Entre a bola e o homem há o espaço e o tempo: ataque posicional, jogo de posição e ataque funcional (parte II)

József Bozsik
18 min readApr 28, 2018

--

4. Pep heterodoxo: De Bruyne “todocampista” e o uso de elementos anti-posicionais

No livro de Perarnau, “Pep Guardiola: a evolução”, há uma fala de Roman Grill que observamos na prática: Guardiola não é unidirecional em sua concepção de jogo. Embora use o jogo de posição como sistema de jogo, usa também vários tipos de adaptações dentro dele para aproveitar melhor os jogadores. Aqui, chegamos a dois problemas do jogo de posição: a) lentidão pelo preciosismo na busca do terceiro homem ou esteticismo na troca de passes; b) falta de liberdade dos jogadores para conduzir e criar diante dos mecanismos construídos.

Estes problemas são identificados com maior clareza em alguns trabalhos de Van Gaal, adepto de um jogo de posição mais ortodoxo. A necessidade de estar sempre a busca do “terceiro homem”, mesmo que com um passe para trás, por vezes criava um jogo extremamente lento nas ações e pouco móvel, desperdiçando a oportunidade de passes mais verticais e inseguros, pois a busca do “homem livre” e seguro evitaria contragolpes.

No Bayern, Pep acelerou a troca de passes, sendo mais vertical ao buscar o terceiro homem nas pontas, cruzando mais bolas, e tentando a segunda bola na entrada da área. Neste sentido, Guardiola busca as vitórias e o que é o melhor para o time, adaptando o seu jogo de posição para tal. Diz Perarnau (p.20): “Aproveitarei o conselho que Guardiola deu ao bom amigo Ormazábal para esclarecer um assunto: nunca ouvi Pep dizer que suas ideias de jogo são melhores que as dos outros técnicos, nem que o jogo de posição seja melhor que o jogo direto ou o que se baseia numa defesa intensiva e no contragolpe. Pep defende suas ideias e tenta melhorá-las para que sejam executadas com eficácia e perfeição, mas está muito longe de se crer possuidor de uma verdade absoluta no futebol; de fato, o que fica destas páginas é um manifesto sobre como ele absorve e integra elementos de outros modelos e outros treinadores (incluindo os antagônicos, que também admira, como Ranieri e Klopp), sem nenhum esforço”[1].

No Manchester City, vimos mais um capítulo das adaptações de Guardiola. Primeiro, com o belga Kevin De Buyne. Marcado na carreira por ser um meia-atacante de aceleração, conduzindo contragolpes, correndo com grande capacidade de assistência no futebol vertical da Bundesliga, havia dúvida de como se adaptaria ao jogo de posição. Pois foi Pep que se adaptou ao seu talento e o fez maior.

Deixando de seguir aquela regra de Cruyff de que os jogadores não deveriam correr muito, mas estar sempre bem posicionado na parte específica do campo, Guardiola fez de Kevin De Bruyne um “todocampista”. O belga vem na base da jogada, aparece para receber entrelinhas, entra dentro da área, abre na ponta, vai para a direita e para a esquerda. A primeira adaptação é tática. No lado esquerdo, Delph é um lateral-interior, Silva um meia-atacante que aparece entrelinhas, e Sané um ponta-esquerda que dá amplitude e profundidade. Do lado direito, isto não ocorre. Sterling varia entre um ponta-direita e um segundo atacante que flutua na área, Walker é um lateral de posição mais recuada, variando entre abrir o campo como lateral-ponta e fechar os espaços por dentro quando o belga avança:

Assim, De Bruyne tem muitos espaços. Ele pode ser tanto um armador que lateraliza e recua, como pode ser um meia-atacante como Silva na esquerda. Acima de tudo, possui muito espaço a sua frente para conduzir e liberdade para se movimentar. Pep criou uma assimetria de sistema e não só de linha de passe, e fez o belga contrariar a tese sobre dominar a posição e correr menos. Um “todocampista” sempre pareceu uma figura avessa ao jogo de posição e muito mais integrado à ideia de “ponta-armador” com liberdade de flutuação nos ataques funcionais.

Além disso, Cruyff falava que um ataque deveria começar por um lado e terminar por outro, mas isto era feito de maneira posicional. Ou seja, se começava fazendo o jogo de posição entre zagueiro-direito, ponta-direita, meia-direita, meia-atacante no 343, pode terminar virando a bola para o ponta-esquerda driblar e tocar para o centroavante fazer o gol. A virada de um lado para o outro é feita dentro da lógica de posições. No ataque funcional, a lógica é anti-posicional. Você coloca mais jogadores de um lado do campo e ali será o “lado forte” do seu ataque, com superioridade numérica e muita gente para tocar a bola. E o “lado fraco” será o outro para definir a jogada.

