História Da Ana

Filipe Deschamps
10 min readAug 20, 2020

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"Senta que lá vem a história…"

Clique no play acima para ver sobre o tema deste artigo em formato de vídeo, caso seja da sua preferência.

Uma história que fez parte da minha formação, que me colocou no meu devido lugar quando eu li ela lá em 2013

Pra quem não conhece, essa é a Ana.

Ana é considerada também uma Yuppie. Esse termo significa Young Urban Professional, que é uma pessoa entre os seus 20 a 40 anos de idade que trabalha e mora numa cidade, num centro urbano… que inclusive é a maior parte do público que assiste ao meu canal do YouTube.

Mas como a Ana faz parte da Geração Y e isso vale para qualquer geração que veio dali pra frente, eu costumo chamar eles de GYPSY.

GYPSY (Gen Y Protagonists & Special Yuppies) por tradução significa Yuppies Especiais e Protagonistas da Geração Y, mas é agora que o negócio pega… O GYPSY é um tipo especial de pessoa, é um tipo que se acha o personagem principal de uma história muito importante.

Então Ana está lá, curtindo sua vida de GYPSY, e ela gosta muito de ser a Ana. Só tem uma coisinha atrapalhando…

A Ana está meio infeliz.

Para entender a fundo o porquê de tal infelicidade, antes a gente precisa definir o que faz uma pessoa feliz ou infeliz, e a fórmula é muito simples:

Felicidade = Realidade - Expectativas

É uma fórmula bem direta. Quando a realidade da vida de alguém está melhor do que essa pessoa estava esperando, ela está feliz. Quando a realidade acaba sendo pior do que as expectativas, essa pessoa está infeliz. E para contextualizar melhor, vamos falar um pouco dos pais da Ana.

Os pais da Ana nasceram na década de 1950, eles são os "Baby Boomers". Naturalmente, eles foram criados pelos avós da Ana, nascidos entre 1901 e 1924, e definitivamente não são GYPSYs.

Na época dos avós da Ana, eles eram obcecados por estabilidade econômica e criaram os pais dela para construir carreiras seguras e estáveis. Os avós queriam que a grama dos pais da Ana crescesse mais verde e bonita do que eles as deles próprios… algo assim:

Os pais da Ana foram ensinados que nada podia impedir eles de conseguirem um gramado verde e exuberante em suas carreiras, mas que para isso eles teriam que dedicar anos e anos de trabalho duro para isso um dia se tornar realidade.

Então os pais da Ana embarcaram em suas carreiras sabendo que o negócio era difícil. E para a felicidade de todos, entre os anos 1970 e 1990, o mundo entrou numa era sem precedentes de prosperidade econômica, e os pais da Ana se saíram melhores do que esperavam e, obviamente, isso deixou eles satisfeitos e extremamente otimistas.

Os pais da Ana, se encontrando em uma vida mais positiva do que seus próprios pais, criaram a Ana com um senso de otimismo e possibilidades infinitas. E eles não estavam sozinhos, porque os Baby Boomers do mundo inteiro ensinaram seus filhos que eles poderiam ser o que eles quisessem, induzindo assim a uma identidade de "protagonista especial" lá em seus sub-conscientes.

Isso deixou os GYPSYs se sentindo extremamente esperançosos em relação à suas próprias carreiras, ao ponto de aquele gramado verde de estabilidade e prosperidade que foi tão sonhado pelos seus pais um dia, já não ser mais suficiente.

O gramado digno da expectativa de um GYPSY também devia ter flores.

E isso nos leva ao primeiro fato sobre GYPSYs:

Eles são são ferozmente ambiciosos.

O GYPSY espera muito mais de sua carreira do que somente um gramado verde de prosperidade e estabilidade, porque o fato é que só um gramado verde não é lá tão único e extraordinário para um GYPSY. Então enquanto seus pais queriam viver o sonho da prosperidade para todos, os GYPSYs agora querem viver seu próprio sonho.

