Diário da Mestre #1 O Início da Jornada

Mylena Machado
6 min readAug 18, 2021

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créditos: dleoblack

Uma mestre iniciante, jogadores igualmente iniciantes. O que poderia dar errado? Tudo! E certo? Tudo também! Aprender a jogar RPG de mesa com mais seis pessoas que também estão aprendendo é uma tarefa cheia de desafios, mas onde estaria a graça se fosse tudo fácil demais?

Desde o início da pandemia eu venho consumindo cada vez mais conteúdos sobre RPG de mesa. Lives, podcasts, romances. O interesse já vinha de antes, mas com o isolamento social decidi mergulhar um pouco mais fundo. Não tive oportunidade de jogar na adolescência, tanto por não conhecer pessoas com interesse, tanto pelo meu desinteresse próprio, mesmo apaixonada por fantasia.

Comecei a assistir Fim dos Tempos, uma campanha ambientada no sistema brasileiro de Tormenta20, e ele acabou me interessando mais que meu antigo conhecido Dungeons & Dragons. Decidi montar minha própria mesa, consegui juntar um grupo de amigos e escrevi (ainda estou escrevendo) uma campanha que, depois de muito pensar, intitulei carinhosamente de Os Filhos de Valkaria.

Ambientei a campanha em Deheon, num lugar mais remoto e próximo às Uivantes, apelidado pelos próprios moradores de As Fronteiras (com muita inspiração das Colinas Centrais, sim). Como todos na mesa são iniciantes, tanto no RPG de mesa quanto no cenário de Tormenta, tive o cuidado de preparar as aventuras de modo que apresentassem não só o mundo de Arton, mas o funcionamento básico do jogo em si. Pensei em cada aventura como uma pecinha de lego que iremos juntar com outras pecinhas de lego ao longo das sessões, do nível mais básico até onde der.

Estou buscando como trazer a história dos personagens pra dentro do jogo a fim de deixá-lo mais vivo, pensando também nos interesses que os próprios jogadores demonstraram durante as jogatinas. Tivemos duas sessões para apresentação da campanha e criação das fichas e mais duas de roleplay. Tenho anotado tudo de mais importante que ocorre durante em forma de lista, mas pensei que seria divertido se eu desenvolvesse isso um pouco mais. Assim nasceu o Diário da Mestre. Toda quarta-feira, assim pretendo, postarei minha anotações das sessões que ocorrem aos domingo.

Primeiro, o recém-formado grupo de aventureiros:

Abel é um tritão bardo devoto de Oceano muito carismático. Um viajante do mar que espalha histórias quase todas falsas e músicas de outras pessoas para quem desejar, ou não, ouvir. Decidiu aventurar-se na terra seca acreditando que a arte espalharia melhor a palavra de seu deus que qualquer clérigo. Mas será que todas as suas histórias são realmente falsas?

Donno (Don) é um qareen ladino, devoto de Valkaria, corajoso e meio atrapalhado, desiludido com a ambição humana. Está fugindo de gente muito importante por ter roubado o objeto errado das pessoas erradas. Ele nunca soube o que era, pois deixou o artefato cair e se espatifar em vários pedacinhos. No entanto, vai descobrir que em algum momento poderá enfrentá-lo novamente.

Esteno o’Malley é uma medusa bucaneira, devota de Kallyadranoch e ex-gladiadora em busca de aventuras, provando de sua recém liberdade após ter matado o dono da arena que a mantinha prisioneira. Esteno perdeu metade de suas cobras e sua própria mãe. Em algum momento ela poderá encarar coisas duras do passado. Será que ela está mesmo sozinha?

Kael é um elfo arcanista devotado à Wynna. Possui idade ancestral e um temperamento amargo, o único lugar que reconhece como lar é sua torre de cristal, lembrança antiga da devastada Lenórienn. Assolado por um tédio desagradável, busca por um propósito em sua existência, o qual talvez esteja escondido numa pequena Lefou que ele salvou de si própria.

Maximus é um golem bárbaro criado em Coridrian pelo próprio Sar-Laazar. Foi vendido para uma família de bárbaros e tornou-se um escravo, aprendeu a ser um combatente forte e sem escrúpulos. Hoje, busca aproveitar sua liberdade, saboreando os prazeres que não pôde em sua tenra idade. O que uma família de bárbaros iria querer com o melhor criador de golens do reino da magia?

Olivia é uma lefou e clériga de Khalmyr amargurada com os humanos. Nada ela sabe sobre como chegou em Arton, mas lembra-se de ter sido resgatada à sombra de uma oliveira, ainda bebê, por uma Dahllan. Essa gentil meio-dríade foi assassinada por um cavaleiro desconhecido, que pereceu pelas mãos da própria Olivia num acesso de fúria. Resgatada por um elfo viajante, ela não imagina que sua origem pode dizer muito mais sobre quem ela é.

