A racionalidade humana não combina com vícios

Luciano Rocha
6 min readMay 22, 2018

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Vícios são um grave desvio de racionalidade. (Fonte: Google)

Vício: um hábito repetitivo que degenera ou causa algum prejuízo ao usuário e aos que com ele convivem.

Hábitos sempre são bem vindos. A grande maioria deles (como ler um livro por semana ou caminhar 5 vezes na semana) trazem diversos benefícios ao corpo e a mente, e por isso tendem a ser repetidos — e estimulados.

Já os vícios, embora também possam ser classificados como hábitos, trazem para o usuário o efeito oposto: degeneram física e mentalmente, a ponto de levar a completa destruição do ser, destruição essa que nem sempre vem com a morte.

A célebre antropóloga americana Margaret Mead possui uma definição interessante para separar o vício do hábito (ou virtude, como ela chama): a virtude é quando se tem a dor seguida do prazer; o vício é quando se tem o prazer seguido da dor. O vício sempre traz uma momentânea sensação de euforia — a qual sempre vem seguida das dores físicas ou dos estados de espírito de tristeza e depressão. Quem já teve a sensação ruim da ressaca ou a tristeza depois de se masturbar ao ver um filme pornô conhece os efeitos de um vício, ainda que de forma mais moderada.

E, o pior de tudo, o vício simplesmente anula toda a racionalidade que nos caracteriza como seres humanos.

A expressão da racionalidade

O debate sobre a racionalidade humana sempre foi cercado por definições acerca dessa palavra. Hoje já sabemos que não somos inteiramente racionais na maior parte das situações da nossa vida (o livro Rápido e Devagar traz vários estudos que comprovam essa tese). Entretanto, é inegável que temos a capacidade do uso da razão como um diferencial em relação aos demais seres do reino animal.

Podemos falar. Cozinhar nossa própria comida. Escrever um livro. Compor uma música. A despeito das limitações físicas do nosso corpo, criamos nossas próprias armas para defesa contra predadores — e também para ataque. Esses são apenas algumas das formas pelas quais os humanos manifestam o lado racional de sua mente.

Criações como a obra-prima Ulisses, de James Joyce; o Davi, de Michelângelo; as pirâmides do Egito; a represa Hoover; computadores, iPhones, a própria internet; todas elas são a representação máxima do que a capacidade humana, quando encontra-se no seu estado pleno, consegue produzir de positivo para a sua sobrevivência e melhoria de vida.

E tais feitos infelizmente se desfazem quando a mente é tomada pela mais perigosa arma de destruição em massa para nós: os vícios.

Escravo do próprio corpo

Um vício tem o poder de desvirtuar totalmente a racionalidade humana pois o comportamento viciante faz com que a nossa mente pare de buscar grandes realizações e passe a perseguir apenas o objeto do vício.

Em situações extremas, a meta de vida de um viciado passa a ser apenas a busca por mais um copo, mais um cigarro ou mais uma punheta. O planejamento racional de longo prazo dá lugar ao — destrutivo — prazer de curto prazo.

A mente de uma pessoa viciada em cigarro passa a não mais querer como meta escrever um livro ou abrir uma empresa, mas sim a busca refreada por nicotina.

Alguém viciado em crack é capaz de trocar ou vender todo o produto de uma vida inteira de trabalho apenas para ter a oportunidade de fumar mais um cachimbo.

A próxima punheta e a nova atriz gostosa do momento passam a percorrer a mente de alguém que poderia estar empenhado na busca por um emprego ou em constituir uma família.

E, em casos ainda mais extremos, a depressão fútil e tristeza ocupam a mente de quem poderia estar ao lado daqueles que mais ama e aproveitar belos momentos. Esses são os sintomas de quem se perde no vício do amor (talvez o mais perigoso da lista).

Vícios físicos, mentais, aceitáveis e reprováveis

Em um mundo com uma oferta tão ampla de formas de prazer e entretenimento, separar o comportamento saudável do comportamento viciante é uma tarefa bastante ingrata.