Cal Newport, que é um professor de Ciência da Computação em uma universidade americana, apontou que “Siga sua paixão” ou “Siga seus sonhos” são frases chiclete que só apareceram nos últimos 20 anos. E de acordo com o Ngram Viewer, que é uma ferramenta do Google que mostra o quanto uma determinada frase aparece em textos impressos em um certo período de tempo, a frase “Carreira estável” saiu de moda e a frase “Realização profissional” ficou muito popular.

Para resumir, os GYPSYs também querem prosperidade econômica assim como seus pais, mas eles querem também se sentir realizados em suas carreiras, uma coisa que seus pais não pensavam muito a respeito.

Mas outra coisa aconteceu — e essa parte é extremamente importante. Enquanto os objetivos de carreira da geração Y se tornaram muito mais específicos e ambiciosos, uma segunda ideia foi ensinada à Ana durante toda sua infância:

E agora, provavelmente, é uma boa hora para falar do nosso segundo fato sobre os GYPSYs

Os GYPSYs vivem uma ilusão.

Na cabeça de Ana passa o seguinte pensamento:

“Mas é claro… todo mundo vai ter uma boa carreira, mas como eu sou extraordinariamente maravilhosa, de um jeito fora do comum, a minha vida profissional vai se destacar na multidão”.

Então, se uma geração inteira tem como objetivo um gramado verde e com flores, cada indivíduo GYPSY acaba pensando que está predestinado a ter algo ainda melhor:

Um unicórnio reluzente pairando sobre um gramado florido.

Mas por que isso é uma ilusão? Por que isso é o que cada GYPSY pensa, o que põe em xeque a definição da palavra especial:

es-pe-ci-al | adjetivo melhor, maior, ou de algum modo diferente do que é comum

De acordo com esta definição, a maioria das pessoas não são especiais, ou então “especial” não significaria nada. Mas mesmo depois disso, os GYPSYs, lendo esta última frase estão pensando:

“Bom argumento… mas eu realmente sou um desses poucos especiais”

E é aí que está o problema. E uma segunda ilusão é criada pelos GYPSYs quando eles entram o mercado de trabalho. Enquanto os pais da Ana acreditavam que muitos anos de trabalho, trabalho duro, eventualmente os renderiam uma grande carreira, a Ana acredita que uma grande carreira é um destino óbvio e natural para alguém tão excepcional como ela… e para ela é só questão de tempo e escolher qual caminho seguir.

Suas expectativas pré-trabalho são mais ou menos assim:

Infelizmente, o mundo acaba revelando ser um lugar não tão fácil assim, e construir uma carreira é algo realmente difícil. Grandes carreiras consomem anos de sangue, suor e lágrimas para se construir, inclusive para aquelas carreiras sem flores e unicórnios… Mas os GYPSYs… Ahhh, eles não vão apenas aceitar isso tão facilmente!

Paul Harvey, um professor da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, e expert em GYPSYs, fez uma pesquisa onde concluiu que a geração Y tem “expectativas fora da realidade, uma grande resistência em aceitar críticas negativas, e uma visão inflada sobre si mesmo”. Ele diz que:

“Uma grande fonte de frustrações de pessoas com forte senso de grandeza são as expectativas não alcançadas. Elas geralmente se sentem merecedoras de respeito e recompensa que não estão de acordo com seus níveis de habilidade e esforço, e eventualmente não vão obter o nível de respeito e recompensa que estão esperando”.

E para quem está contratando membros da geração Y, o professor sugere fazer a seguinte pergunta durante uma entrevista de emprego:

“Você geralmente se sente superior aos seus colegas de trabalho/faculdade, e se sim, por quê?”.

Ele diz que:

“Se o candidato responde sim para a primeira parte mas se enrola com o porquê, talvez haja um senso inflado de grandeza.”

Isso porque a percepção da grandeza é geralmente baseada num senso infundado de superioridade e merecimento. Eles são levados a acreditar, talvez por causa dos constantes e ávidos exercícios de construção de auto-estima durante a infância, que eles são de alguma maneira especiais, mas na maioria das vezes faltam justificativas reais para essa convicção.

E como o mundo real considera o merecimento um fator importante, depois de alguns anos de formada, Ana se econtra aqui:

A extrema ambição da Ana, combinada com sua arrogância, fruto da ilusão sobre quem ela realmente é, faz ela ter expectativas extremamente altas mesmo sobre os primeiros anos após a saída da faculdade. Mas a realidade não condiz com suas expectativas, deixando o resultado da equação “realidade - expectativas” no negativo.

