere-se às normas externamente impostas que designam e apagam comportamentos desejáveis aos indivíduos de acordo com características moralmente arbitrárias.

Essas normas não são apenas externas para os indivíduos e coercivamente impostas, mas elas também representam um sistema ou hierarquia binário, com valores em duas posições: masculinidade sobre feminilidade. Indivíduos que são nascidos com o potencial de performar um ou dois papéis reprodutivos, determinados no nascimento, ou até mesmo antes, por genitálias externas que o ser possui. A partir de então, eles serão encaixados em uma das duas classes na hierarquia: a classe superior se seus genitais forem convexos, a inferior se seus genitais forem côncavos.

Desde o nascimento, e a identificação do pertencimento à classe sexual que acontece naquele momento, a maioria das mulheres é criada para ser passiva, submissa, fraca e carinhosa, enquanto a maioria dos homens é criado para ser ativo, dominante, forte e agressivo. Esse sistema, e o processo de socializar e inculcar indivíduos nisso, é o que uma feminista radical se refere pela palavra “gênero”. Entendido dessa forma, não é difícil ver o que é condenável e opressivo sobre o gênero, visto que este restringe o potencial de ambos indivíduos masculinos e femininos, e afirma a superioridade de homens sobre mulheres. Então, para o feminismo radical, a mira é abolir o gênero completamente: para parar de colocar as pessoas em caixas azuis e rosas, para permitir o desenvolvimento de personalidades individuais e preferencias sem a influência coercitiva deste sistema socialmente promulgado.

Esta visão da natureza do gênero assenta dificilmente com esses que experienciam o gênero como algo interno ou inato, que algo construído socialmente e externamente imposto. Tais pessoas não apenas disputam que o gênero é inteiramente construído, mas também rejeitam as análises radicais feministas que o gênero é inerentemente hierárquico com duas posições. Nisso, para qual facilitarei chamando de visão feminista queer do gênero, o que faz a operação do gênero opressiva não é que este é socialmente construído e coercivamente imposto: ao contrário, o problema é a prevalência da crença que há apenas dois gêneros.

Humanos de ambos os sexos seriam liberados se fosse reconhecido que, enquanto o gênero é uma faceta interna, inata e essencial de nossas identidades, há apenas mais gêneros que apenas “homem” e “mulher” para escolhermos ou nos identificarmos. E o próximo passo para a liberação é o reconhecimento de um novo alcance de identidades de gênero: agora nós temos pessoas referindo a si mesmas como “genderqueer”, ou “não-binária”, ou “pangênero”, ou “poligênero”, ou “agênero”, ou “demiboy”, ou “demigirl”, ou “neutrois”, ou “aporagênero”, ou “lunagênero”, ou “gênero quântico”… Eu poderia ir além. Uma mantra frequentimente repetida entre os proponentes dessa visão é que o “o gênero não é binário; é um espectro”. O que se segue dessa visão não é que precisamos derrubar as caixas rosa e azul; em vez disso, simplesmente precisamos reconhecer que existem muito mais caixas do que apenas essas duas.

À primeira vista, essa ideia parece atraente, mas há inúmeros problemas com ela, problemas que a tornam internamente incoerente e politicamente desinteressante.

Muitos proponentes da visão queer do gênero descrevem suas próprias identidades de gênero como “não-binária”, e apresentam isso em oposição para a vasta maioria das pessoas tais a identidade de gênero é presumida como binária. Prima facie, parece haver uma tensão imediata entre a reivindicação de que o gênero não é binário mas um espectro, e a reivindicação de que apenas uma proporção pequena de indivíduos podem ser descritos como “não-binários”. Se gênero realmente é um espectro, isso não significa que todo indivíduo vivo é não-binário, por definição? Caso sim, então o rótulo “não-binário” para descrever uma identidade de gênero específica se tornaria redundante, porque falharia em escolher uma categoria especial de pessoas.

Para evitar isso, o proponente do modelo espectro deve ser, na verdade, assumir que gênero é ambos: binário e um espectro. É inteiramente possível para uma propriedade ser descrita em ambas formas contínuas e binárias. Um exemplo é a altura: claramente altura é um contínuo, e os indivíduos podem cair em qualquer lugar ao longo desse contínuo; mas também temos os rótulos binários Alto e Baixo. O gênero pode operar de maneira semelhante?

