Colabore. Ou deixe seus concorrentes colaborarem por você

Guilherme Amado
5 min readMay 1, 2018

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Aqui estão algumas pílulas para ajudar quem acha que a colaboração no jornalismo “é legal”, mas ainda não sabe como ela é poderosa

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Paradise Papers, a última investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que desta vez teve um parceiro que aprendeu apanhando aimportância da colaboração: o New York Times (Foto: ICIJ)

Quando publiquei há alguns meses um artigo sobre a falta de colaboração entre jornalistas no Brasil, recebi uma mensagem de WhatsApp de um colega.

“Colaboração parece legal, mas, no dia a dia, não consigo ver os benefícios. Quero ser convencido. ”

Esse é um comentário justo. É difícil entender conceitos com os quais não estamos familiarizados. Jornalistas de todo o mundo ainda não abraçaram o suficiente a cultura da colaboração. Eles admitem que fazer uma parceria é “legal”, mas não sabem o quão poderosas algumas podem ser para se reduzir custos e melhorar a qualidade do jornalismo que é feito. Aprendi com essa mensagem de WhatsApp que, depois de diagnosticar a doença, eu teria que convencer os pacientes a aceitar o tratamento. Minha pesquisa aqui em Stanford, entretanto, me abasteceu com bons remédios.

Os jornalistas são programados para rodar principalmente no modo competitivo. Mas, por muitas razões, a colaboração está florescendo em todo o mundo. Jornalistas têm aprendido que, embora a competição seja importante, há — muitos — benefícios em colaborar.

Nos Estados Unidos, pequenas e significativas parcerias têm prosperado, como os exemplos coletados pelo Centro de Mídia Cooperativa têm comprovado. O centro, vinculado à Montclair State University, em Nova Jersey, criou um banco de dados de projetos colaborativos, que lista parcerias globais e locais dos últimos dez anos. A base inclui desde o famoso Panamá Papers até a CALMatters, uma organização californiana sem fins lucrativos que produz artigos distribuídos pelo Los Angeles Times, San Francisco Chronicle e mais de 40 publicações digitais preocupadas com o futuro do estado. Gente que entendeu que há hora de competir, e hora de colaborar. O banco de dados tem 154 registros.

Leia também: Uma mexicana, um suíço, um brasileiro e uma chinesa que colaboraram com mais de 500 jornalistas ao redor do mundo dão dicas de como jornalistas podem colaborar melhor

Os grandes veículos também estão aprendendo a importância da colaboração. O New York Times, por exemplo, vem colaborando de diferentes maneiras. Faz parceria há quase uma década com a ProPublica, possivelmente a organização sem fins lucrativos americana mais bem-sucedida. Em 2016, Times não fazia parte do Panamá Papers. Arrependeram-se. Em novembro do ano passado, quando os Paradise Papers foram publicados, jornalistas do Times participaram do consórcio. Michael Forsyth, um dos repórteres envolvidos no projeto, escreveu sobre essa mudança numa edição de domingo publicada naquele mês.

“Logo no início, quando os primeiros documentos se tornavam pesquisáveis através do sofisticado sistema interno do ICIJ, ficou claro o quanto teríamos que reaprender dos hábitos jornalísticos adquiridos ao longo de décadas de reportagem. Teríamos que aprender como compartilhar ”, escreveu Forsyth.

Mas colaboração não é panaceia. De novo: colaboração não é panaceia. Você não precisa colaborar quando consegue fazer tudo sozinho. Não faz sentido ter parceiros em furos que você pode dar sozinho. Você sempre deve competir quando faz sentido. Trabalhar duro para conseguir um furo e tentar ir mais rápido e mais fundo do que seus concorrentes. Isso nunca vai mudar e é bom que seja assim.

“A qualidade do seu jornalismo não está em risco. Existem regras em todas as parcerias e seus princípios editoriais devem prevalecer.”

