BELA BADERNA

ESTUDO DE CASO: Jornadas de Junho - Revogação do aumento das tarifas de transporte público em São Paulo

Escola de Ativismo
4 min readDec 25, 2016

Com a contribuição de Gabi Juns e Vitor Leal

Quando: Junho de 2013

Onde: São Paulo

O que:

Há cerca de 10 anos, o Movimento Passe Livre (MPL), movimento horizontal, autônomo, independente e apartidário, luta por um transporte público gratuito e de qualidade no Brasil. Toda vez que o poder público decide aumentar as tarifas dos transportes públicos, o MPL intensifica sua atuação e sai às ruas em defesa da Tarifa Zero. Seu objetivo de luta é a superação do modelo privatizante e capitalista do transporte coletivo urbano no Brasil por meio da garantia do acesso universal ao transporte público — o Passe Livre para todos.

Em junho de 2013, o MPL iniciou mais uma vez sua jornada contra o aumento das tarifas de ônibus e metrô em São Paulo e em outras cidades do país. Diferente de anos anteriores, em que o movimento realizou manifestações semanais, neste caso o MPL decidiu concentrar seus atos em um intervalo menor de tempo. A cada dois dias, foram realizadas ações diretas, com a ocupação e paralisação das principais vias da cidade de São Paulo, sempre em horário de pico. Ao final de cada ato, manifestantes em coro prenunciavam: “Amanhã vai ser maior!”

A mensagem protesto de milhares de pessoas ao fecharem as principais vias da cidade de São Paulo.

Como resposta ao crescente das manifestações de junho, houve forte repressão policial. A mídia tradicional começou a criminalizar os atos com ataques aos manifestantes, fazendo com que as manifestações passassem a ser vistas como “vandalismo”. Vidraças quebradas e ônibus incendiados viraram as imagens favoritas das grandes emissoras de TV. Enquanto isso, nas mídias sociais, imagens da truculência policial e do uso abusivo de seus “artefatos de guerra” (arsenal de arma de choque, spray de pimenta, gás lacrimogêneo e balas de borracha) acenderam um rastro de indignação e solidariedade aos manifestantes.

Com o uso excessivo de gás lacrimogêneo pela polícia, manifestantes e jornalistas passaram a usar vinagre para amenizar os efeitos do gás. De forma inédita, várias pessoas foram detidas por “porte de vinagre”, e embalagens de vinagre foram apreendidas. Nas mídias sociais, o ridículo gesto policial se transformou em brincadeira, e vários memes passaram a circular, como “Revolta da Salada”, “V de Vinagre”, “Revolta do Vinagre”, “Além do Vinagre”, “Pacificadores Vinagrete”.

No quarto grande ato, dia 13 de junho, a escalada da brutalidade e da violência policial foi emblemática. Dezenas de pessoas, incluindo jornalistas, foram presas e/ou feridas. As ruas da cidade se tornaram um campo de batalhas. Os abusos provocaram o aumento significativo de pessoas nas ruas e do apoio popular aos manifestantes. Mais de 100 mil pessoas se reuniram no quinto ato, diferente das primeiras manifestações, que tiveram de 3 a 4 mil pessoas presentes. A onda de protestos atingiu proporções inéditas desde o período de redemocratização do país. O que se viu foi a expansão incontrolável das manifestações e a emergência de múltiplas pautas, mobilizando, no dia 17 de junho, mais de 1 milhão de pessoas em mais de cem cidades brasileiras, incluindo atos de solidariedade em vários países. Após treze dias de protestos nas ruas, prefeito e governador de São Paulo decidiram pela revogação do aumento das tarifas no dia 19 de junho.

Por que funcionou:

O arranjo de táticas foi fundamental, envolvendo: ação em massa nas ruas de forma crescente e simultânea em diferentes cidades; diálogo com autoridades públicas; uso estratégico da não-violência mesmo diante da grande repressão policial e; acima de tudo, a manutenção do foco no objetivo específico de revogar o aumento da passagem do transporte público. A clareza da mensagem facilitou ampliar o envolvimento das pessoas: “Não é só por 20 centavos; é por direitos”. Mensagem direta — e fácil — para a população entender — e se apropriar.

O que não funcionou:

Descontrole de atos públicos com a participação massiva de pessoas. A atuação de pequenos grupos em táticas Black Bloc, quebrando vidraças de prédios públicos e privados, gerou ruídos na cobertura da mídia, confundindo a percepção da opinião pública acerca da natureza política das manifestações.

Difusão de pautas. A emergência de outras pautas ofuscou a possibilidade de aprofundar o debate sobre o significado dos 20 centavos na luta pela Tarifa Zero.

TÁTICA usada:

Ações em massa na rua: para pressionar a prefeitura da cidade e o governo do estado de SP, o MPL realizou atos públicos com milhares de pessoas paralisando as principais ruas e avenidas da cidade. Uma demonstração efetiva do poder das pessoas, quando reunidas em defesa de um bem público.

Outras táticas usadas:

Não-violência estratégica

Projeção de guerrilha

PRINCÍPIOS em ação:

Atenha-se à mensagem: o uso recorrente de uma mensagem simples e direta facilitou sua circulação nas mídias sociais, assim como o envolvimento rápido e massivo das pessoas nas ruas. Mesmo a tentativa de desqualificação dos “20 centavos”, como uma pauta de classe média insatisfeita, ou a alegação do governo da inviabilidade financeira para atender a demanda de revogação do aumento da tarifa não foram suficientes para derrubar sua legitimidade.

Mantenha a postura não-violenta: em todos os atos era possível ver pacificadores cuidando para transformar a raiva e a indignação em ações não-violentas de protesto. Mesmo com o aumento da brutalidade policial, a manutenção dessa postura deu mais legitimidade ao movimento que passou a receber a adesão massiva de pessoas contrárias aos abusos e à violação de direitos provocados pelos agentes do Estado.

Outros princípios:

Escolha táticas que apoiem sua estratégia

A raiva funciona melhor quando se tem o moral elevado

Se protestar for ilegal, faça da vida diária um protesto

TEORIAS relacionadas:

Pontos de Intervenção

Lógica da ação

Ações expressivas e instrumentais

PRATICANTES:

Movimento Passe Livre — São Paulo

Outras leituras e links relacionados:

http://saopaulo.mpl.org.br/

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A Escola de Ativismo tem a missão de fortalecer o ativismo no Brasil por meio de processos de aprendizagem. Site: http://ativismo.org.br