BELA BADERNA

PRINCÍPIO: Vire o jogo

Escola de Ativismo
3 min readDec 23, 2016

Com a contribuição de Mark Read

“Faça o inimigo seguir seu próprio conjunto de regras.”– Saul Alinsky

RESUMO
Às vezes a maneira mais cativante de expor uma injustiça é virar o jogo e fazê-la valer para os poderosos.

Lembra daquela ótima cena de Erin Brockovich na qual a heroína traz um copo de água contaminada para uma reunião com as empresas que seus clientes acusaram de contaminar a água potável? “Vocês dizem que essa água é perfeitamente segura para beber?”, ela diz. “Ok, então bebam”, e coloca o copo d’água na frente deles. Ao se recusarem a beber, a injustiça da situação fica evidente para quem quiser ver. Ela virou o jogo.

As pessoas têm um senso inato de justiça, mas nem sempre veem as injustiças que acontecem a seu redor. Ao pegar uma situação de injustiça e jogá-la dramaticamente de volta para sua fonte, você pode ressaltar a assimetria inerente e ativar o senso de justiça das pessoas. Virar o jogo assim pode ser um modo eficaz de conseguir apoio do público, bem como de enfraquecer a autoridade moral de seu oponente.

Vejam o caso da ação de transformar ruas em jardins, por exemplo. O prefeito de Nova York, Rudy Giuliani, estava tentando vender jardins comunitários para construtoras, algo que teria desabrigado grupos comunitários e deixado a cidade com menos locais para as crianças brincarem. Membros da comunidade estavam, com razão, indignados, mas no início tiveram dificuldade para conseguir apoio público. Para virar o jogo, os ativistas tomaram mais de um quarteirão na parte sudeste de Manhattan e transformaram a área em um espaço cívico vibrante para conversas, educação e celebração. Sua mensagem era “ok, se você pode nos expulsar de nossos jardins, nós podemos expulsar vocês de suas ruas”.

O Greenpeace tem feito uso consistente dessa tática para colocar luz sobre o despejo de lixo tóxico. Em 2003, em parceria com famílias e vítimas do enorme desastre da fábrica química em Bhopal, na Índia, eles tentaram, sem sucesso, entregar sete barris de lixo tóxico na sede da Dow Chemical em Amsterdã. A ação abordava diretamente questões de justiça e poder: “Se vocês podem despejar esse lixo tóxico nas pessoas da Índia, nós podemos despejá-lo de volta em vocês”. Por que uma coisa é ilegal se o ato análogo segue sem punição?

Uma menininha vira o jogo contra um guarda de fronteira israelense no mural icônico criado por Banksy na barreira de West Bank.

Virar o jogo coloca essa questão de uma maneira precisa e de fácil entendimento, expondo a hipocrisia e a injustiça para que todos vejam. É um formato fácil de pegar com a grande mídia, e difícil deles distorcerem. Por todos esses motivos, tem o potencial de gerar apoio para sua causa, aumentar a pressão sobre seu oponente, e fazer com que você ganhe algumas concessões.

POSSÍVEIS PROBLEMAS: Uma tentativa de virar o jogo pode sair pela culatra se sua analogia for imprecisa, indireta ou desonesta. Às vezes mesmo uma analogia clara pode ser enfraquecida por fortes condicionamentos culturais. Por exemplo, a polícia possui ampla legitimidade em nossa cultura enquanto agentes éticos de autoridade. Se isso é merecido ou não, não importa, é a realidade na qual operamos. Tentar virar esse jogo construindo uma equação sobre violência da polícia versus violência dos manifestantes será uma árdua tarefa. Para virar o jogo, é preciso levar sempre em conta o contexto cultural e os modelos de compreensão existentes.

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Escola de Ativismo

A Escola de Ativismo tem a missão de fortalecer o ativismo no Brasil por meio de processos de aprendizagem. Site: http://ativismo.org.br