Mas e as histórias complexas e globais, que envolvem países e fontes que você não pode alcançar? Os tópicos em que você não tem especialistas em sua redação? Histórias que exigem altos custos que você não pode pagar? É possível cobrir bem mudanças climáticas, crime organizado, imigração e outros tópicos globais de forma eficaz, apenas com a sua equipe? Não, não é. Se você está insistindo em fazê-lo, acredite: você não está cobrindo bem esses temas.

Para mim, uma das melhores pílulas para tratar a doença não-colaborativa é ler o que a jornalista Heather Bryant, americana nascida no Alaska, vem escrevendo. Heather é diretora do Project Facet, uma plataforma de código aberto baseada na web, na qual as redações podem gerenciar a colaboração internamente e com parceiros externos. Heather foi pesquisadora na JSK Fellowship no ano passado, na turma anterior à minha, e aproveitou seu tempo em Stanford para se aprofundar nas possibilidades e estudar as vantagens do que é a colaboração. Desde então, Heather tornou-se uma espécie de guru do assunto, viajando pelos Estados Unidos para pregar seus benefícios e treinar as redações para cooperarem, abraçando essa missão como sua grande contribuição para o jornalismo.

CALmatters, uma colaboração para distribuir notícias entre veículos da Califórnia

Então, o que Heather responderia ao meu colega, aquele que me enviou uma mensagem dizendo que não podia ver os benefícios da colaboração “no dia-a-dia”?

O primeiro passo, diz Heather, é não pensar a curto prazo.

“Cada redação tem uma quantidade incrível de trabalho que precisa fazer todos os dias e, se você trabalha um dia de cada vez, não pode mudar ou melhorar sua redação. Você tem que olhar além do dia a dia. Caso contrário, você não poderá evoluir, descobrir novas tecnologias, adotar novas formas de fazer negócios, planejar longas coberturas. Quando você olha a longo prazo, em vez de pensar em um dia de cada vez, e vê a demanda na cobertura de notícias, você sente que o que é exigido do jornalismo atualmente não pode ser feito por uma redação que não colabora.”

Se você não ficar olhando para as árvores, será bem mais fácil enxergar a floresta de benefícios que a colaboração traz:

• Sua redação magicamente consegue mais braços.

• Entre esses braços, você pode ter especialistas que não tem em sua equipe.

• Você geralmente alcança regiões e fontes que você não alcançaria sozinho.

• Reduz custos, já que você compartilha despesas.

• Mais pessoas trabalhando ao mesmo tempo = a menos tempo gasto.

• Você melhora o nível de checagem de fatos, já que mais jornalistas farão o trabalho.

• As histórias são mais impactantes, principalmente quando mais veículos publicam a mesma história.

• Governos e poderosos em geral não podem ignorar histórias publicadas por tantos veículos ao mesmo tempo.

• Você pode cobrir uma variedade de assuntos globais que exigem uma diversidade mais ampla de pontos de vista.

Além dessas virtudes, há também alguns equívocos que precisam ser esclarecidos:

• A qualidade do seu jornalismo não está em risco. Existem regras em todas as parcerias e seus princípios editoriais devem prevalecer.

• Você não precisa colaborar sempre com o mesmo parceiro.

• Não é um relacionamento monogâmico: você pode ter muitos parceiros ao mesmo tempo.

• Se você definir as regras e responsabilidades, a colaboração não será problemática.

• A colaboração não deve acontecer apenas com parceiros externos; começa dentro da sua redação.

• Você também deve considerar empresas de tecnologia, organizações sem fins lucrativos, seus leitores e a academia como seus possíveis parceiros. Mais diversidade torna o seu jornalismo mais forte.

Mas, se você não abrir sua cabeça para o mundo indo além de sua mesa, além de si mesmo, não se preocupe. Ironicamente, seus concorrentes provavelmente não perderão a oportunidade. Eles vão colaborar. E você vai ver como isso os beneficia.

Leia mais: É impossível controlar os poderosos sozinho: as dificuldades dos jornalistas brasileiros para colaborarem

(Tradução para o português: Matheus Gevaerd)

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Guilherme Amado

Investigative columnist for Epoca Magazine, in Brazil. 2017-18 JSK Fellow at Stanford, ICIJ member and interested in innovation and collaboration in journalism.