Resenha Crítica: Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet — Um Musical Para Quem Não Gosta de Musicais

João Pedro Zitti
6 min readSep 27, 2023

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Sweeney Todd, encarnado por Johnny Depp na adaptação cinematográfica, em trecho da música “My Friends”.

O gênero musical é muito presente no campo cinematográfico, com obras adaptadas diretamente dos palcos de teatro, como nas diversas adaptações de “O Fantasma da Ópera” e “Chicago” (2002, Rob Marshall), e obras originais do próprio cinema, como “Cantando na Chuva” (1952, Gene Kelly e Stanley Donen) e “Moulin Rouge — Amor em Vermelho” (2001, Baz Luhrmann). Mesmo sendo um gênero já bem — estabelecido no cinema, muitas pessoas ainda possuem uma certa resistência a esse tipo de filme por serem obras muito fantasiosas e exageradas devido a seus grandes números coreografados e situações idealizadas. Mas e se houvesse um filme que quebrasse esse padrão? Esse filme existe, e seu protagonista é Sweeney Todd.

Dirigido por Tim Burton (EUA, 1958 -), “Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet” (2007) se passa em Londres, metade do século XIX, e conta a história de Benjamin Barker (Johnny Depp, EUA, 1963 -), um barbeiro que é preso por um crime que não cometeu a mando do corrupto Juiz Turpin (Alan Rickman, Reino Unido, 1946–2016) para que pudesse roubar sua esposa Lucy (Laura Michelle Kelly, Reino Unido, 1981 -) e sua filha Johanna. 15 anos depois, Benjamin Barker volta a Londres assumindo a identidade do barbeiro Sweeney Todd, embarcando em uma jornada de vingança junto da cozinheira de tortas Sra. Lovett (Helena Bonham Carter, Reino Unido, 1966 -).

O longa, adaptado da peça de 1979 de mesmo nome e realizada por Stephen Sondheim (EUA, 1930–2021), é uma daquelas obras em que não é necessário dizer quem dirigiu para saber a procedência. Toda a estética narrativa e visual do filme condiz com a estética cinematográfica de Tim Burton vista em outros de seus trabalhos como “Batman” (1989), “Edward Mãos de Tesoura” (1990) e “A Noiva — Cadáver” (2005), com os personagens parecendo que saíram de uma página de desenhos realizados pelo diretor para dentro da tela cinematográfica, com suas peles esbranquiçadas quase que em um nível cadavérico e suas olheiras e detalhes faciais marcados por fortes sombras pretas, sem esquecer claro do cenário londrino extremamente góticos desenvolvidos pela diretores de arte Dante Ferretti, David Warren, Francesca Lo Schiavo e Gary Freeman, trabalho esse tão bem executado que levou o Oscar de Melhor Direção de Arte em 2008.

Trecho do filme “A Noiva-Cadáver” (2005, Tim Burton e Mike Johnson), um dos trabalhos com a icônica parceiria do diretor com os atores Johnny Depp e Helena Bonham Carter.

É curioso o fato de que, mesmo tendo sido roteirista e produtor do stop — motion “O Estranho Mundo de Jack” (1993, Henry Selick), Tim Burton é assumidamente uma pessoa que não gosta de musicais justamente pelo fato de eles normalmente serem extravagantes e idealizados, como sua esposa na época Helena Bonham Carter revelou em entrevista para promover o longa, mas mesmo assim o diretor topou realizar essa adaptação, e faz sentido isso pois esse é um musical que, diferentemente de outros companheiros de seu gênero como “O Rei do Show” (2017, Michael Gracey), “La La Land — Cantando Estações” (2016, Damien Chazelle) e “Mary Poppins” (1964, Robert Stevenson), não possui momentos de extrema extravagância, situações fantasiosas e coreografias megalomaníacas. Claro, um filme gótico sobre um barbeiro serial killer está longe de ser o longa — metragem mais realista do mundo, mas ele se distancia muito dos mundos perfeitos e idealizados presentes em outros longas como “Sinfonia em Paris” (1951, Vincent Minnelli) e que, consequentemente, tendem a agradar muito mais o público averso a musicais com esse tom mais realista ao mesmo tempo que agrada os fãs do gênero por se tratar de uma obra tão icônica do gênero nos palcos de teatro.