Capa da campanha

Sessão 1, Aventura I: O Desaparecimento de Kazura

A primeira sessão, como todo bom RPG de mesa, começou numa taberna. Clássico. Pedi que os jogadores apresentassem seus personagens e eles interagiram um pouco entre si, ainda tímidos com a novidade. Interagiram também com alguns NPCs: Yelena (a taberneira), Willius (um bardo viajante) e alguns soldados do reinado de folga. Esteno infelizmente não pôde participar dessa sessão, assim, ela aparecerá apenas na próxima aventura.

Não havia nenhuma donzela em perigo, mas um humilde comerciante chamado Tohmen surgiu com um problema para o grupo resolver: Kazura, seu companheiro de viagem, estava desaparecido. Meio esbaforido, e oferecendo um pagamento justo pelo resgate, o homem levou o grupo até sua carroça tombada. Ele alegou que, após acordar no meio da madrugada por uma confusão na estrada, foi nocauteado por alguém ao tentar se aproximar. Não viu muito mais que isso. Quando acordou pela manhã, Kazura havia desaparecido e sua carroça estava tombada no meio da estrada.

O grupo começou a desconfiar do próprio amigo desaparecido, acharam que ele havia armado alguma armadilha para Tohmen.

Investigaram a área relativamente bem: primeiro avistaram muitas pegadas ao redor da carroça e chegaram a conclusão que elas pertenciam a humanoides comuns. Entretanto, no meio do caos, conseguiram distinguir também um par maior que o normal. Um pouco assustados, deduziram que ele pertencia a um símio de grande porte. Também acharam um frasco quebrado de uma poção do sono e identificaram uma aura mágica ao redor das pegadas maiores. Por fim, acharam uma trilha de rodas que seguia para dentro da floresta.

Ainda achando que Kazura tinha algum plano maligno, e desconfiando que o próprio Tohmen pudesse estar escondendo algo, mesmo eu dizendo várias vezes que não, os jogadores resolveram seguir a trilha adjacente que haviam encontrado.

Como eu queria deixar o jogo mais dinâmico, e um pouco mais vivo, achei que uma boa maneira para imergir os personagens no jogo seria incrementando a campanha com encontros aleatórios. Estava animada para saber quem dos meus maravilhosos NPCs eles encontrariam primeiro.

E é óbvio que eu tirei um belo 20 na minha primeira rolagem.

Eu não quis inserir ameaças aterrorizantes na tabela de encontros aleatórios. Acho que inserir riscos muito perigosos no meio das aventuras não seria muito saudável para jogadores iniciantes. Eu não os prejudicaria de forma alguma com os números dos dados, mas o 20 tinha que ser especial.

20 é 20.

A trilha lamacenta transformou-se num vasto campo aberto. A grama verde cintilava com orvalho, algumas macieiras solitárias cresciam à vista. O céu sem nuvens brilhava azul mesmo sem sol e um pequeno riacho corria por toda a planície. Uma brisa suave trazia um perfume floral. Uma torre flutuava vários metros acima do chão. Donno intuiu que, de alguma forma, era um lugar relacionado a sua deusa Valkaria e Olivia, a clériga, sentiu que havia algo de divino ali.

A princípio os jogadores se assustaram, ficaram confusos, mas logo perceberam que não havia perigo nenhum. Muito pelo contrário. Abel perguntou se eles ganhariam presentes e, apesar de saber que foi o jogador quem falou, eu aceitei deixa. O bardo passou no teste de intuição e soube que as maçãs douradas eram um presente. E que presente.

Para a tristeza da mestre, na primeira sessão, todos os jogadores ganharam +1 em qualquer atributo à escolha.

É isso. Eu proponho a história e não só os jogadores a negam, mas os dados também.

Passado esse momento sublime, Donno sentiu que havia muita tristeza no topo daquela torre. Após muita conjectura e teorias do bardo sobre a tsunderezice da clériga, todos decidiram subir. Encontraram um homem enigmático, parecia ser um arcanista. Tinha cabelos brancos, vestes brancas e um grande capuz branco lhe cobrindo a cabeça. Seu rosto era bonito, mas estava maculado por algo. Veios em azul escuro cresciam em suas bochechas.

Foi assim que terminamos a sessão, a mestre pensando se não deveria ter desenvolvido mais sua tabela e os jogadores extremamente satisfeitos com a minha derrota.

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Mylena Machado

25 anos. Estudante de Letras. Apaixonada por escrita e nerdolices aleatórias. Atualmente muito empenhada no TPK.