Pois bem, Guardiola foi além do uso posicional da inversão de jogo e adotou em alguns jogos a estratégia anti-posicional de empilhar jogadores de um lado do campo. Contra o Newcastle em casa, isto ficou bem evidente:

Pep uniu à Silva, Sané, Delph e Otamendi do lado esquerdo, Fernandinho e De Bruyne. Criando uma superioridade numérica por ali, podiam inverter em vantagem para Sterling ou Agüero, ou criar jogadas com passes curtos. O lado esquerdo era o “lado forte”, e o direito o “lado fraco”.

Guardiola usa no City ao menos essas duas estratégias de ataques funcionais com os seus elementos anti-posicionais, sem por isto abrir mão do seu sistema-base de jogo de posição. Ele prova na prática que é um técnico heterodoxo, adaptando estratégias e priorizando os seus jogadores e suas características.

5. O ataque posicional de Antonio Conte

Na seleção italiana, Conte teve como um dos seus assistentes Maurizio Viscidi. Este é conhecido na Itália como um dos melhores assistentes de Arrigo Sacchi e também como um conhecedor e adepto do “giochi di posizione”. Apesar de Guardiola falar num tipo de jogo de posição para Antonio Conte ou por ele ter tido Maurizio Viscidi como um dos assistentes na seleção italiana, podemos dizer que Conte pratica o primeiro e o segundo elemento do jogo de posição, mas não baseia o jogo na busca pelo terceiro homem, dispensando assim até mesmo a necessidade imperiosa de ter um goleiro bom com o jogo de pés ou de estar sempre pressionando após a perda da bola.

Como nos times ingleses em sua tradição, no ataque posicional de Conte cada jogador deve dominar sua esfera de influência e esperar a bola chegar. No 343[2], por exemplo, os dois pontas/alas estarão abertos, haverá o 9 dando profundidade, os dois pontas-de-lança de cada lado, etc. Como afirma Willian, Conte não quer que os jogadores se aglomerem em setores[3]. Todavia, não há a busca incessante pelo terceiro homem, sendo o passe mais vertical, assumindo riscos e acelerado para os contragolpes mesmo que em piores condições posicionais. É um ataque posicional sem jogo de posição.

É um ataque posicional porque espera que cada jogador domine o seu espaço para interagir depois. Cada jogador se encarrega de uma ação ofensiva que parte do espaço para o tempo, e cada elemento espera chegar a bola nele para desequilibrar. No entanto, não se faz isto através da busca constante pelo terceiro homem do jogo de posição, embora exista elementos de triangulações como noutros sistemas.

Além disso, Conte adota um sistema defensivo híbrido, algo muito comum aos italianos. Defendendo entre o 541 e o 5221, a equipe não precisa ficar efetivamente em linha, já que é preciso pressionar o homem da bola. Por exemplo, contra um time como o City, o lateral avança na ala para pegar Sané, a linha de 5 se comporta como uma de 4 com esse ala avançado para pegar o ponta. Os meias de lado voltam por dentro. Assim o ala abre para pegar o Sané e vai para a segunda linha defensiva junto com o meia retornando por dentro e os dois volantes. Ao todo, teremos um time que defende quase em duas linhas de quatro de maneira plástica, com o ala variando da primeira para segunda linha de acordo com o setor da bola, e um dos meias por dentro retornando um pouco mais por dentro também de acordo com a bola. É um sistema misto com compensações racionais para não desgastar os jogadores nas transições (de acordo com aquele primeiro ponto de Cruyff) e otimizar uma defesa mais forte com 7, 8 ou 9 jogadores. Uma atualização da maneira de defender dos italianos entre a zona e as características de marcação individual, construída em cima de compensações e apoios.

6. O ataque funcional “atualizado” de Ancelotti e Tite

Carlo Ancelotti pendurou as chuteiras e foi ser assistente técnico de Arrigo Sacchi na seleção italiana. Estava no staff da Itália que perdeu a Copa para o Brasil em 94. Em 1995, assumiu a Reggiana na segunda divisão e tentou aplicar o 4–4–2 e aquilo que aprendera com Sacchi. No entanto, a realidade foi mais dura. Carlo descobriu que a inflexibilidade de sistema e de movimentos não fazia o time necessariamente melhor por ter um coletivo mais coeso. Do mesmo modo que Guardiola usou elementos anti-posicionais no jogo de posição, Ancelotti colocou ingredientes posicionais nos ataques funcionais típicos da Itália.

