A depressão também entra em campo: conheça dez casos de atletas de alto nível que sofreram com a doença — Parte 2

Gabriel Menezes
9 min readSep 10, 2018

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O mundo está doente. E não é por conta de uma epidemia, nem de vírus ou de superbactérias. As doenças que vêm atingindo cada vez mais pessoas ao redor do globo dominam o cérebro. A depressão atinge mais de 300 milhões de seres humanos em todo o planeta, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) referentes ao ano de 2015. O número de pessoas com algum tipo de transtorno de ansiedade, por sua vez, chega a 267 milhões. E segundo a organização, até 2020, a depressão será a doença mais incapacitante de todas.

+ Confira aqui a primeira parte do texto, com os cinco primeiros casos

No esporte, não é diferente. Atletas de alto rendimento, apesar de parecerem muitas vezes inacessíveis e até passarem uma imagem de super-heróis ou super-heroínas, são pessoas. E os casos de grandes nomes que sofreram com depressão ou com algum tipo de transtorno em suas carreiras não é pequeno. Aqui, falaremos sobre dez desses casos.

O dia 10 de setembro, que caiu nesta segunda, é marcado desde 2003 como o Dia Mundial da Prevenção ao Suicídio, por iniciativa da OMS, em conjunto com a Associação Internacional para a Prevenção do Suicídio.

Se você suspeita que tem depressão, procure ajuda. Se pensar de alguma forma em tirar a própria vida, não hesite em discar para o CVV pelo número 188.

Michael Phelps: maior nome da história da natação pensou em se matar após Olimpíadas de Londres, em 2012

Phelps e suas 28 medalhas olímpicas (Foto: Simon Bruty/Sports Illustrated)

Michael Fred Phelps II é o que podemos considerar uma lenda viva. Dono de 23 medalhas de ouro em Olimpíadas - além de três pratas e dois bronzes, totalizando 28 medalhas - é o atleta que mais vezes subiu ao pódio na história dos Jogos Olímpicos. Além disso, também é o ser humano que conquistou mais ouros numa mesma edição da competição, tendo sido oito vezes campeão de provas de natação em Pequim-2008.

Mas nem tudo foram flores para o nadador. Numa conferência de saúde mental realizada em Chicago, Phelps contou sua história e afirmou que pensou em tirar a própria vida, especialmente após Londres-2012, quando chegou a anunciar sua aposentadoria das piscinas: “A pior queda foi depois dos Jogos de 2012. Eu não queria mais estar no esporte, não queria mais estar vivo”, afirmou, declarando também que chegava a passar entre três e cinco dias trancado em seu quarto, sem se alimentar e praticamente não dormindo.

Aqui, pelo menos, o choro era de felicidade, ao fim da Rio 2016 (Foto: Gabriel Bouys/AFP)

Apesar disso, no mesmo evento, realizado em janeiro deste ano, o estadunidense comemorou o fato de ter - com ajuda de tratamento psicológico - se afastar da doença: “Eu acho que as pessoas finalmente estão entendendo que isso é real. Estão falando sobre isso e acho que é a única maneira que isso pode mudar. Os momentos em que compartilho minha experiência são anos-luz melhores do que vencer um ouro olímpico. Sou muito grato por não ter tirado minha própria vida”, afirma Phelps.

Rafaela Silva: judoca sofreu racismo após fracasso em 2012, caiu em depressão, mas se reergueu para ser campeã olímpica na Rio-2016

Nascida e criada na Cidade de Deus, Rafaela Silva é a síntese da jovem que alcançou voos maiores do que possivelmente poderia imaginar, por conta do esporte. Cria do Instituto Reação, projeto do ex-judoca Flávio Canto, a atleta chegou a Londres-2012 como uma das favoritas a conquistar uma medalha para o Brasil. Acabou eliminada nas oitavas de final por conta de um golpe ilegal. E a torcida não perdoou.

Vítima de ofensas racistas pelas redes sociais, Rafaela se afastou do esporte e afirmava que não voltaria a lutar. Bianca Gonçalves, amiga e companheira da judoca no Instituto, aponta que a mudança foi visível: “Teve um tempo em que ela não treinou. Ela frequentava a academia só para olhar, mas não treinava. Toda vez que Rafaela ia no treino, víamos que estava com cara de choro, que não queria treinar. Dizíamos que em 2016 seria no Rio. Fazíamos tudo para ela treinar”, declarou, em entrevista à EBC.