Algo a notar sobre o binário Alto e Baixo é que quando esses conceitos são invocados para referir-se à pessoas, eles são relativos ou descrições comparativas. Visto que altura é um espectro ou um contínuo, nenhum indivíduo é absolutamente alto ou absolutamente pequeno; nós somos todos mais altos que algumas pessoas e pequenos que outras. Quando nos referimos a outras pessoas como altas, o que queremos dizer é que elas são mais altas que uma pessoa média em um grupo tais quais estamos interessados em examinar. Um menino poderia simultaneamente ser alto para seis anos de idade, mas pequeno em comparação com outros homens. Portanto, as atribuições dos rótulos binários alto e Baixo devem ser comparativas e fazer referência à média. Talvez os indivíduos que se agrupam em torno dessa média possam ter alguma pretensão de referir a si mesmos como de “altura não-binária”.

No entanto, parece que improvável que essa interpretação do modelo de espectro irá satisfazer pessoas que se descrevem como não-binárias. Se gênero, como altura, é para ser entendido como comparativo ou relativo, isso iria contra a insistência de que os indivíduos são os únicos árbitros de seu gênero. Seu gênero seria definido por referência para a distribuição de identidades de gênero presentes no grupo o qual você se identifica, e não por suas próprias auto determinações individuais. Portanto, não caberia a mim decidir que sou não-binário. Isso poderia ser determinado apenas comparando minha identidade de gênero com a disseminação de outras pessoas e vendo onde eu caio. E embora eu possa me considerar uma mulher, outra pessoa pode estar abaixo no espectro da feminilidade do que eu e, portanto, “mais mulher” do que eu.

Além, quando observamos a analogia com a altura podemos ver que, quando observando a população inteira, apenas uma pequena minoria de pessoas seriam precisamente descritas como Altas ou Baixas. Visto que a altura realmente é um espectro, e os rótulos binários são atribuídos comparativamente, apenas o punhado de pessoas em cada extremidade do espectro poderiam significativamente rotuladas como Alta ou Baixa. O resto de nós, caindo ao longo de todos os pontos intermediários, são as pessoas de altura não-binária e nós somos típicos. Na verdade, é apenas o binário de pessoas Alta ou Baixa que são raras e incomuns. E se estendermos a analogia ao gênero, veremos que ser não-binário é, na verdade, a norma, não a exceção.

Para Chamar-se “Não-Binário” é, na Verdade, para Criar Outro Binário

Se o gênero é um espectro, isso significa que é um contínuo (continuum) entre dois extremos, e que todos estão localizados em algum lugar neste contínuo. Eu assumo que os dois finais do espectro são masculinidade e feminilidade. Há algo a mais que poderia ser? Assim que percebemos isso, fica claro que todos são não-binários, porque absolutamente ninguém é puramente masculino ou feminino. Claro, algumas pessoas estarão mais perto das extremidades do espectro, enquanto outras serão mais ambíguas e flutuarão em torno do centro. Mas, mesmo a pessoa mais convencionalmente feminina demonstrará algumas características que associamos à masculinidade e vice-versa.

Eu estaria feliz com essa implicação, já que, apesar de possuir uma biologia feminina e chamar a mim mesma de mulher, eu não me considero um estereótipo de gênero bidimensional. Eu não sou a manifestação ideal da feminilidade, e logo sou não-binária. Assim como todos. No entanto, esses que descrevem a si mesmos como não-binários são improváveis de estarem satisfeitos com esta conclusão, já que sua identidade “pessoa não-binária” depende da existência de um grupo muito mais largo de pessoas binárias cisgêneras, pessoas que são incapazes de estar fora dos gêneros masculino-feminino arbitrários ditados pela sociedade.

E aqui temos uma ironia de algumas pessoas insistindo que elas e um punhado de seus amigos revolucionários do gênero são não-binários: ao fazer isso, eles criam um falso binário onde há os que se conformam com as normas de gênero associadas com seu sexo, e os que não. Na realidade, todos são não-binários. Todos nós participamos ativamente de algumas normas de gênero, concordamos passivamente com outras e criticamos positivamente outras ainda. Então para chamar alguém de não-binário é de fato criar um falso binário. Também frequentemente parece envolver, pelo menos implicitamente, colocar alguém no lado mais complexo e interessante desse binário, deixando a pessoa não-binária reivindicar ser ambos mal entendida e politicamente oprimida pelas pessoas binárias cisgênero.

