“Cego é aquele que só vê a bola”: o caminho de Chico Bicudo para publicar seu grande amor, o futebol

Ser Um Escritor No Brasil
5 min readJun 25, 2017

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Fã de Nelson Rodrigues, o autor e professor explica a escolha pela editora independente Chiado e quais as dificuldades de ser escritor no Brasil

Por Marina Bufon

Chico Bicudo, autor, professor e jornalista, em entrevista na Livraria Cultura.

Francisco Bicudo, pontualmente e com seus óculos a lá anos 60, chegou sorridente ao café da Livraria Cultura, na Avenida Paulista, para nossa entrevista. Não nos conhecíamos em carne, osso e olhos, mas algo me fez sentir como se Chico (acredito que posso chamá-lo assim) fosse um conhecido de longa data.

Talvez por gostarmos de futebol ou pela facilidade com que ele me explicou tudo (característica imprescindível para o professor, que leciona na faculdade Anhembi Morumbi no curso de Jornalismo), a meia hora que ficamos sentados e gesticulando, nas cadeiras vermelhas e acolchoadas do café, nos rendeu boas histórias e muitas informações importantes para aqueles que algum dia sonham em ser escritores.

Chico é autor de quatro livros, sendo que dois deles foram “encomendados”: um, sua dissertação de mestrado na USP, e outro sobre saúde, área na qual trabalhava na época. Os outros dois, Memórias de uma Copa no Brasil (2014) e Crônicas Boleiras (2016), foram publicados pela Chiado Editora, sediada em Portugal. Por que a Chiado Editora? Chico explica: “Eu acho que hoje, por mais que as dificuldades ainda resistam, o mercado editorial brasileiro ainda é muito limitado, muito restrito, o número de grandes editoras que têm potencial para chegar, para desembarcar em livrarias e demais prateleiras é bastante reduzido”.

Editoras e publicações

O Brasil vem passando por muitos problemas internos, sejam eles políticos ou econômicos. Uma das áreas mais afetadas, e isso desde que a internet teve seu boom há mais de uma década, é a da publicação dos livros. Grandes editoras, como a Cosac Naify, viram suas portas se fecharem, e até livrarias estão saindo do Brasil, como a FNAC.

Nessa onda, as editoras independentes nadam no sentido contrário. Mesmo sofrendo de problemas financeiros e também com a rasa relação que o brasileiro mantém com os livros, como afirmou Chico Bicudo, as editoras independentes encontraram novas formas de estar próximas dos seus autores e, consequentemente, leitores específicos: as redes sociais. “As editoras nas redes prospectam autores no Facebook, nas redes, autores que escrevem, têm um bom texto, um capítulo que de repente pode gerar um bom romance ou um conto, então existe essa sintonia. Esse bloqueio hoje é menor. E mais do que isso, a gente tem também, claro que não com o mesmo alcance e com o mesmo tamanho, mas uma série de brechas e oportunidades de independentes digitais.”

Chico Bicudo comentou sobre a Chiado Editora, que o procurou para a publicação de seus livros. Ele explicou que a editora originária de Portugal trabalha com diversos catálogos e segmentos diferentes, e estava, na época, abrindo escritório no Brasil, o que foi ótimo para ele, já que precisavam de autores brasileiros. O autor ainda comentou que muitas editoras têm se debruçado sobre a internet para encontrar a solução dos problemas financeiros, como é o caso da E-Galáxia, uma editora voltada apenas para livros digitais, o que acaba diminuindo certos custos que uma editora convencional teria, como papel e distribuição, entre outros. Esses custos foram diminuídos com a obra Memórias de uma Copa no Brasil, publicada pela Chiado Editora, quando Chico Bicudo viu, numa postagem sem pretensão em seu Facebook, a realização de um grande sonho seu: publicar um livro sobre futebol de sua autoria. Rindo, o autor contou a história:

Com relação a Crônicas Boleiras, publicado em 2016, Chico Bicudo afirma que o sucesso do livro anterior o ajudou na publicação do segundo, que já foi mais pensado, pois fez uma coletânea dos textos que tinha na gaveta. “Crônicas Boleiras é uma coletânea de crônicas que eu escrevi de 2011 a 2015. Tinha mais, até, mas a gente foi selecionando aquelas que a gente achava mais bacanas, mas ele já um livro mais pensado, planejado, a gente passou o ano de 2015 todinho indo e vindo, e lançamos em maio do ano passado. E agora a ideia é, quem sabe, talvez ter um Crônicas Boleiras Segundo Tempo, Crônicas Boleiras Prorrogação [risos].”

Esporte, meios de divulgação e paixão

No esporte, Chico Bicudo encontrou sua paz. Mesmo nas salas de aula às quartas e quintas-feiras, dias nos quais o futebol mais frequentemente acontece nos campos, o professor conta com a ajuda da filha, que o atualiza sobre os resultados do seu time do coração, o Santos. Não só ele, mas muitas pessoas no Brasil são completamente apaixonadas pelo futebol, no entanto o professor avalia que nem sempre elas leem sobre o tema, se preocupam mais com o factual. “A minha sensação — e é uma sensação mesmo, não existe nenhum estudo, nada mais apurado, nada disso — é que há um encanto, um gosto, um prazer enorme de uma leitura de coisas mais cotidianas, as principais, notícias, os resultados, os jogos. (…) Acho que valeria muito a pena investir, e a importância das editoras, dos livros, dos blogs, dos independentes, porque embora a gente seja o país do futebol, se você procurar a quina pra futebol aqui na Livraria Cultura, a produção bibliográfica sobre o tema não é grande, ela é pequena.”

De fato, não só a Livraria Cultura, mas muitas outras não possuem setores dedicados ao esporte ou, se os têm, são pequenos e escondidos. Chico Bicudo também avalia que a produção de livros na área é, além de pouca, discriminada, pois ainda possui um rótulo de editoria mais “descontraída e fácil” que outras, como política e economia. Além desse problema, autores do nicho (e de outros também) encontram obstáculos no momento da publicação, pois são temas muito específicos. É aí que entram as editoras independentes também, pois elas “têm um papel fenomenal, não é só tarefa delas, mas é função delas apresentar pro mercado os autores que têm potencial e ainda não chegaram numa editora grande”. Chico Bicudo comenta que, além de tudo isso, o autor precisa se preocupar, também, com a divulgação das obras.

Mesmo com todo o caminho, cheio de curvas, tortuoso e com dificuldades, o autor, professor, jornalista e pai não mede esforços para unir suas paixões enquanto escreve. Grande fã de Nelson Rodrigues, cronista esportivo em quem se inspira, afirma que para escrever sobre o tema é necessária uma mistura de sentimentos, os quais precisa embriagar o leitor sempre. “Precisa ter essa coisa da emoção, a sensibilidade, sentimento de pertencimento do leitor cria identidade, exatamente para conectar. Um texto pode ser maravilhoso tecnicamente, mas ele morreu ali, não tem vida.” E fim. Da entrevista, porque Chico não pretende parar, assim, tão cedo.

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Ser Um Escritor No Brasil

Reportagem sobre a realidade de um escritor no país. Feita por: Fernanda Talarico, Vitoria Carvalho, Letícia Giollo e Marina Bufon.