A redenção veio com a ajuda da psicóloga Nell Salgado, que ajudou Rafaela a recuperar o gosto pelo esporte. Com o gosto, vieram também os resultados. Campeã mundial em 2013, Silva voltou ao tatame olímpico justamente no Rio de Janeiro, sua casa. E dessa vez, tudo conspirou para o melhor: o ouro olímpico veio como uma resposta final a todos que disseram que a judoca era “uma vergonha para sua família” em 2012.

Quatro anos após momento mais complicado da carreira, a consagração (Foto: Roberto Castro/Brasil2016)

Jennifer Capriati: fenômeno do tênis, número 1 do mundo, e depressiva por conta da carreira

Aos 13 anos, uma adolescente chocava o mundo do tênis. Jennifer Capriati, disputando suas primeiras competições profissionais, foi vice-campeã de dois torneios e derrotou jogadoras listadas entre as dez melhores do mundo, como Helena Suková (#10) e Arantxa Sánchez Vicario (#5). Pouco depois, fez sua estreia em Grand Slams, chegando às semifinais do Aberto da França, sendo derrotada apenas por Monica Seles.

Aos 13 anos, Capriati era capa da Sports Illustrated

Capriati era um fenômeno, quebrando recordes atrás de recordes por conta de sua pouca idade. Além disso, foi campeã olímpica em Atlanta-1992. Apesar disso, sofreu com o estresse acumulado e com a pressão enfrentada logo tão jovem. Em 1994, em matéria publicada no New York Times, a tenista já indicava pensamentos suicidas: “Eu comecei bem, mas no fim da partida, já não aguentava mais ficar em quadra. Mentalmente, eu me perdi. E isso vai mais fundo que apenas um jogo. Eu não estava feliz comigo, com o tênis, minha vida, meus pais, meus técnicos, meus amigos. Quando me olhava no espelho, via uma imagem distorcida: eu era feia e gorda demais. Eu realmente só queria me matar”, afirmou, após eliminação precoce no Aberto dos EUA.

Apesar disso, a estadunidense ainda viveu grandes momentos no tênis. Depois de uma pausa em 1994, voltou às quadras e, no começo do século, viveu sua melhor fase, sendo campeã do Aberto da Austrália em 2001 e 2002, além de ter vencido o Aberto da França em 2001. Com o sucesso, chegou a ocupar o posto de número 1 no ranking da WTA.

Capriati celebra título do Aberto da Austrália (Foto: David Geraghty/Herald Sun)

Em 2007, depois de sofrer com uma lesão no ombro que forçou sua aposentadoria, Capriati falou sobre as dificuldades que vivia: “Em determinado momento, você chega num ponto em que não consegue parar o que está pensando. É como se fosse dominada por um demônio. Você sente que não tem um caminho para fugir do espaço onde está. É como o fim do mundo. Quando você está cansada e exausta de se sentir dessa forma, você pensa: ‘eu quero sair dessa planeta agora, porque eu me sinto horrível por dentro. Não suporto nem minha própria pele, só quero ir embora’”, declarou, em entrevista ao NY Daily News.

Apesar disso, Capriati ainda é reverenciada como uma das melhores tenistas de todos os tempos, tendo sido introduzida ao Hall da Fama do esporte em 2012, quando tinha apenas 36 anos.

Robert Enke: o goleiro alemão que não conseguiu vencer a batalha contra a depressão

Robert Enke pelo Hannover, seu último clube (Foto: AFP/Getty Images)

A trajetória de Robert Enke no futebol terminou em 2009, quando o goleiro alemão tirou a própria vida. Como forma de mostrar que a depressão não tem forma, o suicídio foi a saída do arqueiro justamente num dos momentos em que vivia uma boa fase no Hannover 96, clube em que fez história, e era candidato a ser o titular da Seleção Alemã na Copa do Mundo de 2010.

Revelado pelo pequeno Carl Zeiss Jena, Enke passou pelo Borussia Mönchengladbach, onde pôde se desenvolver - enquanto atuava pela seleção sub-21 da Alemanha - antes de assinar com o Benfica, onde foi ídolo, por três anos. Destaque do clube português num período complicado da história benfiquense, Enke deixou o clube em 2002 para se transferir ao Barcelona.

