A bola, o indivíduo e o espaço: defesa por zona e individual, ataque por zona (posicional) e “não-zona” (funcional)
“A maioria das pessoas crê que a zona é apenas defensiva, mas isso não é correto: também existe o ataque por zona. Quando seus atacantes estão longe da bola, esperando que ela chegue após uma série de jogadas e ações, isso é o ataque por zona. Chamamos de ataque posicional, mas em realidade é um ataque por zona. O ponto não é buscar a bola para atacar, mas esperar que ela chegue a uma determinada zona”[1]. Guardiola
“Nós jogamos o futebol como Jimmy Hogan nos ensinou”[2]. Guztáv Sebes.
“Todo equipo mío empieza con el rombo, pero sí es verdad que luego se convierte en un 3–4–3 en ataque porque un lateral se incorpora arriba y que se puede convertir en un 4–2–2–2 en ataque, pero no en defensa. Por ejemplo, yo en el Palmeiras jugaba con Rivaldo, Amaral, Flavio y Djalminha, y con Muller y Luisao en ataque. Pero, ¿qué pasaba? Rivaldo tenía libertad para ir al ataque, uno de los laterales subía al medio y al final el dibujo táctico era un 3–4–3, aunque claro que también en aquel dibujo se reflejaba ese 4–2–2–2”[3]. Vanderlei Luxemburgo
Em qualquer jogo, o artefato (no futebol, a bola) media a disputa entre duas ou mais pessoas ou dois ou mais grupos e se encontra entre o espaço e o tempo. Explico. O historiador Johan Huizinga em Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura afirma que a ideia de jogo se aproxima do sagrado e da guerra[4]. Todo jogo se realiza dentro de um espaço pré-determinado, com suas regras criadas e tácitas, e de um tempo tanto objetivo quanto subjetivo. Objetivo enquanto duração do jogo. Subjetivo enquanto consciência do indivíduo diante da sua ação. Agostinho dizia que o tempo era percepção psicológica. O tempo é uma percepção da consciência individual sobre o que se passou (experiência) e sobre o que irá se passar (expectativa). Num campo, num espaço fechado, o indivíduo é pura consciência temporal sobre o que foi e o que deverá ser.
Por estes elementos, Huizinga (citando Frobenius) diz que, quando um ser humano joga, ele representa a ordem da natureza impressa na sua consciência[5]. Primeiro, os homens liam os movimentos da natureza e os transformavam em deuses; depois, foram ganhando consciência do espaço e do tempo. Este processo de conscientização está relacionado ao sagrado e aos ritos. O jogo é uma representação dessa liturgia, o lugar onde o homem se encontra — através de um artefato — entre o espaço e o tempo. O jogo é separação, movimento, sucessão e associação. Estes quatro elementos se aproximam das cerimônias religiosas: entre separar-se de algo e religar-se. O jogo repete as regras dos rituais, pois é o drama humano num espaço e num tempo. Por isto, Huizinga diz que o impulso humano para jogar está na origem de toda experiência humana[6]. Na guerra, também jogamos dentro de um espaço e de um tempo. O jogo é rito e guerra. O jogo é o drama humano na nossa cara.
É neste contexto que a bola de futebol é inserida. Entre o espaço e o tempo, o percurso e o indivíduo, a determinação objetiva e a consciência do sujeito. O que se busca quando se joga? A vitória. Que pode ser traduzida como a glória, o dinheiro, o poder, a arte, etc. Tudo convive quando se joga.
Na guerra e nos ritos, toda maneira de organizar parte de uma separação e depois da religação entre o espaço, o tempo e o indivíduo. Numa guerra, o estrategista necessita dominar o espaço para triunfar, mas precisa fazer tudo no tempo certo. E não luta só com máquinas ou artefatos, mas com homens vivos de carne e osso, que sonham e sentem medo. As estratégias passam por estes três elementos.
