Vulnerabilidade

Ligia OPortes
3 min readOct 16, 2019

A advocacia é uma das profissões mais romantizadas na maioria das sociedades ocidentais. Salto alto, saia lápis, caneta chique, cabelo super alinhado e grandes contratos comemorados com espumantes são alguns dos símbolos da nossa profissão que estão disponíveis em qualquer enlatado americano.

Isso alimenta não apenas a ideia de que a carreira jurídica é uma carreira por si só de sucesso e glamour como também a pressão social sobre os nossos ombros a cada vez que somos chamadas de doutoras e instadas a dar a nossa opinião/verdade absoluta sobre determinado assunto.

A realidade que vivemos é de mais de um milhão de profissionais tentando pagar a cachoeira de boletos que jorra para todos os brasileiros da casa da advogada à casa das professoras dos nossos filhos, da casa da caixa do supermercado à casa da servidora pública.

E nem só de pagar boletos vive a profissional de hoje: ela também quer viajar o mundo, quer fazer mestrado, quer sair para tomar um chopp com as amigas e ir ao teatro com o marido. Quer dar uma ótima educação aos filhos, falar uma segunda ou terceira língua, criar cachorros e gatos com todo amor e carinho e ainda escrever na internet!

Essa matriz de sucesso que a nossa sociedade impõe à um ritmo frenético, se pensarmos naquela velha ideia das coisas que precisamos fazer/ter até os 30 anos[1], aplicada ao nosso cotidiano de “mãe, advogada, as duas coisas ou coisa nenhuma” parece ser a formula certa da nossa angustia e ansiedade diária.

Na tentativa de diminuir essa angustia e ansiedade diária, e motivada a encontrar um propósito maior nessa loucura diária que a gente vive, há um ano eu, Ligia,iniciei uma transição bastante lenta e gradual na carreira, para sair de uma lógica de trabalho que não era a minha e que não me fazia bem por razões que não cabem nesse texto.

Isso significou trabalhar mais de 12 horas por dia, trabalhar em sábados, domingos, feriados e em horários pouco ortodoxos, tudo para dar conta de manter tocar simultaneamente uma parceria com um escritório e o projeto de ser meu próprio escritório. Eu me organizei para manter essa jornada hercúlea até o momento em que o meu projeto fosse mais significativo para mim do que o escritório dos outros e também pudesse conter de alguma forma a tal cachoeira de boletos.

Claro que, como vocês sabem bem, a vida não é uma linha horizontal esse plano tão bem elaborado acabou por encontrar um problema chamado “fator humano”: fui desligada sumariamente do escritório onde eu trabalhava após manifestar meu desejo de mudança naquela parceria. E eu sofri muito, por várias razões: não era o que eu tinha planejado, era uma parceria que ia além do profissional e a forma como tudo se deu foi realmente aterrador para mim. E aqui entra exatamente o assunto que eu quero conversar com vocês: a importância da exposição da nossa vulnerabilidade não apenas para quem pode nos dar apoio em situações difíceis como esta, mas também para com os nossos filhos.

A exposição da nossa vulnerabilidade mostra para os nossos filhos que somos pessoas também, e que medo, insegurança, tristeza e decepção são sentimentos que adultos e crianças experimentam na mesma medida. Ensina nossos filhos que os momentos difíceis são parte da vida de todo mundo e que o mundo plástico das redes sociais é uma minúscula fração daquilo que se vive no mundo real.

Para mim, viver essa experiencia tão intensa e compartilhar isso com meu filho, Henrique, fortaleceu nossa relação e forneceu a ele a oportunidade de falar sobre sentimentos que fazem parte da bagagem de vida que precisamos para seguir em frente quando tudo parece perdido.

Na sua família, qual a importância da vulnerabilidade? Conta pra gente aqui nos comentários e acompanhe as nossas dicas sobre o que é preciso para escolher a coragem e não o conforto na cultura de hoje[2].

[publicado originalmente em https://www.instagram.com/p/B3fX0urjQTf/?utm_source=ig_web_copy_link ]

[1] A advogada Camila Masera falou sobre a famigerada lista do que fazer antes dos trinta num ótimo texto quando ela trintou no mês passado.

[2] A call to courage, Bene Brown

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Ligia OPortes

eu escrevo porque não sei o que penso até ler o que digo.❞ Flannery O'Connor - essas são as minhas groselhas cotidianas pós contemporâneas