Se você se identifica como pangênero, a representação que você reivindica é tudo possível no espectro? Ao mesmo tempo? Como poderia isto ser possível, visto que os extremos necessariamente representam opostos incompatíveis uns com os outros? Feminilidade pura é passividade, fraqueza e submissão, enquanto masculinidade pura é agressão, força e dominância. É simplesmente impossível ser todas essas coisas ao mesmo tempo. Se você discorda com essas definições de masculinidade e feminilidade, e não aceita que a masculinidade deveria ser definida em termos de dominância enquanto feminilidade em termos de submissão, você é bem-vindo a propor outras definições. Mas seja lá que você proponha, eles irão representar opostos um do outro.

Aparentemente, é permitido a um punhado de indivíduos optar por sair do espectro declarando-se “agênero”, dizendo que não se sentem nem masculinos nem femininos e não têm nenhuma experiência interna de gênero. Não somos dados nenhuma explicação pelo que algumas pessoas podem recusar a definir sua personalidade em termos de gênero enquanto outros não são, mas uma coisa é clara sobre a auto designação “agênero”: não podemos todos fazer isso, pela mesma razão pela qual todos não podemos nos chamar de não-binários. Se todos fossemos negar que temos uma identidade de gênero inata e essencial, então o rótulo “agênero” seria redundante, já que faltar traços de um gênero é um talento universal. Agênero pode ser definido apenas contra gênero. Esses que definem a si mesmos e sua identidade pela sua falta de gênero devem, portanto, estarem comprometidos com a visão de que a maioria das pessoas tem um gênero inato e essencial, mas que, por algum motivo, não o faz.

Assim que estabelecermos que o problema com o gênero atualmente é reconhecer apenas dois deste, a questão mais óbvia a perguntar é: quantos gêneros teríamos que reconhecer em consequência para não sermos opressivos? Apenas quantas identidades de gênero possíveis existem?

A única resposta consistente para isso é: 8 bilhões, mais ou menos. Existem tantas possibilidades de identidades de gênero como há humanos no planeta. De acordo com o site nonbinary.org, um dos principais sites de referência na internet para informações sobre gêneros não-binários, seu gênero pode ser o frio, ou o Sol, ou a música, ou o oceano, ou Júpiter, ou escuridão pura. Seu gênero pode ser pizza.

Mas se é isso, não está claro como faz sentido ou adiciona algo para nosso entendimento chamar qualquer uma dessas coisas de “gênero”, em oposição para apenas “personalidade humana” ou “coisas que gosto”. A palavra gênero não simplesmente é uma palavra chique para sua personalidade, gostos ou preferências. Não é simplesmente um rótulo para adotar para que você possa ter uma maneira única de descrever a si mesmo assim com o quão imenso de interessante você é. Gênero é um sistema de valor que empata desejavelmente (e às vezes indesejavelmente?) comportamentos e características para a função reprodutiva. Uma vez dissociados esses comportamentos e características da função reprodutiva (o que deveríamos fazer) e uma vez que rejeitamos a ideia de que existem apenas dois tipos de personalidade, onde um é superior ao outro (o que deveríamos), o que pode acontecer? Significa continuar a chamar essas coisas de “gênero”? O que essa tem de significado aqui, que a palavra “personalidade” (“identidade”) não pode capturar?

No site nonbinary.org, seu gênero pode aparentemente ser:

(Seu nome)gênero: um gênero que é melhor descrito pelo nome da pessoa, bom para aqueles que não tem certeza de como eles se identificam ainda, mas definitivamente sabe que eles não são cis […] pode ser usado como um termo guarda-chuva ou um identificador específico, e.g., johngênero, janegênero, (seu nome)gênero, etc

O exemplo do “(seu nome)gênero” perfeitamente demonstra como as identidades de gênero não-binárias operam, e a função que elas performam. Elas são para pessoas que não possuem certeza do que elas se identificam, mas sabem que não são cisgênero. Presumivelmente porque elas são muito interessantes, revolucionárias e transgressoras para algo ordinário e convencional como cis.