Tenho uma hipótese que espero provar neste texto: toda organização no futebol se dá igualmente na combinação entre estes três elementos: a bola, o espaço, e o indivíduo (a consciência temporal, o tempo subjetivo).
Antes, preciso esclarecer uma coisa. Estas organizações defensivas e ofensivas não são estanques e paradas. Elas são tipos-ideais, definidas conceitualmente a partir do sentido em que se parte. Na prática, elas se combinam, se misturam, sem dissolverem a identidade do conceito.
Dou como exemplo Max Weber. Ele gostava de usar tipos-ideais para destacar, dar parâmetro à um determinado comportamento. Weber dizia, por exemplo, que havia três tipos de legitimidade de poder: a) racional-legal (regras, estatutos, leis), b) tradicional (tradições), c) carismático (dotes de uma pessoa). Significa que no poder racional-legal não houvesse carisma ou costume? Então, um juiz não tornava suas decisões mais fortes se mais amparado no costume ou no carisma pessoal? Não. São tipos ideais para entender um fenômeno da sociedade, o que tem destaque na maneira de sua organização, e não o todo dela. As organizações do esporte são como tipos-ideais.
1. Defesa por zona e defesa por marcação individual
Num programa do Bem, Amigos no ano passado, Roger Machado definiu as organizações defensivas da seguinte maneira ou semelhante à isto: marcação por zona parte do espaço para o indivíduo, passando pela bola; marcação individual parte do indivíduo para o espaço, passando pela bola. Parece-me uma definição adequada, mas faria uma pequena alteração. O grande sentido da marcação individual não é propriamente o jogador a ser marcado, mas a sua referência na bola. Você encurta o espaço de qualquer homem e faz pressão no portador da bola. Então, diria que a marcação individual parte da bola para o espaço, passando pelo indivíduo.
Sendo assim, há duas maneiras “ideais” de organizar um time. Ou através dos espaços, ou através da bola.
Na marcação por zona, os jogadores defendem o seu espaço pré-determinado. Preocupados em cortar linhas de passe, interceptar, etc. O primeiro referencial é o espaço e a crença de que dominá-lo e racionalizá-lo levará a um melhor controle do homem, e do homem com a bola.
Na marcação individual, os jogadores pegam um determinado jogador, podendo existir uma troca de homens dependendo da jogada. Parte-se de um indivíduo, mas o grande referencial é a bola, pois objetiva encurtar o espaço do jogador em relação a ela, seja para dominá-la, passa-la, chuta-la, praticar um drible.
Na cultura futebolística holandesa sempre foi muito comum a marcação individual e, influenciado por ela, a questão do pressing. Este é uma ação coletiva, mas que visa encurtar o tempo de cada jogador para praticar uma ação, um gesto técnico. O seu objetivo é ser agressivo e não passivo controlando as zonas do campo.
Seja como for, essas duas formas de defender são tipos-ideais. Há várias maneiras de defender que combinam as duas fórmulas. Na marcação individual, você tem determinações para perseguições longas ou mais curtas, que podem ter conceitos espaciais tais como “só pega depois que passar da linha do meio-campo”. Na marcação por zona, você tem o uso de encaixe por setor, encaixe por jogador, a “zona pressionante”, a zona que ataca saída de bola do adversário com marcação individual, etc. Um time pode usar referências de outro tipo de marcação sem perder a sua referência zonal ou individual. Cada vez mais, estamos vendo equipes que marcam por zona de maneira flexível, com alguns ajustes para sempre pressionarem o portador da bola.
Com a organização ofensiva acontece a mesma coisa. No entanto, como o futebol sempre foi muito anárquico e só agora começamos a ter uma literatura mais específica e uma ciência auxiliar, não há muitas referências sobre organizações ofensivas. Tudo se encontra espalhado. Algumas informações começaram a circular e transformaram-se em conceito através do sucesso do Barcelona de Guardiola, e do jogo de posição, brotando uma necessidade para entender o que era aquilo. Se você pegar um esporte extremamente padronizado como o futebol americano, verá que há uma alta especialização nas organizações ofensivas, com nomes específicos e uma cultura comum, o que facilita o entendimento de quem busca esse conhecimento. No futebol, isto ainda está engatinhando e se encontra mais na tradição oral dos treinadores.
