A Globo é a mais homofóbica das emissoras

Luan Borges
4 min readJan 20, 2015

Você, querido leitor, talvez tenha se assustado com o título deste post. Sim, a Globo é a mais homofóbica das emissoras. Mas como a Globo, uma emissora que constantemente coloca casais homossexuais em suas tramas, pode ser a mais homofóbica e mais incentivadora da homofobia de todas as emissoras? Simples, caro leitor: incentivando a aparentemente inofensiva — mas igualmente devastadora — homofobia velada.

Em “Amor à Vida”, tivemos a primeira ‘esmola’ da Globo ao público LGBT, com um selinho demorado entre Félix e Niko, no último capítulo da novela. Foi um momento histórico e emocionante na teledramaturgia brasileira, porém, numa trama que foi transmitida por nove meses, e que contava com diversos relacionamentos homossexuais, apenas um beijo havia sido mostrado. Sim. Félix tinha caso com o Anjinho, Niko era casado com Eron, mas seus beijos não eram transmitidos, reforçando o pensamento de “eu aceito, desde que eu não veja”.

A ‘assexualidade’ dos homossexuais foi reforçada na trama sucessora, “Em Família”, onde o casal lésbico Marina e Clara apenas dão um selinho nos capítulos finais, deixando apenas no plano do subjetivo a descoberta da sexualidade de Clara. O “primeiro” (mais para frente explicarei as aspas) beijo lésbico da TV brasileira foi, na verdade, o milésimo do casal. Aquele comum, corriqueiro, rápido e que beira o automático. O amor, a paixão, o calor, a emoção, típico das novelas, ficaram de fora.

A Hebe já deu selinhos mais demorados que o casal Clarina

Sem citar casos anteriores, como da novela “América”, onde o beijo entre Júnior e Zeca foi cortado horas antes da exibição do último capítulo.

Mas hoje a Globo retrocede. A pouca esmola à causa LGBT não é mais dada. Em uma semana, dois beijos gays escritos e gravados são sumariamente eliminados da sua principal atração, a novela “Império”, para agradar aos setores mais conservadores da sociedade — leia-se os evangélicos. A Globo prefere estar com o retrocesso, com o atraso, com aqueles que se escondem atrás da Bíblia para pregar o ódio e a intolerância, do que com a igualdade social e com os direitos constitucionais.

Ao reforçar a homofobia velada, onde casais gays podem existir, mas não podem demonstrar afeto em público, a Globo acaba sacramentando e incentivando atos como o que vimos no último final de semana, quando um casal gay foi agredido no restaurante Sukiya, em São Paulo, apenas por terem dado um selinho. Existam, mas sejam discretos, e nunca se beijem!

A polêmica do beijo gay — ou “quase beijo”, criada nas últimas semanas — continuará sendo uma polêmica enquanto for tratada assim. Comentários e reações homofóbicas continuarão sendo regra enquanto o beijo gay for exceção. Não é possível tratar cada selinho como se fosse um evento, ou uma visita extraterrestre. Amassos, sexo, e até estupro entre heterossexuais não chocam a “família brasileira”, mas um selinho faz a família desmoronar.

Mas, apesar de toda a publicidade, a Globo não foi pioneira em absolutamente nada. O primeiro beijo homossexual foi em 1963, no teleteatro “Calúnia”, da TV Tupi, protagonizado por Geórgia Gomide e Vida Alves (a mesma atriz que protagonizou o primeiro beijo heterossexual da TV). Outro beijo homossexual da teledramaturgia brasileira foi na minissérie Mãe de Santo, na metade da trama, entre Lúcio e Rafael. Outro beijo homossexual na teledramaturgia foi na novela “Amor e Revolução”, do SBT, em 2011, onde Giselle Trigre e Luciana Vendramini protagonizaram não só um beijo gay, mas sim o primeiro beijo gay e brega da TV brasileira, com direito a baladinha romântica, cruzar de pernas e o texto didático característico do autor Tiago Santiago.

Beijo lésbico do SBT foi o primeiro beijo gay brega da TV

Mas por quê na Globo esse assunto causa polêmica? Durante toda a década de 90 e 2000, a Globo reforçou o estereótipo homossexual com seus programas “humorísticos”, do nível “Casseta e Planeta” e “Zorra Total”, onde os personagens homossexuais eram representados de formas caricatas e pejorativas. Qual viado nunca foi chamada de “Alfredinho” (“Onde foi que eu errei?”) ou “Patrick” (“Olha a faca”)? Gays só servem pra serem piadas, ou serem discretos, mas nunca, NUNCA, demonstrarem afeto.

Na Argentina, a terra do Papa que abraçou os homossexuais, o beijo gay na dramaturgia já é tão banal e corriqueiro que tramas inteiras são baseadas em casais homossexuais, com direito a cenas mais quentes. É o caso da novela “Botineras”, de 2010, onde o casal Manuel e Lalo foram o principal destaque da trama. O autor Aguinaldo Silva, que escreve “Império”, na época, publicou no Twitter: “Será que em minha próxima novela terá beijo gay ou a gente vai perder pra Argentina?”. Perdemos pra Argentina.

Por lá, onde o povo é historicamente mais politizado, o casamento gay é aprovado, as taxas de crimes de homofobia passam longe das brasileiras e a família argentina vive muito bem. Por aqui, casais homossexuais são marginalizados, obrigado a viver com esmolas sociais e sob o medo de ser atacado por bandos enfurecidos apenas por trocarem um selinho. Somos obrigados a ouvir Jair Bolsonaro dizer coisas como “homossexualismo é falta de porrada” ou que gays são mortos “por seus respectivos cafetões” sem que nada aconteça.

Não estamos a margem. Não somos a exceção. Não somos indignos. Nos trate com a igualdade que temos e merecemos. Não precisamos da sua esmola, Globo.

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Luan Borges

Jornalista com passagens pelo Poder360, SBT e Band News FM Rio. Participou da implantação do SBT News em Brasília. 28 anos. Espaço independente.