Agora vamos falar um pouco do elenco composto por um star system de muito peso, começando pelos protagonistas da trama. Johnny Depp (EUA, 1963 -), que já havia trabalhado com o diretor anteriormente em longas como “Edward Mãos de Tesoura” (1990) e “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (2005), e que possuía um histórico com música pois antes de entrar no ramo da atuação queria ser um rockstar e, anos depois, alcançou esse objetivo ao formar a banda Hollywood Vampires ao lado de Alice Cooper (EUA, 1948 -) e Joe Perry (EUA, 1950-), entrega um dos melhores trabalhos na sua carreira como ator, trazendo uma inexpressividade que combina com a “falta de vida” que há dentro de Sweeney ao mesmo tempo que é extremamente expressivo ao mostrar a raiva e loucura explosiva do barbeiro em momentos pontuais na trama que fazem com que o espectador sinta medo de seu personagem na tela. Sua voz também surpreende, conseguindo segurar o posto de protagonista ao longo do filme e trazendo um tom dramático muito interessante em músicas como No Place Like London. Não é à toa que o longa lhe rendeu sua terceira e última indicação ao Oscar de Melhor Ator e lhe deu a vitória do Globo de Ouro na categoria de Melhor Ator em um Longa — Metragem de Comédia ou Musical. A atriz Helena Bonham Carter (Reino Unido, 1966 -), que também já havia trabalhado com Tim Burton e com o próprio Johnny Depp em “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (2005), entrega uma atuação carismática e cômica com a personagem de Sra. Lovett que funciona muito bem em equilíbrio com o sério e melancólico Sweeney Todd, sendo também uma grande surpresa musical no filme já que a atriz não possuía nenhuma experiência musical anterior e agrada bastantante, sendo uma prova disso o fato de ela reprisar a atuação em musicais no filme “Os Miseráveis” (2012, Tom Hooper), assim como o ator e colega de elenco nos dois filmes Sacha Baron Cohen (Reino Unido, 1971-), que faz o personagem Adolfo Pirelli e que surpreende muito no longa. O elenco secundário, formado por Jamie Campbell Bowell (Reino Unido, 1988 — ) como Anthony, Alan Rickman (Reino Unido, 1946–2016) como o Juiz Turpin, Jayne Wisener (Reino Unido, 1987 — ) como Johanna, Timothy Spall (Reino Unido, 1957) como Beadle Bardo, Ed Sanders (Reino Unido, 1993) como Tobey, e Laura Michelle Kelly (Reino Unido, 1981 -) como Lucy, entregam ótimos trabalhos musicais e interpretativos que dão um maior interesse e chamam mais a atenção do público a essa distopia musical.

Johnny Depp e Helena Bonham Carter, caracterizados como Sweeney Todd e Senhora Lovett.

Um detalhe curioso sobre o elenco é o fato de que quase todos os atores desse filme faziam ou passaram a fazer posteriormente parte do universo cinematográfico da franquia Harry Potter: Johnny Depp e Jamie Campbell Bowell como Grindelwald, Alan Rickman como Snape, Timothy Spall como Pedro Pettigrew, e Helena Bonham Carter como a personagem Bellatrix Lestrange. Não é algo que influencia o musical, mas creio que seja uma curiosidade interessante a se destacar.

Algo que chama muito a atenção nesse filme é o uso da paleta de cores durante o longa, de responsabilidade da Direção de Fotografia e Direção de Arte. Ao longo da obra, é possível ver que a paleta é, no geral, muito dessaturada, com as cores voltadas para tons mais brancos, cinzas e azulados, reforçando a ideia de falta de vida e de vontade de viver que o personagem principal sente, sendo que a única cor que é extremamente saturada em todas as vezes que aparece está relacionada justamente a sua jornada de vingança: o vermelho, a cor do sangue, que aparece de maneira tão vibrante que causa um choque visual no espectador quando mostrada em cena, combinada também com a questão gráfica e gore como os assassinatos nesse filme são retratados. O único momento em que todas as cores são mostradas com grande saturação é no único momento do filme em que ele se assemelha mais a outros filmes de seu gênero como “Cantando na Chuva” (1952, Gene Kelly e Stanley Donen) e “Sinfonia em Paris” (1951, Vincent Minnelli), que é durante o número musical de By the Sea, um momento de fuga da realidade com visuais mais extravagantes, paisagens vivas e cores vibrantes que trazem a ideia de sonho, sendo isso quebrado após o fim desse momento utópico e vermos a volta a realidade, depressiva e sem vida assim como as cores que a representa.

Lançado há mais de15 anos, “Sweeney Todd: O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet” (2007, Tim Burton) é um filme que conta com um roteiro muito interessante, uma direção de arte única, atuações cativantes, e números musicais magníficos e dramáticos na medida certa (destaque para os números de Pretty Women, Epiphany e By the Sea), sendo um dos musicais que mais possui chances de agradar os não — fãs desse gênero justamente por ser uma obra que se distancia muito de outros filmes musicais já citados anteriormente, ao mesmo tempo que agradará os fãs de musicais por ser uma obra escrita pelo maior nome deste gênero, Stephen Sondheim.

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João Pedro Zitti

Paulistano graduando em Cinema e Audiovisual, escritor e músico.