A minha hipótese é de que a organização ofensiva não escapa da ontologia do futebol. Em geral, um time se organiza através do espaço ou através da bola.
2. Simetria e assimetria: uma história sobre as origens do futebol
É bastante conhecida a história contada por Jonathan Wilson sobre as origens do futebol inglês e a sua oposição ao futebol escocês. Enquanto o “futebol inglês” (não era o seu todo) era mais direto, vertical, ainda ligado ao rúgbi, e a ideia de jogar largo para ganhar fisicamente; o “futebol escocês” privilegiava a progressão em campo através de toques curtos.
Uma figura especial é a de Jimmy Hogan, originário de família católica num país onde o jogo tinha contornos puritanos. Saindo da Inglaterra, e passando por Holanda, Áustria, Alemanha, Hungria, Suíça e França, ele deixou marcas em cada país e identificou toda uma maneira de jogar futebol que ficou conhecida como “Escola do Danúbio”. A ideia central era um jogo de posse, com a progressão em campo com toques rápidos, boa técnica, e movimentação. Isto exigia que os jogadores se aproximassem do setor da bola.
O primeiro grande time identificado com esse futebol será o Wunderteam, a seleção austríaca dos anos 1930 comandada por Hugo Meisl, que havia conhecido Hogan na passagem deste pela Áustria. O craque desse time era Mathias Sindelar, provavelmente o primeiro “falso 9” de que temos registro. Como a Áustria jogava em toques curtos e em progressão, precisava de mais jogadores no setor da bola, organizando-se primeiro através da sua movimentação. Então, vem a ideia do “falso 9”: um jogador que começa numa determinada posição, mas sai desse espaço, e procura o setor da bola para dialogar. É a primeira assimetria.
Na mesma década, o lendário técnico italiano Vittorio Pozzo criou o “método”, uma maneira de adaptar o 2–3–5. Pozzo era amigo de Meisl e sempre trocavam ideias sobre o futebol com ele. O italiano acreditava que o 3–2–5 de Chapman não daria certo para o tipo de jogador italiano, pois exigiam muita capacidade física para cobrir os lados. O 3–2–5 seria um “sistema”, uma ideia inicial, mas Pozzo criou um “método” para se adaptar às mudanças da lei de impedimento. No lugar das posições, Pozzo insere a ideia de “função”, um papel que seria desempenhado por cada jogador. Ou seja, agora os jogadores não se definiam pelo espaço posicional que ocupavam em campo, mas pela função, pelo papel coletivo que exerceriam.
O futebol funcional de Pozzo era uma adaptação para as características dos italianos, exigindo menos fisicalidade, mais compensações defensivas, marcações individuais, e contragolpes. No “método”, um meio-termo entre o 2–3–5 e o 3–2–5, um jogador era ao mesmo tempo o volante da linha de 3 a frente dos dois zagueiros, mas também um zagueiro central, recuando ou cobrindo os lados. Os dois zagueiros eram divididos, um devia marcar individualmente o centroavante adversário e o outro ficava na sobra, sempre protegendo a área. Os alas da linha de 3 do 2-3-5 marcavam individualmente os pontas. No ataque, estes alas se tornavam meio-campistas, pois o 5 recuava para trás dos alas como se fosse um 2125, dando mais estabilidade para evitar contra-ataques. A junção móvel entre o zagueiro/volante, os alas e os “mezzalas” (Meazza e Ferrari, os meias-atacantes) por dentro gerava uma superioridade de ataque nos setores internos do campo. O que ocorria é que, quando a bola se movimentava, os jogadores sempre tinham vantagem no seu setor por causa deste apoio móvel. As funções dos jogadores estavam ligadas primeiro aos movimentos, a mobilidade e as compensações que exerciam dentro do método, e depois ao espaço em campo.
