Eu sou “Boyceta” — A Validação de um Corpo Transmasculino NãoBinário
Muito tem se discutido principalmente dentro do meio trans binário o quão ofensivo é o termo boyceta. Bem, compreendo. Ser homem e binário deveria ser o contrario de ser associado a uma buceta. Buceta não combina com masculinidade. Masculinidade combina mais com misoginia, né?
Mas e meu corpo, que não se encontra dentro da logica binaria de gênero? E minha buceta que aqui resiste mesmo dentro da minha identidade transmasculina e da minha expressão de gênero? E minha nãobinaridade que caminha pra fora da norma? Por que isso soaria ofensivo pra mim sendo que me contempla?
Sugiro que façam como meu amigo Caê que prefere por vezes ressignificar o termo para boyteta, e ressignifiquem termos e vivencias como bem couber melhor a si própries. Nosso corpo é nãobinário e fazemos a reivindicação desse corpo dissidente, de gênero e de espaço. Meu corpo tem buceta, tem peito avantajado, meu corpo tem peso, estria, celulite, meu corpo tem dobras, curvas, barriga (bastante barriga) e muitas dessas atribuições não se enquadram no que é dito masculino. E eu quero que se foda.
A construção binária do mundo do que é o masculino é uma farsa. Homens e Mulheres, pessoas num geral, possuem corpos homogêneos e diferentes em si, com características que ou se forjam para seguir a norma social ou se ignoram para manter o status quo. Meu corpo trans e gordo é dissidente. E eu o valido pelo que ele é. Boyceta. Boy de buceta. Negar minha expressão de gênero é negar minha relação com o mundo que vivo e que me vive e percebe, negar meu corpo trans é negar minha vivencia dentro do mundo que estou colocado.
A buceta que sempre está ali, vai te invalidar quanto homem uma hora ou outra, trans binário. A teta também. Assim como eu também tenho minhas disforias que hora conversam com a invalidação do meu gênero e pronome, hora conversam com a minha identidade perante a sociedade, ainda permito encara-las e dizer a elas, não vou negar quem sou e como sou. E tá tudo bem se quem eu sou ainda não chegou exatamente lá.
Não tenho a vivencia de odiar minha genital e lamento por quem tem essa disforia de gênero. Entendo que o termo boyceta não se enquadre a si, mas peço a reflexão com humildade: essa disforia é só sua ou veio de uma misoginia latente que a masculinidade construiu? Como corpo politico e social acredito que nada é especificamente unitário e individual. Tudo provem de construções sociais que integram o imaginário e as projeções de uma sociedade patriarcal e extremamente misógina, transfóbica, racista, e adoecida por séculos de colonialismo.
E se esse ódio a buceta, minha buceta, nossa buceta, for pior do que misoginia, mas fruto da transfobia que não tolera corpos diferentes da norma de gênero? Acho que esse é o ponto. Mulher tem pau. Homem tem buceta. Nãobinaries tem o que quiser. Reescrever nossa historia pode ser simples como a criação de um termo que valida nossa identidade. Boycetas sempre existiram, mas você sabe me dizer aonde estavam eles na História? Não existem dados, e assim se apaga uma luta pelo direito ao mínimo: o direito de existir.
Enquanto as sapatão se colocam muito bem na história da humanidade, muitas vezes apagando identidades nãobinárias e transmasculinas, chegou nossa vez de ter um nome, uma nomenclatura pra chamar de nossa. E quem não quiser ser chamado assim ok, mas quem quiser que seja. Por favor, não impeça a validação da minha existência e da minha transvestigeneridade por assim dizer. Enquanto travestis hoje se realocam dentro da História e contam sua própria luta, deixem que nós boycetas, comecemos a fazer o mesmo.
Eu vi o termo nascer nas ruas de SP, mais especificamente por Djoásis e Pauli do Pamkapauli, (EDIT: agora soube que foi Roberto Inácio o criador do termo) dentre tantos corpos nãobináries como o meu, por tantas vezes procuramos algo que nos fizesse realmente valer. Ali nessa pequena palavra, por entre tantos rolês através do Rap e do funk, nos encontramos. Eu lembro do olhar de contemplação de cada um dentro dessa autoafirmação, boyceta é identidade e não pode ser apagada. Deixa que nós transviados e transmasculines possamos criar nossos caminhos, com nossos corpos, nossas bucetas e nosso direito de existir.