A Solução Não É Tentar Escapar Pelas Grades Da Jaula Deixando O Resto Da Jaula Intacta, E O Resto Das Mulheres Presas Dentro Dela

Esse desejo de não ser cis é racional e faz perfeito sentido, especialmente se você é uma mulher. Eu também acredito que meus pensamentos, sentimentos, aptidões e disposições são de longe muito mais interessantes e complexas para simplesmente ser uma “mulher cis”. Eu, também, gostaria de transcender estereótipos socialmente construídos sobre meu corpo feminino e as premissas que os outros fazem sobre mim como um resultado disso. Eu também gostaria de ser vista como algo maior que apenas uma mãe/serva doméstica/objeto de gratificação sexual. Eu também gostaria de ser vista como um ser humano, uma pessoa com uma vida inata rica e profunda, com o potencial de ser mais do que nossa sociedade atualmente vê como possível para mulheres.

A solução para isso, no entanto, não é me chamar de agênero para tentar escapar pelas grades da raça enquanto deixo o resto da jaula intacta, e o resto das mulheres presas nela. Isso é especialmente verdade porque você não pode escorregar pelas grades. Nenhuma quantidade de chamar a mim mesma de “agênero” irá fazer o mundo parar de me ver como mulher, e me tratar de acordo. Eu posso me introduzir como agênero e insistir em meu próprio conjunto de neopronomes quando me candidato a um emprego, mas isso não impedirá o intrevistador de ver o potencial de criar bebês e de dar o cargo ao menos qualificado, mas menos sobrecarregado por candidato masculino de reprodução.

Aqui chegamos à tensão crucial no cerne da política de identidade de gênero, e que a maioria de seus proponentes não percebeu ou optou por ignorar porque só pode ser resolvida rejeitando alguns dos princípios-chaves da doutrina.

Muitas pessoas justificadamente assumem que a palavra “transgênero” é um sinônimo com “transsexual”, e que significa algo como: ter disforia e angústia sobre seu corpo sexuado, e ter um desejo de alterar esse corpo para o sexo oposto. Mas de acordo com a terminologia atual de políticas de identidade de gênero, ser transgênero não tem nada a ver com um desejo de mudar seu corpo sexuado. O que significa ser transgênero é que sua identidade de gênero inata não se conforma com o gênero que você foi imposto ao nascer. Isso pode ser o caso mesmo se você é perfeitamente feliz e contente com o corpo que você possui. Você é transgênero simplesmente se você se identifica com um gênero, mas socialmente você foi percebido como outro.

É um princípio fundamental da doutrina que a grande maioria das pessoas pode ser descrita como “cisgênero”, o que significa que nossa identidade de gênero inata corresponde àquela que nos foi atribuída ao nascimento. Mas como já vimos, se identidade de gênero é um espectro, então todos somos não-binários, porque nenhum de nós habita os pontos representados pelas extremidades desse espectro. Todos de nós vamos existir de forma única nesse espectro, determinado pela natureza individual e idiossincrática de nossa identidade particular, e nossa própria experiência subjetiva do gênero. Visto isso, não é claro como qualquer um poderia ser cisgênero. Nenhum de nós recebeu nossa identidade de gênero correta no nascimento, pois como isso seria possível? No momento do meu nascimento, como poderia qualquer um saber que eu, posteriormente, iria descobrir que minha identidade de gênero era “gênero frio”, um gênero que é aparentemente “bem gelado”?

Assim que reconhecermos que o número de identidades de gênero é potencialmente infinito, nós somos forçados a conceder que ninguém é profundamente cisgênero, já que ninguém recebe a identidade de gênero correta no nascimento de forma alguma. Nós fomos colocados em uma das classes sexuais na base da nossa potencial função reprodutiva, determinada por nossas genitais externas. Fomos criados de acordo com as normas de gênero socialmente prescritas para esse sexo. Nós somos todos educados e inculcados em um dos dois papéis, tempo atrás éramos capazes de expressar nossas crenças sobre nossa identidade de gênero inata, ou determinar para nós mesmos o ponto preciso que nós caímos no contínuo do gênero. Então definindo pessoas transgênero como essas quais, no nascimento, não foram atribuídas ao seu lugar correto no espectro de gênero, tem a implicação de que cada um de nós é transgênero; não há pessoas cisgênero.