O treinador italiano entendeu que as características dos jogadores se sobrepõem ao sistema, e que o equilíbrio era buscar funções ou tarefas táticas específicas para os indivíduos para que equilibrassem tudo coletivamente. Dizia ele: “el equilibrio se puede y se debe perseguir mediante la asignación de tareas tácticas individuales”. As tarefas específicas para cada jogador, ou seja, suas funções deviam manter o equilíbrio da equipe. Sentimos aqui a tradição funcional do futebol italiano.

Assumindo o Parma, Ancelotti tentou construir um sistema que privilegiasse a construção de espaços para os jogadores atacarem, com uma defesa forte e contragolpes para Chiesa e Crespo. Na Juventus e no Milan, Carlo desenvolveu um sistema para usar compensações e desenhar funções para os jogadores, como na variação do 3–4–1–2 para 4–3–1–2 na Juventus, ou a mutação constante que o 4–3–2–1 (árvore de natal) permitia. O centro do sistema estava em determinar funções práticas aos jogadores, onde o sentido de um estava ligado ao de outro.

No sistema defensivo, Ancelotti prioriza um tipo de zona que incorpora elementos de marcação individual, com pressão no setor da bola e jogadores desgrudando das linhas para ser uma “ponte” entre elas para pressionar o adversário. Cada jogador tem uma função específica de acordo com as compensações. No seu primeiro Milan do 4–3–2–1 (com Rivaldo e Rui Costa), quando o volante pela direita (Gattuso) abria para defender junto ao lateral-direito o jogo exterior do oponente, Pirlo (o volante central) e Seedorf (o volante pela esquerda) se tornavam uma dupla de volantes. O meia-atacante pela esquerda fechava um pouco por dentro, quase criando uma segunda linha de quatro. E o meia-atacante pela direita ficava a frente da linha da bola, esperando a retomada rápida. A bola invertia de lado, e os mecanismos se invertiam junto:

O Milan no 4321 conseguia defender os espaços e os indivíduos, e não forçava sempre um dos meias-atacantes a voltarem, balanceando o time e tendo sempre um “10” e um “9” para retomar em velocidade desmarcando-se e enfrentando os zagueiros. Em seu livro sobre a “árvore de natal” (4321) e sobre a sua carreira, Ancelotti diz: “Defender no quiere decir alinear un mayor número de defensas, sino hacerlo de forma que todo el equipo esté pendiente de la fase, encargando una serie de tareas individuales que se traducen en un comportamiento colectivo específico”.

Ao mesmo tempo, nesta maneira mista e cheia de compensações de defender, Ancelotti afirma que os jogadores devem estar atentos ao espaço que ocupam, mas também ao tempo de encurtar a marcação no jogador que caia na sua “esfera de influência”. Um ponta aberto e Cafú tem que encurtar a marcação e controlar o tempo em que ele irá receber a bola. Diz ele: “Es necesario decidir cuándo marcar a un adversario o cuando cubrir el espacio. Cada defensor es responsable de la zona de su competencia y marca al jugador que tiene el balón (en su zona)”.

Ofensivamente, os jogadores exerciam funções não-posicionais principalmente no último terço ofensivo. A ideia era usar tudo para produzir espaços a serem atacados a partir dos desmarques. Para tal, uma saída sustentada com sete homens (4–3) para atrair adversário e gerar espaço para os outros três homens a frente (2 meias-atacantes e um atacante). A saída de bola era feita de maneira posicional para os três de ataque terem liberdade de procurar o setor da bola, se aproximarem e atacar o adversário desarmado.

