BELA BADERNA

ESTUDO DE CASO: Marãiwatsédé: a terra é dos Xavante

Escola de Ativismo
5 min readDec 25, 2016

Com a contribuição de Andreia Fanzeres, Marcelo Marquesini e Tica Minami

Quando: Abril a Dezembro de 2012

Onde: Rio de Janeiro-RJ, Alto Boa Vista-MT, Brasília-DF

O que:

Em 1992, o cacique Damião Paridzané esteve no Rio de Janeiro para a Conferência ECO 92 e recebeu a garantia de que a multinacional Agip Petroli iria devolver parte do território Xavante de Marãiwatsédé (MT). Nos anos 60, a petroleira comprou parte da terra indígena — resultado da política de desenvolvimento para a Amazônia promovida pelo governo militar. Vinte anos depois, a volta da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) para o Rio de Janeiro demarcava um momento simbólico e pertinente para se promover um balanço do que havia sido feito pelos governos desde então.

Nos 46 anos em que os Xavante tentaram retornar à sua terra ancestral, de onde foram removidos forçosamente pela ditadura militar, em 1966, Marãiwatsédé teve 85% de sua área desmatada, sendo conhecida como a terra indígena mais devastada da Amazônia brasileira. Neste período, sua ocupação se deu predominantemente por produtores rurais, vereadores, prefeitos e deputados, apoiados de maneira incondicional pelo governo do estado de Mato Grosso.

A RIO+20 se apresentava como uma oportunidade única para dar visibilidade à causa Xavante e pressionar o governo a cumprir sua promessa de 20 anos atrás, visto que a justiça já havia decretado a devolução das terras ao indígenas. A OPAN (Operação Amazônia Nativa), organização indigenista que apoia os Xavante, junto à Escola de Ativismo, definiu então uma série de ações político-midiáticas para pressionar o governo brasileiro a devolver a Terra Maraiwãtsédé aos Xavante. Os indígenas participaram de todo o processo de decisão, e construíram conjuntamente as ações, de acordo com seus saberes e formas de organização.

Corrida de tora dos Xavante durante a Marcha Oficial da Cúpula dos Povos. Foto Rodrigo Paiva/Greenpeace.

Durante a Marcha Oficial da Cúpula dos Povos, os Xavante realizaram sua tradicional corrida de tora, só que no sentido contrário para simbolizar os retrocessos dos direitos indígenas e o descaso do governo brasileiro com o povo Xavante de Marãiwatsédé, o que chamou a atenção dos organizadores, dos participantes, da imprensa e dos fotógrafos.

Como forma de marcar presença no espaço das negociações oficiais da Rio+20, perante as autoridades e chefes de Estado, os Xavante planejaram passar sua mensagem diretamente para as autoridades brasileiras. A imprensa foi acionada. Assim que avistaram o ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho e a então Presidente da FUNAI, Marta Azevedo, os Xavante fizeram sua intervenção.

Nas camisetas que vestiam e nos cartazes que empunhavam, a mensagem era clara: “Dilma, devolva Marãiwatsédé”. Na frente dos jornalistas, o ministro Carvalho garantiu aos Xavante que a desintrusão de Marãiwatsédé era prioridade para o governo federal. No mesmo dia, o cacique Damião Paridzané conseguiu se integrar a um grupo de 13 lideranças indígenas para uma conversa a portas fechadas com o ministro-chefe da Presidência e outras autoridades.

A visibilidade conquistada na Rio+20 incomodou políticos e fazendeiros que detinham propriedades dentro da terra indígena Xavante. Bloqueios nas estradas e pontes queimadas tentaram impedir os indígenas de retornarem do Rio de Janeiro para a aldeia. A intensificação do clima de tensão e do conflito desencadeou uma série de ações por parte do governo federal, que se apressou em cumprir a ordem judicial determinando a conclusão de um plano de desintrusão da área. Um mês depois, o Supremo Tribunal Federal tomou a decisão em favor dos indígenas. Oficiais de justiça notificaram os ocupantes não indígenas da área e iniciaram a retirada dos invasores. Hoje, a Terra Marãiwatsédé pertence novamente aos Xavante.

Por que funcionou:

A parceria entre Xavante, OPAN e Escola de Ativismo e o claro entendimento do papel de cada um foi fundamental para o processo de reconquista da terra indígena. Houve uma combinação singular entre o protagonismo dos indígenas e sua visão de mundo com a adaptação de algumas ideias de acordo com as situações enfrentadas. Também foi fundamental o trabalho cuidadoso de acompanhamento dos processos judiciais e do governo feito pela OPAN, parceiros e Ministério Público Federal, o que permitiu um reajuste das ações planejadas. O grupo também investiu em uma etapa de pesquisa e gerou um blog com informações confiáveis para ampla divulgação sobre o tema, traduzido para quatro idiomas.

TÁTICA usada:

Ação direta: a presença dos Xavante dentro do espaço oficial de negociações da Rio+20 foi fundamental para tirar a causa Marãiwatsédé da invisibilidade e expor 20 anos de descaso por parte do governo brasileiro. A resposta foi imediata: além da garantia do Ministro-Chefe da Presidência da República, Gilberto Carvalho, de devolver Marãiwatsédé para os Xavante, o governo agiu para evitar a escalada da violência na região e retirou os invasores da área, cumprindo sua palavra com os indígenas.

Outras táticas usadas:

Interrupção criativa

PRINCÍPIOS em ação:

Aceite a liderança dos mais impactados: O sucesso deste caso se deve ao protagonismo dos indígenas, que deram aos demais parceiros a noção do que e de como pretendiam agir, dentro de sua visão sobre o que era prioritário e conforme sua organização social.

Atenha-se à mensagem: Diversos materiais de comunicação foram desenvolvidos para apoiar o trabalho: um blog com notícias, vídeos e fotos para apoiar a imprensa e a sociedade civil, em quatro idiomas, além de uma identidade visual para a campanha, ações nas redes sociais, impressão de folder sobre o povo Xavante, camisetas e faixas com a mensagem: “A terra é dos Xavante” e “Dilma, devolva Marãiwatsédé”.

Faça o trabalho de mídia por eles: Para a ação no Rio Centro, um grupo de apoio pautou a mídia credenciada que estava no local cobrindo as negociações oficiais. Ávidos por alguma movimentação diferente que os tirasse do marasmo do local, a abordagem dos Xavante às autoridades brasileiras gerou grande repercussão na mídia nacional e internacional, com boa cobertura de imagens e entrevistas em veículos importantes de comunicação.

Outros princípios:

Escolha táticas que apoiem sua estratégia

Coloque seu oponente em um dilema de decisão

Torne visível o que é invisível

TEORIAS relacionadas:

Lógica da ação

Espetáculo ético

Ações expressivas e instrumentais

PRATICANTES:

Povo Indígena Xavante de Marãiwatsédé

Operação Amazônia Nativa — OPAN

Escola de Ativismo

Outras leituras e links relacionados:

Blog: A Terra é dos Xavante

http://maraiwatsede.wordpress.com/

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A Escola de Ativismo tem a missão de fortalecer o ativismo no Brasil por meio de processos de aprendizagem. Site: http://ativismo.org.br