A conclusão lógica para tudo isso é: se o gênero é um espectro, não um binário, então todos somos trans. Ou alternativamente, não há pessoas trans. De qualquer forma, essa é uma conclusão profundamente insatisfatória, tal qual serve para ambos obscurecer a realidade da opressão feminina, assim como apagar e invalidar as experiências de pessoas trans.

A forma de evitar essa conclusão é perceber que gênero não é um espectro. Não é um espectro, porque não é uma propriedade inata e interna das pessoas. Gênero não é um fato sobre pessoas que devemos interpretar como fixo e essencial, e então construir nossas instituições sociais neste fato. Gênero é socialmente construído por todo seu caminho, uma hierarquia externamente imposta, com duas classes, ocupando duas posições: homem sobre mulher, masculinidade sobre feminilidade.

A verdade da analogia do espectro reside no fato de que a conformidade do lugar de alguém na hierarquia, e os papéis que ela (a hierarquia) atribui as pessoas, irá variar de pessoa para pessoa. Algumas pessoas irão achar relativamente mais fácil e mais duro de se conformar com as normas associadas ao seu sexo, enquanto outros irão descobrir que os papéis associados ao seu sexo são opressivos e limitados e que eles não podem toleravelmente viver sobre eles, e escolher transicionar para viver de acordo com os papéis do gênero oposto.

Gênero Como Uma Hierarquia Perpetua A Subordinação De Mulheres A Homens, E Limita O Desenvolvimento De Ambos Os Sexos

Por sorte, o que é um espectro é a personalidade humana, em toda sua variedade e complexidade (na verdade, também não é um único espectro, porque não é simplesmente um contínuo entre dois extremos. É mais como uma grande bola de sociabilidade humana). Gênero é um sistema de valor que diz que há dois tipos de personalidade, determinadas pelos órgãos reprodutivos que você nasce com. Um dos primeiros passos para a liberação das pessoas da jaula que é o gênero é desafiar normas de gênero estabelecidas, e brincar e explorar sua identidade e expressão. Ninguém, e certamente nenhuma feminista radical, quer parar as pessoas de definirem a si mesmas de formas que fazem sentido para elas, ou de expressarem sua personalidade de formas que elas acham legais e libertadoras.

Então se você quer se chamar de gênero queer mulher apresentando demigirl, vá com tudo. Expresse sua identidade de gênero como quiser. Tenha diversão com isso. O problema emerge quando você começa a fazer reivindicações políticas na base desses rótulos: quando você começa a demandar aos outros se chamarem de cisgêneros, porque você requer que há várias pessoas binárias cis convencionais para definir-se contra; e quando você insiste que essas pessoas cis tem vantagem estrutural e privilégio político sobre você, porque eles são lidos socialmente como os binários conformistas, enquanto ninguém realmente entende o quão complexa, luminosa, multifacetada e única é sua identidade de gênero. Para se chamar de não-binário ou gênero fluído enquanto demanda aos outros se chamarem de cisgênero é insistir que a vasta maioria dos humanos devem ficar nessas caixas, porque você se identifica sem caixas.

A solução não é reificar o gênero insistindo em mais e mais categorias de gênero que definem a complexidade da personalidade humana de forma rígida e essencial. A solução é abolir o gênero completamente. Nós não precisamos de gênero. Seríamos melhores sem ele. Gênero como uma hierarquia com duas posições opera para naturalizar e perpetuar a subordinação das mulheres aos homens, e limita o desenvolvimento de indivíduos de ambos os sexos. Reconceber o gênero como um espectro de identidade não representa nenhuma melhoria.

Você não precisa ter uma experiência profunda, interna e essencial de gênero para ser livre para vestir-se como quiser, comportar-se como quiser, trabalhar como gosta, amar quem você ama. Você não precisa mostrar que sua personalidade é feminina para ser aceitável que você goste de cosméticos e culinária. Você não precisa ser gênero queer para desconstruir o gênero. A solução para um sistema opressivo que coloca as pessoas em caixas azuis e rosas não é criar mais e mais caixas que são de qualquer cor mas azuis ou rosas. A solução é destruir as caixas completamente.

Post original em inglês: https://aeon.co/essays/the-idea-that-gender-is-a-spectrum-is-a-new-gender-prison

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