E a coisa só piora… pois além disso tudo, os GYPSYs tem um outro problema que se aplica a toda sua geração:

Os GYPSYs estão sendo atormentados!

Obviamente, alguns colegas de classe dos pais da Ana acabaram sendo mais bem-sucedidos do que eles. E embora eles tenham ouvido falar algo sobre seus colegas de tempos em tempos, na maior parte desse tempo eles não sabiam realmente o que estava se passando na carreira das outras pessoas. A Ana, por outro lado, se vê constantemente atormentada por um fenômeno moderno:

Compartilhamento de Fotos no Facebook.

Uma nota importante: esse artigo originalmente foi escrito em 2013 (veja as fontes ao final)… mas o mesmo princípio se aplica a qualquer outra rede social, como o Instagram, agora o TikTok e qualquer outra que vier. As redes sociais criam um mundo para a Ana onde:

1 — Tudo o que as outras pessoas estão fazendo é público e visível a todos,

2 — A maioria das pessoas expõe uma versão maquiada e melhorada de si mesmos e de suas realidades,

3 — E as pessoas que expõem mais suas carreiras (ou relacionamentos) são as pessoas que estão indo melhor, enquanto as pessoas que estão tendo dificuldades tendem a não expor sua situação.

Isso faz Ana achar, erroneamente, que todas as outras pessoas estão indo super bem em suas vidas… e isso só alimenta ainda mais a sua miséria.

Então é por isso que Ana está infeliz, ou pelo menos, se sentindo um pouco frustrada e insatisfeita. Na verdade, seu início de carreira provavelmente está indo bem, mas mesmo assim, ela se sente desapontada.

Então aqui vão meus conselhos para Ana:

Continue ferozmente ambiciosa.

O mundo atual está borbulhando de oportunidades para pessoas ambiciosas conseguirem sucesso e realização profissional. O caminho específico ainda pode estar incerto, mas ele vai se acertar com o tempo. Apenas entre de cabeça em algo que você goste.

Pare de pensar que você é especial.

O fato é que, neste momento, você não é especial. Você é outro jovem profissional inexperiente que não tem muito para oferecer ainda. Você pode se tornar especial trabalhando duro por bastante tempo.

Ignore todas as outras pessoas.

Essa impressão de que o gramado do vizinho sempre é mais verde não é de hoje, mas no mundo da auto-afirmação via redes sociais em que vivemos, o gramado do vizinho parece um campo florido maravilhoso. A verdade é que todas as outras pessoas estão igualmente indecisas, duvidando de si mesmas, e frustradas, assim como você, e se você apenas se dedicar às suas coisas, você nunca terá razão pra invejar os outros.

A agora que a gente chegou no fim dessa história, eu acredito que você poderia fazer um serviço público e compartilhar esse link em algum lugar que você acredita ter pessoas que estão sofrendo a "Síndrome do Impostor" pra mostrar para elas que: "Calma… tudo está normal, não precisa endoidar".

Essa história foi publicada em 2013 por Tim Urban, um dos escritores do blog “Wait But Why”. Ele é bastante famoso por ter feito um TED chamado “Por dentro da mente de um mestre na procrastinação” e por ter escrito histórias que chamaram até a atenção do Elon Musk.

No mesmo ano em que a versão em inglês foi publicada, ela foi adaptada para o português e publicada pelo Doutor Igor Johansen, e foi desta publicação que tirei as ilustrações para este artigo.

Quando eu li essa história pela primeira vez eu tomei um soco no estômago, e esse soco me ajudou muito a colocar as minhas expectativas no lugar certo. E essa história me marcou tanto, que ela começou a me caçar nos meus pensamentos. Eu não conseguia mais fugir dela, ao ponto de depois de tantos anos eu começar a procurá-la nas profundezas da internet e foinalmente encontrá-la. E pra minha surpresa, mesmo depois de tanto tempo, ela tinha realmente envelhecido, mas como um bom vinho.

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