Guarda Civil Metropolitana agride jovens; um saiu desmaiado e o outro com o nariz quebrado

Everyday Mogi
7 min readJun 13, 2016

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No último domingo, 12 de junho, um campeonato de skate acontecia no Mogi Skate Park, ao lado do Ginásio Municipal.

Ao lado, um espaço era reservado para que os jovens fizessem seus grafites. Segundo Acme, professor de música da Casa do Hip Hop, o espaço era oficial e todos sabiam que ali também aconteceria uma parte do evento.

Menos a Guarda Civil Metropolitana.

Vários guardas chegaram em dois jovens que faziam tags (estilo de escrita) e foram rapidamente abordados. “Eles não estavam em sã consciência” nos disse uma fonte que preferiu o anonimato.

Em nota, a Comunicação da Prefeitura disse que havia um espaço delimitado para o evento: “No entanto, o limite disponibilizado não foi respeitado pelos presentes, que passaram a grafitar em toda a extensão, o que não havia sido autorizado”.

Os guardas só repetiam insistentemente que estavam fazendo o trabalho deles. Há relatos de tapas e ameaças contra os dois jovens. A Prefeitura diz que os guardas foram hostilizados e agredidos, “sendo que dois profissionais ficaram feridos” segundo a nota oficial.

No vídeo, há uma troca de empurrões e tentativas de socos. A discussão será eterna e cada um defenderá o seu lado: quem começou primeiro?

Segundo os grafiteiros, foram os guardas que, segundo eles, dizem ter sido agredidos. Será um contra a versão do outro.

A imagem mostra ainda que um dos jovens foi agredido por um soco enquanto estava no chão e algemado.

“É lamentável a falta de preparo e como o poder público prepara as ações dessa natureza” comentou Rodrigo Valverde, pré-candidato à Prefeitura de Mogi pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Valverde disse ainda que cabe um processo criminal contra a GCM.

Em relação ao preparo, a Prefeitura disse, em nota, que “os guardas municipais de Mogi das Cruzes passam por constante treinamento para colaborar com a segurança da população, bem como para zelar pelo patrimônio público”.

Houve ainda utilização de gás de pimenta a uma curta distância. Jaum saiu desmaiado depois de ser sufocado e de receber um jato a uma distância de meio metro, segundo testemunhas.

Ambos foram levados ao hospital Luzia de Pinheiro Melo, em Mogi.

Os laudos médicos não foram disponibilizados para a família. A Guarda Civil pegou o relatório e levou diretamente para a delegacia.

Segundo advogados consultados, esse procedimento não é permitido, pois a família deveria ter sido avisada e isso quebra a confiança entre o médico e o paciente. Acme ainda lembrou que a GCM levou os feridos do hospital para a delegacia sem avisar a família. “Só soubemos porque o Caio Cunha estava lá e nos avisou” lembra.

Caio Cunha é vereador de Mogi pelo PV e acompanhou todo o processo durante a madrugada. Ele ouviu todos os lados, viu todos os vídeos e disse que estava muito bem explícito o que aconteceu. “A Guarda Municipal não tem essa autonomia. Segundo que a abordagem foi totalmente abrupta. Não to defendendo os caras. To me posicionando contra uma abordagem truculenta da GCM” disse.

O vereador nos disse que está protocolando um requerimento solicitando o nome de todos os guardas que participaram e também um relatório de como eles estão explicando essa ação.

Há ainda o pedido de uma abertura de sindicância na Prefeitura e o desejo de uma convocação do secretário de Segurança, Eli Nepomuceno, para dar explicações na Câmara. Caio disse ainda que quer ouvir os envolvidos.

No 1º Distrito Policial de Mogi, o Boletim de Ocorrência foi lavrado e todos foram acusados de vários crimes: dano ao patrimônio público, desobediência e desacato Ainda foi encontrada uma pequena porção de maconha para uso próprio.

Em depoimento, os guardas civis disseram que os jovens os xingaram e os atacaram. A GCM apresentou na delegacia pedaços de madeira que, segundo eles, foram utilizados para o ataque.

Em um vídeo publicado no Facebook, há o começo de toda a confusão.

De acordo com as imagens, os jovens não estão com pedaços de pau e não agrediram os guardas.

No vídeo, Jaum, de capuz preto, conversa com os guardas. Acme, que grava, chega a questionar os guardas sobre a possibilidade deles pintarem a parede novamente.

Em entrevista ao portal G1, Walquíria, esposa de Jaum, comentou:

“Tem um vídeo que mostra que os guardas tiraram um pedaço de pau do meio do mato e plantaram lá para dizer que eles estavam depredando e agredindo. Colocaram na viatura para forjar isso. Eles não estavam com nenhum pedaço de pau na mão. Os guardas alegam que os meninos depredaram a moto, mas isso não é possível. Meu marido já tinha sido abordado, inconsciente, como ele teria danificado a moto da GCM? Ele foi enquadrado por resistência a prisão. Como ele poderia resisitir se ele saiu desmaiado? Ele foi arrastado até a ambulância do SAMU. Ele foi levado de uma forma truculenta”

Os jovens passaram toda a noite na delegacia sem contato com parentes. Conseguiram levar alguns alimentos. A esposa de Jaum conseguiu conversar com ele um pouco e disse que os quatro estavam em uma pequena cela onde dois ficavam em pé e dois sentados.

