BELA BADERNA

TEORIA: Zonas autônomas temporárias (ZAT)

Escola de Ativismo
3 min readDec 25, 2016

Com a contribuição de John Jordan

“Será que nós que vivemos no presente estamos condenados a nunca experimentar a autonomia, a nunca estar por um momento sequer em um espaço onde a única regra seja a liberdade?” – Hakim Bey

RESUMO
Uma alternativa aos modelos tradicionais de revolução, a Zona Autônoma Temporária é um levante que cria enclaves de autonomia livres e efêmeros aqui e agora.

ORIGENS

Hakim Bey (também conhecido como Peter Lamborn Wilson)

Cunhado em 1990 pelo poeta, anarcoimediatista e estudioso do Sufismo Hakim Bey, o termo Zona Autônoma Temporária (ZAT) busca preservar a criatividade, energia e entusiasmo de levantes autônomos sem replicar a traição e violência inevitáveis que têm sido a reação à maioria das revoluções ao longo da História. A resposta, de acordo com Bey, está na recusa em esperar por um momento revolucionário e, em vez disso, criar espaços de liberdade no presente imediato ao mesmo tempo em que se evita o confronto direto com o Estado.

Uma ZAT é uma área “de terra, tempo ou imaginação” livre, onde juntas as pessoas podem ser a favor de algo, não apenas contra, e onde novas formas de sermos humanos podem ser exploradas e experimentadas. Localizando-se nas brechas e falhas do sistema global de controle e alienação, uma ZAT é uma erupção de cultura livre onde a vida é experimentada em sua intensidade máxima. Ela deve se parecer com uma festa incrível, na qual por um breve momento nossos desejos são manifestados e todos nos tornamos criadores da arte da vida cotidiana.

O segredo, sugere Bey, é permanecer móvel, apoiando-se na clandestinidade e na capacidade de se esconder nas sombras num piscar de olhos. Antes que a ZAT seja notada e reconhecida pelo Estado, que inevitavelmente vai tentar destruí-la, ela se dissolve e segue adiante, reaparecendo em lugares inesperados para celebrar mais uma vez as maravilhas da convivência e da vida fora da lei. Ela pode durar horas, dias ou até anos, dependendo de quão rapidamente é descoberta pelas autoridades.

Bey afirma que as ZATs sempre existiram. Ele aponta sua ancestralidade nas inúmeras zonas livres que polvilham a História: do “Estado” secreto dos Assassinos Persas medievais às utopias dos piratas do século XVIII — ilhas onde bucaneiros, escravos fugidos e condenados viviam fora da lei, compartilhando bens e propriedades. Das comunas radicais em Paris e Munique aos colonizadores insatisfeitos na América do Norte que desertaram seus enclaves para se unir a comunidades nativas, deixando atrás de si o infame aviso “Fui para Croatan”[1].

Bey afirma, no entanto, que a ZAT não pode ser definida; ela é simplesmente uma “sugestão… uma fantasia poética”, não um “dogma político”, e que “se a frase se tornasse comum, ela seria entendida sem dificuldade… compreendida na ação”. Vinte anos depois, a noção de ZAT inspirou movimentos e ações em todo o mundo, da brincadeira criativa com as festas do movimento Reclaim the Streets à autonomia dos acampamentos de protesto, passando pelo movimento hacker Anonymous, o festival Burning Man e o Rainbow Gathering.

Quando Bey apareceu com o conceito pela primeira vez, a internet estava em sua infância, e mesmo assim ele imaginou um mundo futuro no qual inúmeras zonas autônomas poderiam ser conectadas por redes dispersas de comunicação, livres de controle político. A internet não seria um fim em si mesma, escreveu, mas uma arma sem a qual as zonas autônomas morreriam. Naquele momento, ele rejeitou sua própria teoria dizendo ser pura ficção científica especulativa, mas o futuro sempre chega mais depressa do que se imagina.

APLICAÇÃO MAIS FAMOSA: Se a escrevêssemos aqui, as autoridades logo a conheceriam e ela teria que ser dissolvida. Fique esperto; a ZAT mais próxima está mais perto do que você imagina.

Burning Man — a quintessência das Zonas Autônomas Temporárias. Foto de Dave Oswald Mitchell.

APLICAÇÃO IMPORTANTE MAS POUCO CONHECIDA: O Estado Livre de Fiume entre os anos de 1920 e 1924 (onde hoje fica a cidade de Rijeka, na Croácia), cuja constituição foi escrita por poetas e anarquistas.

[1] NT: Croatan era um pequeno grupo de norte-americanos nativos que vivia nas áreas costeiras onde hoje fica a Carolina do Norte.

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