DAS RAZÕES QUE ME LEVARAM A ABANDONAR (QUASE COMPLETAMENTE) O FACEBOOK E PORQUE MINHA VIDA MELHOROU DEPOIS DISSO

Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro
Published in
8 min readJan 23, 2017

DISCLAIMER 1: provavelmente você chegou aqui via um link postado no Facebook. Sim, eu estou ciente das contradições inerentes. Por favor, leia o post até o fim antes de sair por aí me xingando de imbecil.

DISCLAIMER 2: quem sou eu para dizer às pessoas como elas devem se comportar nas plataformas de redes sociais. Cada que faça o que bem quiser de seu Facebook, de seu Twitter, de seu Instagram. O texto a seguir se refere apenas às minhas experiências e opiniões e não pretende desqualificar o comportamento de qualquer outra pessoa, viva ou morta, real ou imaginária, pertencente ao meu convívio virtual e/ou real ou não.

* * *

Eu criei meu perfil no Facebook em agosto de 2009. Eu estava em uma viagem de trabalho em Los Angeles e em determinado momento me cansei de ouvir os gringos perguntando: “How come you’re not on Facebook?” E eu explicava que o Feicy ainda não tinha emplacado no Brasil, que a onda por lá (por aqui) era o Orkut (e os gringos me olhavam com uma expressão gozada) e enfim, teve uma hora que eu enchi o saco de ficar me explicando e aderi ao troço. Era de graça mesmo, né?

Aaaah, o Orkut. A rede social de várzea, a rede social moleque, a rede social arte.

Demorou um pouco para entender as diferenças entre o Feicy e o Orkut, que à época ainda bombava freneticamente. Então dava pra postar comentários aleatórios, links para publicações de outros sites, fotos e vídeos pessoais, tudo em um único mural que era atualizado em tempo real com as postagens dos outros usuários? E cada postagem podia receber comentários de todos os outros usuários e esses comentários poderiam ser replicados e treplicados ad infinitum? E que essas postagens ganhavam “likes”, simpáticos sinaizinhos de positivo que serviam como uma medida da sua sagacidade/graça/inteligência/sex appeal/capacidade de despertar empatia? E era possível selecionar as pessoas que veriam suas postagens e que poderiam interagir com elas? E que dava pra criar comunidades para discutir assuntos específicos, parecidas com as do Orkut, mas mais organizadinhas? E que dava pra jogar joguinhos online, sozinho ou em disputa com outros usuários? Nossa, nada mau prum site que surgiu como um literal “livro de rostos” para os estudantes da Universidade de Harvard… e que se transformou na maior máquina de faturamento publicitário da história da mídia social.

Corta para 2016, pouco mais de sete anos depois de eu ter aderido ao Facebook. Regateei, relutei, refuguei, mas afinal instalei a extensão News Feed Eradicator no meu Google Chrome. Em seguida, desinstalei o app do Facebook do meu celular. Não, não deletei meu perfil; apenas abdiquei de ver todas as atualizações de status de meus amigos virtuais. Não comento mais nas postagens alheias (mesmo porque só as vejo se alguém marca o meu nome nelas). Mas continuo conversando com os amigos via Facebook Messenger. Também deixei de fazer postagens aleatórias: hoje só posto links relacionados a trabalhos que quero divulgar (como os posts no Medium ou novidades do meu trabalho musical, Borealis). Parei com as piadas, com as fotos, com os vídeos, os textões, as indiretas, os memes. Se antes eu gastava, fácil, mais de uma hora por dia fuçando no site, o tempo perdido caiu para alguns minutos por semana.

É isso o que vejo quando abro o Facebook usando o News Feed Eradicator: nada.

Eis as razões para minha atitude:

I: o Facebook faz com que as pessoas pareçam piores do que são realmente

Nenhuma rede social é boa ou ruim. Bom ou ruim é o uso que fazemos dela. O Facebook é incrível para aproximar (ou reaproximar) pessoas, criar comunidades em torno de interesses mútuos, permitir que nos comuniquemos, enfim. Mas noutro dia li uma frase muito boa por aí: “O Twitter aproxima desconhecidos. O Facebook separa amigos”. Quem nunca bateu boca publicamente com um amigo de infância, um parente, um colega de trabalho no Feicy por qualquer motivo — política, comportamento, futebol, whatever? Por que isso acontece? Por que uma plataforma criada para estimular o contato (frutífero) entre as pessoas se torna, tão frequentemente, uma praça de guerra?

Eu costumo dizer que se o Facebook tivesse sido inventado no período Neolítico, a civilização não prosperaria. Porque a vida em sociedade depende, fundamentalmente, da capacidade que temos de NÃO dizer tudo o que nos passa pela cabeça. No mundo não-virtual (AKA “vida real”), todos sabemos disso, de forma intuitiva. A convivência social só é possível se conseguimos conter os impulsos que temos de dizer coisas que possam ofender ou desagradar o próximo. De uma só tacada, o Facebook oferece A) a chance de travarmos contato com muito mais gente do que seria possível no mundo não-virtual e B) a chance de ofender e irritar gratuitamente várias dessas pessoas.