Segundo as pessoas que compareceram a delegacia nessa madrugada, o delegado não quis ver os vídeos gravados pelas testemunhas da ação.

Há ainda relatos de pessoas que presenciaram uma conversa entre os guardas municipais do lado de fora da delegacia, numa atitude em que todos pareciam estar organizando um discurso para ser apresentado. “Eles estavam com um ar superior, de prepotência” nos disse uma fonte.

Essa mesma fonte acredita que a prisão dos jovens é para ser exemplo contra os demais grafiteiros da cidade. “Eles são famosos aqui. Os guardas agiram para que eles servissem de exemplo”.

Em relação ao vídeo, a Prefeitura disse que “as imagens disponíveis também estão sendo analisadas para verificação sobre a necessidade de reforço nestes treinamentos”.

Sobre a violência, pessoas disseram ter ouvido da Polícia Militar que é esse o procedimento indicado por ela à Guarda Civil Metropolitana.

Walquíria lembrou da atuação de seu marido nas escolas. Jaum é um famoso grafiteiro da cidade:

A Prefeitura que convida meu marido para dar palestras em escolas e explicar o grafite como forma de tirar as crianças da rua e prevenir o uso de drogas, é a mesma que permite uma ação dessas.

Em nota enviada para nós, o vereador e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, Iduígues Martins (PT), relatou sua indignação:

Assisti ao vídeo e fiquei chocado com o nível de violência aplicado pelos guardas, tendo em vista que não vi nenhuma ação violenta por parte das pessoas que estavam sendo abordadas. Como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, defendo a não violência e que toda abordagem seja feita de forma respeitosa e pacífica.

O Artigo 19, ONGg de Direitos Humanos que trabalha na defesa da liberdade de expressão, também divulgou sua nota de repúdio.

O grafite é uma forma de manifestação artística em espaços públicos. Mais do que isso, se consolidou historicamente como um forma de expressão daqueles mais excluídos dos meios mais tradicionais de comunicação, que une em sua essência o direito à liberdade de expressão, a arte e a reafirmação de identidades periféricas.

Existem muitas discussões a respeito do tema, mas elas deveriam envolver diferentes órgãos da esfera pública e a própria sociedade, já que a cultura é propriedade de todos e um conceito em constante transformação.

Ao invés de um debate profundo sobre o assunto, o que vemos é que o grafite e o pixo têm sido assuntos para a esfera da segurança pública que em inúmeros episódios já se mostrou despreparada para lidar com o tema.

Casos como o dos dois pichadores assassinados pela Polícia Militar em agosto de 2014 dentro de um prédio demonstram a urgência do aprofundamento da discussão sobre as formas de expressão no espaço urbano. Essa discussão se faz urgente para que cenas como a desse vídeo não se repitam: agentes das forças de segurança agindo em total desrespeito às normas nacionais e internacionais que garantem a liberdade de expressão de todos e todas e sendo protagonistas de um contexto de criminalização e repressão daqueles que exercem esse direito.

A violência vista no vídeo é injustificável.

Não há como se justificar o uso de spray de pimenta de forma indiscriminada, a agressão a uma pessoa que estava totalmente imobilizada, sem apresentar qualquer tipo de resistência, a negativa de socorrer alguém que a própria polícia feriu e deixou desacordada.

O que vemos é a violência pela violência e a polícia utilizando a sua força de forma desnecessária e desproporcional.

O tema da violência por parte da Guarda Civil Metropolitana de Mogi já é discutida nas ruas e na Câmara.

Há relatos de violência contra mogianos em situação de rua no Largo Bom Jesus, tanto desses cidadãos quanto de pessoas próximas ao local.

Há ainda um projeto de lei complementar, aprovado em dezembro do ano passado, que permite a utilização de armamento letal pela GCM.

Naquele momento, o vereador Clodoaldo de Moraes (na época do PT e hoje do PR), comentou: “Vamos assim valorizar a nossa Guarda, dando mais condições de trabalho para os trabalhadores”.

Até o momento, os jovens estão na carceragem da delegacia de Mogi. De acordo com o advogado que cuida do caso, Jorge Fontanesi Juniro, é ilegal manter os presos 24 horas depois do flagrante.

As informações são de que o delegado perdeu o horário para apresentar os jovens ao juiz e comunicou que eles permanecerão mais uma noite na delegacia.

Apoio à GCM

Nas redes sociais, vários mogianos defendem a ação dos guardas.

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Everyday Mogi

Coletivo independente de fotógrafos da cidade de Mogi das Cruzes, São Paulo, Brasil.