Na semi-final da Copa de 1934, dois times “funcionais” onde os jogadores exerciam função de mobilidade e haviam várias compensações. A Áustria apostando num futebol lúdico e de posse, a Itália com seu jeito mais cínico. Ambas as seleções se organizavam ofensivamente a partir da bola e da função que cada jogador deveria exercer. Meisl ainda usava várias trocas de jogadores entre as posições, antecipando o que faria a Holanda de 1974.
Depois do “método”, veio o catenaccio. Era basicamente um 1–3–3–3, com um zagueiro de líbero e o outro na caça. O lateral-direito jogava recuado como mais um zagueiro, e o lateral-esquerdo jogava espetado como se fosse também um ponta. O ponta-esquerda virava um segundo atacante, e o ponta-direita era um ala, uma espécie de meia que também entrava no meio. Cada função do catenaccio adquiriu um nome específico para indicar o papel de cada jogador.
Outro time marcado pelas assimetrias e os papeis funcionais de cada jogador foi a Hungria de Sebes. Este tinha sido treinado por Hogan no MTK. A Hungria gostava de trocar passes, aproximar jogadores no setor da bola e jogava com várias compensações. Hidegkuti era o “falso 9” que saia da sua posição original e ocupava a faixa central. Zakarias era o “falso volante” que se tornava o “quarto-zagueiro”. Bozsik era um “falso mediocentro” que virava um armador-lateral para atacar a partir do corredor e liberar espaços para Hidegkuti. E Czibor era um “falso-ponta”, que saia o tempo inteiro da faixa lateral para se juntar no setor da bola e dar verticalidade junto com Kocsis nos espaços deixados pelo 9. Um time cheio de compensações e papeis sociais, que aproximava muitos jogadores no setor da bola, e não jogava com simetrias.
Em cada país, o “jogo danubiano” será diferente. Na América do Sul, terá mais carregamentos de bola e disputas individuais de mano a mano. Na Alemanha e na Áustria, será mais vertical, rápido, veloz. Na Hungria e na Iugoslávia, veremos muitas trocas de posições e de passes. Os pontas da Iugoslávia de 54 viravam meia-atacantes, jogavam até de pé invertido, o 9 virava ponta, o meia-atacante virava 9. O “jogo danubiano” exige proximidade no setor da bola, organização a partir dela, área mais ampla de atuação para a criatividade.
Nos anos 60, aparecerá uma figura chamada Rinus Michels. Rinus admirava os times do “jogo danubiano”, admirava o jogo de posse, mas admirava também as estratégias de guerra e os domínios de espaço. Para ele, tudo no futebol se baseava na distância.
Rinus Michels foi um verdadeiro arquiteto do “futebol total”. No começo do século XX, a cidade de Amsterdã foi reformada pela arquitetura expressionista, influenciados pela ideia de Michel de Klerk que a cidade industrializada deveria crescer como uma “obra de arte”. Cada espaço público da cidade deveria ser modelado de acordo com um conceito único e integrado, sendo a cidade a expressão do sentimento dos seus cidadãos. Era preciso primeiro manipular os espaços para depois eclodir a expressão de sentimentos dos indivíduos. Era a “Cidade Total”. Um dos arquitetos desta escola, Dan Roodenburgh, foi membro da diretoria do Ajax nos anos 1930, implantando a ideia de que a disciplina coletiva e o domínio dos espaços eram fundamentais para os indivíduos se expressarem posteriormente.
Durante os anos 1960, as ideias da “Cidade Total” voltaram à tona em Amsterdã, com a percepção de que cada espaço deveria ser manipulado corretamente num conceito integrado para obter do indivíduo a resposta mais adequada. Em 1963, foi lançado o “Total Design” por Wim Crouwel. Por ser manipulado, estes espaços não deveriam ser lineares como no modernismo do início do século, mas plásticos, móveis, interativos, etc. Os edifícios deveriam manipular os espaços para serem flexíveis para a expressão do indivíduo, embora integrados. O espaço dominado levaria à arte colaborativa.