Ao mesmo tempo, os jogadores exerciam múltiplas funções, possuindo liberdade de movimentação. O lateral poderia atacar por fora, mas também por dentro quando a bola estivesse no lado oposto e se um dos volantes abertos abrissem. O próprio Nesta costumava subir e ajudar no setor de Pirlo. Seedorf era um regista que recuava, fazia a saída, e compensava os movimentos de todos os outros, estando por trás da jogada, entrelinhas, infiltrando a área, etc. Era o intérprete por excelência. Os dois meias-atacantes e o nove podiam se movimentar com ampla liberdade no terço final e, por sua disposição por dentro, buscavam o setor da bola com constantemente e com pouco deslocamento:

Os espaços deveriam ser criados rapidamente após a retomada ou com a saída sustentada, mas também se deveriam criar espaços acumulando jogadores no setor da bola. Por exemplo, bola na esquerda e você teria Seedorf, Kaladze, Rivaldo, Rui Costa, Shevchenko. Pirlo e Maldini poderiam ficar por trás no suporte. Pela própria estrutura tática da equipe, permitia-se sem grandes deslocamentos espaciais ter muitos homens no setor da bola para triangular, desmarcassem, e atacar os espaços concedidos. Uma atualização do ataque funcional para que não se conceda espaços a mais.

Por isto, duas coisas eram fundamentais: a) desenhar contragolpes, b) desmarques o tempo inteiro para apoiar o homem da bola no setor em que ele estivesse. O homem do contragolpe se não tivesse condição de partir para resolver ou de dar um passe mais agressivo, deveria controlar o tempo e esperar três homens passarem a frente. Dois deles dariam a opção por fora, e o terceiro tentaria a ruptura por dentro nas costas dos zagueiros.

Por ter muitos jogadores no setor da bola, isto exigia capacidade alta de desmarque para quem estivesse sem ela. Por isto, Ancelotti dava grande ênfase em treino de desmarques, com tabelas curtas e triangulações, ensaiando algumas jogadas e dando liberdade para que os jogadores criassem à sua maneira de dominar aquele espaço. Era essencial também treinar a velocidade do gesto técnico para o passe fosse rápido, pois isto seria fundamental para tabelas curtas em setores congestionados saírem corretas.

Ancelotti no mesmo livro sobre a “árvore natal” explica como dominar o tempo é fundamental para o seu sistema: “Para que el desmarque sea óptimo es necesario tener en consideración otro aspecto: los tiempos de la jugada. La justa combinación entre tiempos (de juego) y el desmarque (movimiento sin balón) confiere velocidad a la acción. Un desmarque eficaz se basa en varios puntos básicos: Cuándo un jugador se desmarca, cuando el compañero que tiene el control del balón puede verlo. Para conferir mayor velocidad a la acción y crear más dificultades al defensor contrario es necesario que el jugador que realiza la acción de desmarque empiece a moverse a la vez que el balón pasa de un compañero a otro, o durante el tiempo que transcurre entre el control del balón por parte del compañero y el passe”.

Assim, com definições espaciais e algum cuidado, o ataque funcional adaptado por Ancelotti parte do tempo para o espaço. É fundamental que cada jogador saiba exercer seu “personagem” em movimentação de campo, interpretando o dos outros. Os espaços são dominados depois do tempo com desmarques, superioridade numérica, movimentos, liberdade criativa, intuição, habilidade. Diz Ancelotti: “(…) en el fútbol los espacios se crean moviéndose y haciendo que los contrincantes se muevan. (…) La fase ofensiva se fundamenta en la colaboración y en la combinación de movimientos entre varios jugadores. Moverse continuamente en función del compañero que posee el balón da más posibilidades al desarrollo de la manobra”.

Com mais jogadores pelo centro do campo se movendo para o setor da bola com facilidade, Ancelotti priorizava as transições laterais para serem terminadas por estes homens por dentro. Com muitos homens no meio, conseguia maior controle da posse de bola e do ritmo da partida.

No Real Madrid, adaptou estas movimentações para um 4–3–3. O sistema que foi apelidado de “pontes”[4]. Defensivamente, Ronaldo e Bale baixavam pouco, mas faziam compensações de acordo com o setor da bola, lembrando algo dos meias-atacantes no 4–3–2–1. Além disso, o italiano estabelecia duas pontes entre cada linha. Ou seja, um dos jogadores da primeira linha de quatro avançava para pegar o homem da bola e pressionar. E outro jogador da linha de três se adiantava para pressionar também. De três linhas, haviam cinco alturas de jogadores defendendo. Em geral, Sergio Ramos e Di Maria (ou James na segunda temporada) faziam este papel.

Retomando a bola, o Real tinha três atacantes velocíssimos: Bale, Cristiano e Benzema. O 9 do Real, Benzema, era um “meia-atacante” que temporizava as jogadas para os outros dois infiltrarem. O Real também praticava a saída sustentada para produzir espaços para estes jogadores correrem.