Eu costumo fazer essa separação entre os seguintes tipos de vício:

Físicos: os que causam principalmente efeitos no corpo (como vício em certas drogas, álcool, comida, etc);

Mentais: causam problemas especialmente na mente, os quais se refletem em sintomas físicos (videogames, pornografia, amor, trabalho, etc);

Reprováveis: são mal-vistos socialmente ou vistos como comportamentos de “fraqueza” (drogas, videogames);

Aceitáveis: podem ser tolerados ou até mesmo não são vistos como comportamentos de vício (pornografia, álcool, amor).

Independentemente do tipo, esses comportamentos, quando levados ao extremo viciante, podem vir a prejudicar fortemente a capacidade humana de criação, socialização e de usar a mente para evoluir a si mesmo.

O maior escravo que a mente humana pode ter é o seu próprio corpo, e vice-versa. Quando ambos funcionam como uma unidade, o homem exerce o seu potencial pleno de realização. Quando entram em conflito, transformam-no em um mero zumbi guiado por hormônios e por prazeres imediatos.

Qual a solução?

E como podemos evitar que mente e corpo entrem em conflito e anulem o potencial da racionalidade humana?

De maneira simples, existem duas formas: eliminar o comportamento de vício, ou então nunca estimular esse comportamento em uma pessoa.

Como a segunda alternativa nem sempre é viável dado o mundo interconectado que temos hoje, a primeira se torna a mais prática e passível de execução.

Uma das formas de eliminar um comportamento viciante é através do uso da própria racionalidade. O vício em álcool pode ser trocado por tomar bastante água, que além de mais saudável fornece uma maior sensação de saciedade. A pornografia pode ser trocada por um relacionamento real — como o contato com a família ou com antigas amizades.

Vícios geralmente são substituídos por hábitos. Minha troca do vício em pornografia se deu pela caminhada diária e pela consciência de que eu era escravo de um comportamento. Meu vício em refrigerante foi deixado de lado em troca do maior consumo de água e de alguns sucos. A depressão da perda de um “amor” deu lugar ao hábito de escrever textos, os quais compõem a minha principal fonte de renda hoje. O fim de um vício costuma ser acompanhado de um comportamento mais benéfico, que traz mais crescimento pessoal e intelectual. Em suma, comportamentos mais racionais.

Interesse mútuo e palpável

Mesmo o amor entre duas pessoas sem vínculos de sangue ou amizade, sentimento ao qual muitas pessoas dão tal valor a ponto de não enxergá-lo como um vício destrutivo, pode ser substituído por uma solução mais racional, embora menos palatável para a maioria das pessoas: o relacionamento de interesse.

Embora a ideia soe como algo mesquinho ou que remeta à Idade Média (aos famosos casamentos arranjados), o relacionamento de interesse ao qual me refiro nada tem a ver com isso. O interesse em questão não seria o de um rei ou o de um nobre, mas sim o do próprio casal.

Exemplo: uma mulher que deseje ter filhos de um pai que possua condições financeiras de criá-los e garantir o futuro da família e um homem rico, porém sem filhos, que deseje ter uma descendência para quem deixar sua vasta fortuna. Ambos possuem um interesse em comum que é totalmente desconectado da fantasia do amor — e bem mais forte e real do que esta. Em comum acordo, ambos podem se reunir e ter o que desejam, sem mais burocracias ou conquistas inúteis.

O que une o casal é um interesse palpável e, de certa forma, nobre: a sustentação da família que pretendem formar. Isso não apenas torna a relação um acordo de termos claros, mas também diminui ou mesmo anula a chance de término por motivos fúteis e tolos, como o famoso “não te amo mais” (algo totalmente desprovido de clareza e significado per se).

Além disso, o interesse em comum faz com que o casal possa trabalhar e viver em sincronia, com o objetivo de construir e manter algo que eles construíram com bases mais sólidas do que algum vago sentimento. Algo, portanto, mais próximo do exercício pleno da racionalidade.

Conclusão

Vícios limitam a capacidade humana de alcançar a sua racionalidade de forma plena e por uma maior quantidade de tempo.

Embora os humanos não consigam exercer o seu lado racional o tempo todo, podemos, sim, maximizar os momentos nos quais a racionalidade seja utilizada para resolver os obstáculos de nossa vida.

Basta, para isso, que retiremos da nossa metade instintiva o máximo de vícios que pudermos conseguir.

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Luciano Rocha

Escritor freelancer, escrevo aqui todas as segunda-feiras. Para ler textos antigos, clique aqui: https://walden3site.wordpress.com