Ali, o alemão começou sua luta contra a depressão. Relegado à condição de reserva, Enke não tinha espaço no clube espanhol, sendo emprestado ao Fenerbahçe, onde chegou a ser alvejado por fogos de artifício e garrafas atiradas pela torcida turca depois de falhar numa derrota por 3 a 0. Jorg Neblung, empresário do goleiro, explica o surgimento da doença: “A doença de Robert foi diagnosticada, com ajuda de seu pai, como um distúrbio depressivo, quando parecia que ele não conseguiria ser bem-sucedido no Barcelona”.

Enke teve oito partidas pela Seleção Alemã (Foto: Getty Images)

Dirk Enke, pai do goleiro, era um psicólogo especializado no tratamento de atletas, mas não podia tratar seu filho por conta da relação de ambos. Sofrendo de ataques de pânico, de medo de falhar, o jogador chegou a estar próximo de se internar numa clínica para reabilitação, mas evitava fazê-lo para que sua carreira não fosse encerrada precocemente, pensando ainda na possibilidade de perder a guarda de sua filha adotiva Leila.

Depois do falecimento de sua filha Lara, em 2006, Enke viveu grandes momentos no Hannover, sendo um dos principais goleiros do futebol alemão. Ainda assim, sua esposa, Teresa, revelou após sua morte que a depressão havia voltado e era uma das principais causas de seu suicídio. Numa carta deixada ainda em vida, Enke pediu desculpas à família e aos médicos por “deliberadamente levá-los a pensar que ele estava melhor”. Mais de 40 mil torcedores do Hannover foram ao estádio para prestar homenagens em seu velório.

Ricky Williams: astro do futebol americano passou toda a carreira lutando contra o Transtorno de Personalidade Borderline

Ricky Williams: imparável pelos Dolphins, mas atormentado por sua própria mente (Foto: Getty Images)

Melhor jogador do futebol universitário em 1998 (Troféu Heisman); Melhor running back universitário em 1997 e 1998; Eleito de forma unânime para o time All-American em 1997 e 1998; Draftado na quinta posição geral do Draft da NFL em 1999; Líder da NFL em jardas em 2002; Selecionado para o Pro Bowl e para o primeiro time All-Pro no mesmo ano; Cinco temporadas acima das 1000 jardas na NFL. Este é o currículo de Ricky Williams, um jogador de futebol americano que não era fora do comum apenas por conta de seu desempenho dentro de campo.

Dono de uma grande carreira no futebol americano universitário, Williams levou o New Orleans Saints, equipe que o draftou em 1999, a fazer uma troca envolvendo o absurdo número de oito escolhas apenas para conseguir selecioná-lo. Depois de uma primeira temporada ruim, que terminou com lesão, o running back atingiu suas duas primeiras temporadas com 1000 jardas terrestres logo na sequência, antes de ser trocado para o Miami Dolphins.

Em 2002, anotou 16 touchdowns e correu para 1853 jardas, liderando a NFL em jardas terrestre naquela temporada. Em 2003, se manteve com boa média, anotando 1342 jardas. No ano seguinte, entretanto, Williams recebeu uma suspensão e uma multa por conta de um exame antidoping que apontou o uso de maconha. O que poucos sabiam é que a maconha utilizada por Williams é, até hoje, defendida por ele como de consumo medicinal.

Hoje, Ricky Williams tem uma marca de produtos à base de cannabis (Foto: Divulgação)

O jogador se tratava para uma série de condições psicológicas que admitiu ter anos depois, incluindo o Transtorno de Ansiedade Social, Transtorno de Personalidade Borderline e até mesmo uma depressão. O primeiro ficava claro especialmente em suas atitudes nos vestiários e nas entrevistas, quando Williams evitava contato visual e até mesmo costumava dar entrevistas sem tirar seu capacete: “Eu tinha 23 anos, era milionário, tinha tudo e ainda assim, nunca estive mais triste na vida. Me sentia extremamente isolado de meus amigos e minha família porque não conseguia explicar a eles o que sentia. Não fazia ideia do que estava errado comigo”, explicou o atleta em entrevista à Associação Americana de Ansiedade e Depressão (ADAA). Com tratamento à base de anti-depressivos e terapia, Williams afirma ter conseguido passar a “agir como o verdadeiro Ricky Williams”, se sentindo aliviado por não ser “estranho ou doido” e ter descoberto um nome para o que sentia.

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Gabriel Menezes

Jornalista. Por aqui, se lê futebol italiano, alguma coisa de futebol brasileiro, e pautas “fora da caixinha”