O “Futebol Total” (totaalvoetbal em holandês) de Michels era uma reprodução da “Cidade Total”. Michels, apelidado de “O General”, pensava que o futebol era como a guerra e como bom holandês era um obcecado por espaços e pelo seu domínio. A sua ideia era fazer um futebol de posse, passes curtos e imposição partindo primeiro do domínio de espaços como na tradição inglesa de autodisciplina. E aqui surge também o mito que os times anteriores de posse o faziam porque possuíam grandes jogadores, mas não tinham organização e estratégia para tal, tendo os holandeses conferido método ao “futebol bonito”.
Michels concorda com Hogan e os seus herdeiros de que o futebol deve ser preciso e jogado em passes curtos desde trás, elaborando o jogo desde o primeiro passe. No entanto, acreditava que isto deveria ser feito controlando a distância, o espaço em campo.
A tradição recuperada por Michels nos faz lembrar de uma outra maneira de se organizar ofensivamente: o ataque posicional. Enquanto o jogo de Danúbio cresce em ataques assimétricos, onde jogadores ocupam funções, mais gente perto do setor da bola; o holandês vai buscar dominar os espaços, elaborar simetrias sistêmicas com a bola.
3. O ataque por zona (ataque posicional)
Guardiola, aprendiz de Cruyff e Rinus, afirma que o ataque posicional não passa de um ataque por zona. Ou seja, quando os seus jogadores ocupam uma zona específica do campo e esperam que a bola chegue nesta zona para efetuar sua ação. Na boca do técnico espanhol: “o ponto não é buscar a bola, mas esperar que ela chegue a uma determinada zona”[7]. Aquilo que Lillo definiu como “a bola vai às posições e não as posições vão até a bola”. Há diferenças entre “jogo de posição” e “ataque por zona”; todavia, nos concentremos no ataque posicional, pois todo jogo de posição precisa de um ataque posicional para funcionar.
O ataque por zona (posicional) parte da organização do espaço. O seu caminho é: espaço -> indivíduo agindo nele -> bola. Não se sai da sua zona a partir do movimento da bola. O que jogo posicional exige? a) Disciplina do corpo. Cada jogador precisa ficar em seu espaço e tocar menos na bola; b) Autoconsciência do seu papel e dos mecanismos da equipe; c) Entender e raciocinar a partir da distância (Rinus dizia que tudo no futebol era a distância).
Não significa que o ataque posicional não possa ser flexível. Domènec Torrent costuma dizer que a ideia desse futebol é unir o domínio do espaço com a capacidade dos jogadores de interpretarem em qual espaço devem se fixar naquele momento a partir dos companheiros. A cidade total e dinâmica de Rinus. Ele diz:
“O treinador marca as posições que devem ser ocupadas e são os jogadores que decidem, em cada momento, quem ocupa cada uma delas. Fazemos triângulos de formas diferentes, que permitem a expressão do jogador e estimulam sua capacidade de decisão. É uma fórmula flexível”[8].
Apesar de várias fórmulas mais flexíveis ou inflexíveis, o que define o ataque posicional é a organização dos jogadores atacando a partir do espaço. É fundamental para o ataque por zona que cada jogador esteja numa distância adequada. Aqui, os jogadores exercem posições, embora possam variar entre elas, e não funções, papéis sociais e religiosos como num rito.
Exemplos de ataque posicional:
4. Ataque “não-zona” (ataque funcional)
Para ser possível atacar por zona é necessário que seja possível também atacar sem ser por zona. Aqui, os times irão se organizar primeiro através do movimento da bola e não de um espaço pré-determinado.
