József na Copa (dia 21): Uma força estranha: Messi conversou com o tempo

József Bozsik
4 min readJun 30, 2018

A bola é um espelho para o menino. Nela, ele se vê como realmente é. Não é a aparência, a cor dos cabelos, os dentes nascendo. É a esperança, a vida toda pela frente, os sonhos ingênuos de quem ainda não foi para a luta renhida. O menino brinca com os amigos e na bola enxerga todos os sonhos do mundo.

O menino Léo virou adulto cedo. Foi educado em seus gestos no Barcelona. Mas o menino nunca cresce totalmente, senão ele perde a sua bola. E quem foi menino sabe: não existe traição maior a si mesmo do que a de abondar a bola. Ela, a bola, a bola em si, a Bola em maiúscula. A bola é o menino. Dentro dela, os sonhos lançados aos céus. E o menino Léo sonhou. O seu destino era anunciado como grandiosa redenção para o povo argentino.

O menino Léo não estava só. Ele tinha Mascheraño, El Jefecito, o coração do guerreiro mais leal do universo. Cada gesto de Mascheraño é uma lágrima que cai dos meus olhos quando o vejo lutando. Higuain e Kun Agüero, um argentino que nasceu na França e o “Romário argentino”, o genro de Don Dieguito. Di Maria, o canhoto mais rápido e habilidoso de Rosário depois de Léo. Banega, outro menino de Rosário, o companheiro de passes. Otamendi e sua imposição a cada duelo. A aura diferente de Sergio Romero no gol da Argentina. Zabaleta, Lavezzi, Enzo, Biglia. Grande elenco.

Léo e os seus amigos. Léo e sua bola. O sonho estava ali. Não há nada mais belo do que jogar bola com os seus amigos, lutar com os seus amigos. É mais belo do que o gosto da vitória.

Léo e os seus amigos tentando conquistar o mundo de dentro de um barquinho, com a bola ao lado. A vitória é um detalhe para tudo que nos presentearem de beleza e emoção com os vossos dons.

Cada segundo na Rússia foi uma despedida para esses meninos. A bola continua, mas agora é um espelho embotado, faltando alguns pedacinhos porque caiu no chão algumas vezes e foi estilhaçado. Um aviso sobre uma nova vida que se aproxima.

Havia algo de diferente em Kazan. Os jogadores argentinos não estavam tão tensos. Pareciam sentir o último dia. Os meninos de dentro do barquinho tinham avistado um porto seguro. Não tinha pessoas gritando e comemorando com eles, era solitário, mas era belo e seguro. Eles sabiam. Sim, eles sabiam que era a despedida. A estrada chegava ao fim. Era hora de sair do barquinho com os seus amigos, olhar a bola com carinho, mas conversar com o tempo e ver o que passou.

Começa o jogo e a cada toque na bola dos franceses, Messi e seus amigos sabiam que estavam superadíssimos. O adversário era claramente mais forte, mais novo, mais fresco.

E Léo olhou para a bola. Viu uma imagem sua desbotada. E olhando para a bola, ela — sua serva fiel — lhe mostrou Mbappé…

Eu vi um menino correndo

Eu vi o tempo brincando ao redor

Do caminho daquele menino

Mbappé, apenas 19 anos. Com a velocidade, os desmarques e as rupturas de Ronaldo, o fenômeno. Correndo e atropelando os seus amigos. Pogba, 25 anos, lançando como gente grande, invertendo o jogo com extrema consciência. Atropelando também os seus amigos. O tempo passou.

Léo era um menino. Feliz, esperançoso, ingênuo. Corria como nenhum outro com a bola sob os seus pés. O controle de bola perfeito. Hoje, Messi ainda é o seu maestro, mas não tem mais aquele frescor, aquela velocidade, aquela ingenuidade de criança. Isto estava com Mbappé.

E Messi olhou para a bola e viu a sua Argentina ser inteiramente dominada. Como caprichosa que é, a bola entregou dois gols fortuitos para os argentinos só para que eles entendessem melhor como eram inferiores diante daquele adversário. A França voltou ao jogo e passou por cima. Mbappé atropelou. Brutalidade física em cada gesto, velocidade, todo um caminho pela frente. Mbappé acabou de entrar em seu barquinho.

4 a 2. Era o fim, Léo. O barquinho estava chegando no seu porto. Era a hora, finalmente. E Léo quis dar sua despedida. Pegou a bola, começou a driblar, ele estava leve para tentar. Não havia tango, não havia tragédia, não havia drama. Era o fim claro e nítido. Messi dribla dois e tenta chutar desequilibrado de direita. Chute fraco nas mãos de Lloris. E Messi se agachou, colocou sua cabeça no chão perguntando porque aquilo tudo e…

O tempo parou. E o sol ainda brilhava na estrada.

Era o fim para aqueles meninos. O barquinho chegou. Acabou. Mas não é o fim da vida, não é o fim dessa travessia. Era o fim daquela bonita história. Uma força estranha ainda levará os argentinos a tentarem. Talvez, Messi queira também tentar mais uma vez. Só não será mais a mesma coisa. Para aqueles meninos, acabou. Fim de estrada. E como foi bonito o trajeto daquele barquinho.

Não foi uma queda argentina. Não foi dramática. Foi sóbria. A sobriedade que nos faz reconhecer que alguém é realmente muito melhor. E Léo sabe disso. Os amigos de Léo sabem disso. Acabou. Tão simples como a vida. O que ficou de bonito lá atrás precisa agora moldar o presente e a vida continua, pois nada acaba para…

Aquele que conhece o jogo, do fogo das coisas que são
É o sol, é o tempo, é a estrada, é o pé e é o chão.

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