Uma nova comunicação — feita pela base — é possível e transformadora
Coletivo Comunicação Kuery registra o cotidiano de índios Mbya-Guarani com a perspectiva dos próprios moradores das aldeias
Todos os meus personagens eram brancos de olhos azuis. Eles brincavam na neve, eles comiam maçãs e eles falavam muito sobre o tempo, sobre como era maravilhoso que o sol tinha saído.
Esse trecho abriu o diálogo da escritora Chimamanda Adichie no TED Global realizado em Oxford, na Inglaterra, em 2009. Lá, ela contou sobre o início de sua carreira quando, ainda na infância nigeriana, escrevia sobre personagens que viviam igual britânicos, afinal de contas, era sobre pessoas assim que ela lia nos únicos livros em que tinha acesso. A isso Chimamanda Adichie chamou de “o perigo de uma história única”, o risco de não conhecer a si próprio por não ter acesso a produções que falem de você como você é.
O conceito de alteridade, cunhado na relação com o outro, resulta no conhecimento deste. O outro dificilmente falará de nós como somos, sobretudo se este outro vive em uma sociedade formada na cultura de colonização. Quem deve contar nossas próprias histórias somos nós mesmos. É isso que o coletivo Comunicação Kuery tem feito, desde 2013. Nessa época, indígenas Mbya-Guarani que viviam à margem da BR-116 e começaram a ser afetados com a duplicação das nos trechos entre as cidades de Guaíba e Pelotas.
Documentários, fotografias, notícias em texto e reportagens em vídeo foram os formatos encontrados pelo grupo para trabalhar suas pautas. Por trás, há pouca formação jornalística feita na academia — contam com apoio de coletivos como o Catarse, este formado, em parte, por jornalistas graduados — e total imersão no dia-a-dia dessa parcela da população.
Onhepyru é um mini-documentário lançado em maio de 2015. Com poucas alternativas de ângulo, a câmera acompanha os participantes quase sempre de baixo, como que com um olhar deslumbrado, dando dimensão gigante a quem aparece na tela.
Não há grandes planos, movimentos rápidos e dinâmicos e nem movimentos de lente que gerem grandes sensações nos espectadores, mas são produções com a marca de quem vive nessas aldeias. Neste e em tantos outros trabalhos, o registro de vidas feitos pelas próprias pessoas que as vivem, abrem para nós o caminho para descobrir as verdadeiras histórias que nos acostumamos a contar sob nosso ponto de vista.