Com a bola, Ramos também se adiantava como um zagueiro-armador junto a Xabi (Kroos na segunda temporada) e fazia a saída junto a Marcelo. É a primeira ponte ofensiva. A segunda ponte ofensiva era Di Maria ou James que receberia tanto aberto quanto por dentro para os três da frente. As duas pontes faziam a função do regista Seedorf no primeiro 4–3–2–1 do Milan. Quando o armador avança o outro compensa por trás no mesmo lado para ter superioridade de jogador no setor. Modric avança, James fica por trás no mesmo setor. Como foi explicado no Ecos del Balon: “Es de una utilidad bárbara, a la par que inaudita, que el interior izquierdo de un equipo haga, por destacar algo, de interior derecho cuando Luka abandona su puesto”[5]. Do mesmo modo, o atacante pela direita (Bale) podia vir para o centro que o armador pela esquerda compensaria em altura e o armador pela direita compensaria pelo lado.

Parecido com Ancelotti é o sistema ofensivo de Tite desde 2015. Uma combinação de saída sustentada com ataque funcional no último terço ofensivo. Bola na esquerda, temos o lateral-esquerdo, o atacante de lado, o centroavante, o armador daquele lado e a presença também do ponta-armador do lado inverso, com a infiltração do armador do lado oposto. O lateral-direito vira um interior fechando uma linha de três, com o zagueiro pela esquerda sendo também um zagueiro-interior. Se a bola é invertida, o lateral-direito ataca o “espaço-vazio” como Torres em 70:

O lateral varia entre um zagueiro-interior e um ponta que ataca o espaço-vazio, ou mesmo um armador mais adiantado. E no centro do campo há duas figuras: o mezzala e o regista. Renato Augusto é o regista, compensando os movimentos dos outros, juntando a equipe e dando ritmo a ela. Paulinho é o mezzala, fazendo saída sustentada e atacando entrelinhas, como também se movimentando para entrar na área ou no espaço-vazio. Do mesmo modo, Tite usa sempre numa ponta um cara para fazer a função de ponta-armador, tendo total liberdade para flutuar no último terço ofensivo. O outro ponta é um segundo atacante, que deve ser vertical e buscar o gol. Em geral, contra o Uruguai, Coutinho foi o segundo atacante e Neymar o ponta-armador. Contra o Paraguai, Coutinho foi o ponta-armador e Neymar o segundo atacante. Mas, durante o jogo, essas mesmas funções cambiaram de lado.

O terceiro gol do Brasil contra o Paraguai, feito por Marcelo, é tão alegórico para essa atualização do ataque funcional, realizada por Ancelotti e Tite, quanto o de Torres, guardando suas proporções e importância. E ainda no dia em que nos classificamos para a Copa. Do centro para a esquerda tínhamos sete jogadores: Neymar, Coutinho, Marcelo, Paulinho, Renato, Casemiro e Miranda. Se a bola fosse invertida, Fagner atacaria o espaço-vazio, como fez minutos atrás e chegou batendo, quase fazendo o gol. No entanto, a escolha foi por tabelas curtas, desmarques e infiltração. Resultando no belo gol de Marcelo:

7. Klopp: agressividade para encurtar tempo e espaço

No livro de Perarnau (p.143), “Pep Guardiola: a evolução”, ele fala como o jogo de posição seria uma contracultura na Alemanha. Havia por lá uma disputa entre a tradição do jogo desde os anos 1970 e a cultura de jogo agressivo e acelerado que Klopp era o grande expoente no momento, tendo também Roger Schmidt e Ralph Hasenhüttl. Perarnau lembra também que a Bundesliga é o campeonato onde mais se corre e o jogo é mais acelerado e de transições.

Conversando com um jovem historiador do futebol alemão, se explica no livro de Perarnau que o termo “tática” em alemão se referia a maneira de se defender, pois com a bola os times deveriam ser agressivos e verticais. Quando o time recupera a bola, os deslocamentos são todos verticais, para frente, em direção ao gol, no mínimo de tempo possível. Não havia os deslocamentos horizontais para elaborar jogo como o “ponta-armador” no Brasil. Dominava-se ofensivamente do tempo para o espaço, mas não elaborando o tempo como brasileiros, argentinos, húngaros, mas acelerando sempre o tempo para encurtá-lo. Se você defende em 5–3–2, quando o time recupera a bola cada jogador disposto espacialmente em campo encurta o tempo deslocando-se verticalmente mesmo que para buscar bolas longas. A ideia de jogo posicional chegou por Guardiola como uma contracultura.