Para explicar isto, vamos imaginar o pensamento de Luxemburgo no começo do texto. Quando se fala num 3–4–3 advindo do 4–4–2 no Real Madrid, logo se imagina: Roberto Carlos vira ponta, Salgado vira zagueiro, um atacante vira ponta-direita. Isto seria um sistema posicional, onde cada qual atua numa zona. Mas o sistema de Luxemburgo girava e variava de acordo com a posição da bola. A bola estava na esquerda, Roberto descia e o time atacava com ele e os outros quatro: Zidane, Ronaldo, Raúl, e Figo (ou Owen). Beckham e Solari avançam por trás da linha da bola, enquanto o lateral do lado oposto fazia a diagonal defensiva. A bola gira para o lado direito, e os jogadores já irão exercer outras funções. Roberto faz a diagonal defensiva, Salgado ataca junto com os outros quatro, Beckham e Solari avançam por trás da linha da bola.
O time não se organiza primeiro através dos espaços, mas através do movimento da bola. Isto permite mais jogadores no setor da bola, mais liberdade posicional e interpretação adequada, e o movimento adequado para que os espaços não sejam perdidos.
O que é um jogo funcional? Primeira referência da organização ofensiva vem da bola e do seu movimento. O indivíduo raciocina como deve jogar (o tempo subjetivo) primeiro a partir da posição da bola. O que Jimmy Hogan ensinou sobre sair de sua zona para gerar toques curtos e mobilidade. O que o jogo funcional exige? A) Dinâmica corporal. Movimentar-se bastante de acordo com a bola; B) Interpretação do que fazer e de como fazer. Vou abrir, vou passar e receber na frente, vou vir aqui atrás armar, vou para aquele espaço vazio porque alguém abandonou sua posição?; C) Independência, autonomia, impetuosidade para ser agressivo. Responsabilidade intuitiva para “abandonar” lugar sem embolar o jogo.
Há muitos tipos de ataques funcionais. Com amplitude só do lado da bola, com amplitude no campo inteiro, mas com jogadores se concentrando no setor da bola e só o aberto do lado oposto em zona, etc.
Exemplos de ataque “não-zonais” ou funcionais:
5. Conclusão
Tal como há fórmulas intermediárias entre defesa por zona e defesa individual, há fórmulas intermediárias entre ataque posicional e ataque funcional, sem que a identidade conceitual de cada qual seja dissolvida.
Por exemplo, um time posicional pode dar bastante liberdade para um jogador. Na Holanda de 74, esta liberdade para funcionar o time era dada a Cruyff, o falso 9. No Barça de Pep, Messi. No City, Kevin De Bruyne, o “falso-interior” que é todocampista.
No ataque funcional, você pode aproximar e organizar através da bola num espaço curto, quatro, cinco jogadores, e colocar outro numa zona pré-determinada do campo, tal como AlexSandro aberto do lado oposto na foto da Juventus. O Real de Zidane muitas vezes abria os dois laterais ao mesmo tempo. O do lado oposto da bola fixava-se numa zona do campo. Ou seja, a essência é funcional, mas alguns jogadores são pré-fixados em zona.
[1] PERARNAU, Marti. Pep Guardiola: a evolução. São Paulo: Ed. Grande Área, 2017. (p.389)
[2] WILSON, Jonathan. A Pirâmide Invertida. São Paulo: Ed. Grande Área, 2016. (p.46)
[3] https://as.com/futbol/2005/09/07/mas_futbol/1126074417_850215.html
[4] HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento de cultura. São Paulo: Perspectiva, 2017. (p.33)
[5] HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento de cultura. São Paulo: Perspectiva, 2017. (p.15)
[6] HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento de cultura. São Paulo: Perspectiva, 2017. (p.12)
[7] PERARNAU, Marti. Pep Guardiola: a evolução. São Paulo: Ed. Grande Área, 2017. (p.389)
[8] PERARNAU, Marti. Pep Guardiola: a evolução. São Paulo: Ed. Grande Área, 2017. (p.106)