BELA BADERNA

TÁTICA: Intervenção visionária

Escola de Ativismo
4 min readDec 21, 2016

Com a contribuição de Andrew Boyd

“Você nunca muda as coisas lutando contra a realidade existente. Para mudar algo, construa um novo modelo que torne o existente obsoleto.” – Buckminster Fuller

USOS MAIS COMUNS
Para dar uma ideia da utopia pela qual estamos trabalhando; para mostrar como o mundo poderia ser; para fazer com que esse mundo seja não apenas possível, mas irresistível.

Muitos de nós gastam tanto tempo tentando impedir coisas ruins de acontecer que raramente têm tempo de imaginar como seria se as coisas fossem melhores, e muito menos para de fato sair e criar um pedacinho do futuro no qual queremos viver. Intervenções visionárias buscam resolver esse desequilíbrio.

Os sit-ins nos balcões de lanchonetes realizadas pelo movimento por direitos civis nos Estados Unidos são normalmente lembradas como desafiadores, corajosos e, por fim, como atos de resistência bem-sucedidos contra o apartheid norte-americano da era Jim Crow[1]. Eles eram isso mesmo, mas eram também profundamente visionários. As ações dos estudantes — grupos interraciais de pessoas violando a lei por sentarem em balcões de lanchonetes exigindo serem atendidos — vislumbraram a vitória e desenharam o mundo em que queriam viver: eles estavam colocando em prática a integração que queriam.

Trotes, intervenções artísticas, uso tático da mídia, festivais alternativos, comunidades temporárias e até mesmo teatro eleitoral de guerrilha também podem ser maneiras eficazes de imaginar o mundo em que queremos viver.

Intervenções visionárias são ações diretas no ponto de suposição — onde as crenças e ideias são formadas e desfeitas, e os limites do possível podem ser estendidos veja TEORIA: Pontos de intervenção. São dois os objetivos de uma intervenção visionária: oferecer uma ideia atrativa de um futuro possível e melhor; e também — discreta ou ostensivamente — apontar para a falta de imaginação do mundo em que de fato vivemos.

Assim como a ocupação da Praça Tahrir no Egito e os acampamentos em praças públicas na Espanha do Movimento dos Indignados, os acampamentos do Occupy no mundo inteiro são provas severas de intervenção visionária que forçam as pessoas a mudar, oferecendo um espaço para que elas criem em um microcosmo o mundo democrático e comunitário que querem trazer para a realidade. Da mesma forma, o festival de arte Burning Man funciona como um zona autônoma temporária onde as pessoas podem vivenciar valores, testar ideias e experimentar o futuro em tempo real veja TEORIA: Zonas Autônomas Temporárias.

As bicicletadas mensais da Massa Crítica antecipam cidades futuras em que as bicicletas realmente representarão o tráfego. Ou o PARK(ing) Day[2], quando pessoas de cidades de todo o país pagam o valor de um dia inteiro no parquímetro e transformam o espaço de uma vaga em um miniparque, ou um lounge de jazz, ou ainda uma pequena piscina pública, vislumbrando espaços urbanos mais verdes e a retomada do sentido de comunidade.

Banksy diz: todo dia é dia de PARK(ing).

A Agência de Restrição ao Petróleo foi uma campanha de ação teatral de 2006 em que ativistas ambientais — com roupas, bonés e crachás no estilo aos da equipe da SWAT — se passaram por fiscais de uma agência governamental — uma agência que não existia, mas que deveria existir. Eles multaram veículos utilitários, apreenderam veículos ineficientes em salões do automóvel e representaram um futuro em que o governo levasse as mudanças climáticas a sério.

Se a esperança é realmente um músculo que precisamos exercitar, então as intervenções que vislumbram o mundo em que queremos viver — seja por atos proféticos de desobediência civil, pela formação de comunidades temporárias ou por meio de peças e brincadeiras provocativas — são as melhores maneiras de colocar esse músculo para trabalhar.

PRINCÍPIO-CHAVE

MOSTRE, NÃO CONTE: Você pode ficar falando até cansar sobre a utopia, sobre como o mundo que você sonha é melhor, sobre como as coisas poderiam ser diferentes, e ainda assim não vai colar. Nem você vai acreditar. Mas criar uma experiência da mudança desejada que seja possível vivenciar — seja com uma manchete profética que por quinze segundos se acredite ser real, ou uma bicicleta branca destrancada, encostada em um muro para quem quiser usar, de graça — essa é a melhor maneira de furar o bloqueio do cinismo, estimular a imaginação política e afirmar que “sim, um outro mundo é possível”. Afinal, nós não podemos criar um mundo que ainda não imaginamos. E é ainda melhor se já o tivermos experimentado.

POSSÍVEIS PROBLEMAS: Quando brincamos com visões utópicas, é bem fácil cair no discurso místico ou então partir rumo ao reino das fantasias esotéricas. A ideia não é pintar um quadro cheio de arco-íris e unicórnios, mas apresentar um fragmento de algo visionário, desejável, e só um pouquinho à frente do campo do possível — e de uma maneira que sua ação chame atenção para os interesses que fazem com que aquilo seja impossível. Resumindo, precisa fazer sentido. Não adianta propor por aí a substituição da economia baseada em dinheiro e crédito por uma baseada em beijos e abraços e achar que isso vai demonstrar como os CEOs estão nos impedindo de sermos felizes.

[1] NT: Jim Crow é o nome dado às leis racistas aprovadas no sul dos EUA no final do século XIX.

[2] NT: O Park(ing) Day é um evento anual que propõe que as pessoas ocupem áreas normalmente destinadas a estacionar carros com áreas de lazer. O nome é uma brincadeira com as palavras park (parque) e parking (estacionamento).

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Escola de Ativismo

A Escola de Ativismo tem a missão de fortalecer o ativismo no Brasil por meio de processos de aprendizagem. Site: http://ativismo.org.br