Klopp e outros treinadores na Bundesliga buscaram atualizar esta tradição de “encurtar o tempo”, sendo sempre extremamente agressivos. Tudo começa quando o time perde a posse de bola, com o “gegenpressing”[6]. É mais ou menos o contra-ataque do contra-ataque. O seu time perde a bola e agora será atacado pelo adversário, então você também o ataca, mas sem a bola. Perdeu a posse, e o time coletivamente irá pressionar o adversário no limite do físico e do mental para recuperar a posse rapidamente. Quando você consegue essa recuperação, o adversário estará desequilibrado e terá muitos espaços. Então, entra o “counterattack”, ou contra-ataque do seu time. Recuperou a bola, ataque rapidamente os espaços, sempre buscando o passe vertical. Se você está defendendo próximo da sua área e recuperou a bola, precisa atacar rapidamente.

Não faz tanto sentido aqui falarmos de ataque posicional ou mesmo funcional, porque a intenção não é tanto elaborar o jogo, mas partindo da ideia de domínio primeiro do tempo, encurtá-lo. Nada de elaborar o tempo com num ataque funcional, mas de acelerar e ser agressivo ao máximo.

Um dos problemas dessas propostas é que, sendo sempre extremamente agressivo, se cria o caos, o que pode ser ótimo para o tipo de time de Klopp, mas também cria aquelas partidas incontroláveis de 3 x 3, 4 x 4, 5 x 4, etc. Durante esta temporada, o Liverpool aprendeu a domar o seu instinto com vantagem no placar, tocando mais a bola e mesmo elaborando um ataque posicional quando precisava atacar sem espaços e com a posse por mais tempo. Um ataque posicional contrário à ideia do jogo de posição, que exige menos verticalidade na busca pelo terceiro homem. Outro fator fundamental que ajudou a controlar o caos agressivo é o brasileiro Roberto Firmino, a figura do “falso 9”, que não corre para frente, mas para trás para depois de lançar a bola correr para frente também. O Liverpool recupera a bola e já olha para o brasileiro andando para trás e de costas para o gol em busca do apoio. Ele controla, busca girar e achar o tempo certo para enfiar a bola para os jogadores do seu time correndo verticalmente. Firmino é o epicentro do sistema ofensivo do Liverpool[7]:

Por estas características, Klopp se transformou num dos adversários mais duros para Guardiola. O seu ritmo alto, tanto de pressão quanto para explorar cada espaço concedido pelo jogo de posição, tornaram-se grandes desafios para Pep. Já Thomas Tuchel está tentando unir o jogo de posição com a aceleração dos times de Klopp, algo que mostrou linhas promissoras, mas também enormes problemas, no Borussia Dortmund.

Em síntese, o que vemos aqui tanto com Guardiola, com Ancelotti, com Tite ou com Klopp, são respostas ao futebol contemporâneo (o seu solo atual) tendo em conta a tradição em que está inserido. Guardiola utilizou estratégias anti-posicionais como também acelerou o jogo de posição desde o Bayern. Partiu da sua concepção de futebol e não foi ortodoxo, pois soube se adaptar ao futebol como uma realidade num todo. Ancelotti adaptou e racionalizou o ataque funcional para não ser frágil em termos de espaço, sabendo adaptar coisas que aprendeu com Sacchi e com as tradições do jogo italiano. Igualmente para Tite em nossa seleção. E Klopp pegou a tradição alemã de jogo vertical, de encurtar o tempo, e o atualizou principalmente com o “gegenpressing” e com mecanismos de contragolpes. O futebol é bastante amplo e a sua unidade está nas infinitas possibilidades. Ter uma concepção de jogo não significa usá-la de maneira ortodoxa, pois o futebol não é xadrez, e o jogo é dos jogadores.

[1] PERARNAU, Marti. Pep Guardiola: a evolução. Editora Grande Área, 2017. (p.68)

[2] https://eduardocecconi.wordpress.com/2017/01/18/mecanismos-do-3-4-3-possivel-tendencia-em-desenvolvimento/

[3] https://twitter.com/Jozsef_Bozsik/status/977999036337786880

[4] http://www.ecosdelbalon.com/2014/10/analisis-tactico-sistema-juego-real-madrid-carlo-ancelotti-como-juega/

[5] http://www.ecosdelbalon.com/2014/10/analisis-tactico-sistema-juego-real-madrid-carlo-ancelotti-como-juega/

[6] https://eduardocecconi.wordpress.com/2016/04/12/gegenpressing/

[7] https://www.youtube.com/watch?v=l4T7p_usq4k

--

--