Sem falar que, até hoje, ainda tem gente compartilhando essa merda aí.

Por que fazemos isso? Porque vamos ganhar likes. Porque há o estímulo incessante, retroalimentado pela mentalidade de manada, para emitirmos nossas opiniões sobre tudo. Porque as pessoas acham que têm o direito de serem “sinceras”, sem se importar com as consequências do que vão publicar. Porque tem gente que prefere trocar uma amizade de décadas pela hashtag #prontofalei. As ferramentas de publicação que tornam a comunicação no Facebook tão fluida e ágil tornaram muito mais fáceis também os bate-bocas instantâneos, os debates nos quais não se debate nada e o aperfeiçoamento absoluto da lógica (?) dos trolls.

Trata-se de um ambiente tóxico, nocivo, e que estava me causando um mal-estar físico e psicológico. Acordamos com o celular na mão, ansiosos para nos irritarmos com a opinião de gente que nem conhecemos. O prazer sadomasoquista de provocar os outros, desqualificar o pensamento alheio de forma gratuita, replicar instintivamente à menor discordância: tudo isso foi potencializado ao infinito com o Facebook. Há quem evite isso ao se fechar na proverbial bolha, bloqueando ou deixando de seguir as vozes dissonantes. Se fosse possível fazer isso na vida real, desconfio que a civilização também não iria muito longe.

Don’t feed’em.

II: minha vida não interessa aos outros

E não afirmo isso no sentido de “minha vida não é da sua conta”, e sim num sentido mais literal mesmo: minha vida é desinteressante. E a de 99,8473% da humanidade é também. Transformamo-nos, de bom grado, em relações públicas de nós mesmos. O Facebook instila em seus usuários a compulsão de desnudar suas atividades cotidianas. Mas o meu cotidiano é um saco. Eu postava as coisas — fotos, relatos, vídeos, memórias etc — porque via todo mundo postando também. E frequentemente me pegava pensando: “Mas por que alguém que nem me conhece se interessaria em saber que fui ao show tal ontem, ou que jantei no restaurante X?” Não faz sentido. Entretanto, as pessoas adoram se expor, e adoram espiar a exposição alheia. Eu via cada vez menos sentido em postar esse tipo de conteúdo e tinha menos interesse ainda em postagens similares de outras pessoas. E quando se chega a esse ponto de desinteresse, convenhamos que a utilidade (?!) do Facebook cai muito.

Foto (fora de foco) de uma sardinha assada bem ruim que comi em Lisboa, nas férias de 2016. Levou quatro curtidas no Facebook.

III: cansei de trabalhar de graça para o Zuckerberg

Mark Zuckerberg é a quinta pessoa mais rica do mundo. Sua fonte primária de renda é o faturamento com anúncios. As empresas pagam uma grana tão violenta para anunciar no Facebook porque as pessoas gastam um tempo violento de bobeira no site, engajadas nos bate-bocas que discuti na razão I e nas postagens pessoais às quais me referi na razão II. Vemos então que o negócio de Zuckerberg é, na verdade, manter as pessoas logadas no Feicy e atrair cada vez mais gente para a plataforma. Mais gente acessando = mais gente vendo anúncios = mais gente clicando nos anúncios = mais faturamento para Zuckerberg. A jogada de mestre é que as pessoas trabalham de graça para o Facebook, publicando incessantemente coisas fofas/ridículas/engraçadas/irritantes que vão chamar a atenção dos outros, que vão compartilhar/discutir/sacanear/xingar esse conteúdo e postar suas próprias coisas fofas/ridículas/engraçadas/irritantes. Eu disse “trabalham de graça?” Não, claro que não é de graça. Elas são pagas — em curtidas!

Tentei pagar as compras do mês no mercado com minhas curtidas, mas a caixa disse “Não vamos estar aceitando, senhor. Dinheiro ou cartão?”

Eu gerei muito, muito valor para Zuckerberg. Eu gastava um tempo considerável do dia a imaginar frases engraçadas, comentários mordazes e fotos inusitadas, ou a buscar links interessantes e legais de serem compartilhados. As pessoas gostavam: eu ganhava curtidas, novos pedidos de amizade, novos seguidores. Eu gostava. Achava altamente cool ser visto como um cara sagaz e inteligente, pelas pessoas que só me conheciam através de meus posts. Cada “bleep” emitido pelo smartphone, com novas notificações de comentários/curtidas/compartilhamentos, era uma festa. Claro que, na caixa registradora de Zuckerberg, a festa estava bem mais animada.

Mais ou menos na mesma época em que meu desgosto com as indiretas e as agressões chegou ao auge, também enchi o saco de trabalhar de graça. Sim, eu sei que todos nós trabalhamos de graça nas interwebs. Mas nenhuma outra plataforma consegue ser tão diabolicamente dissimulada (e sugar tanto o nosso tempo) quanto o site de Zuckerberg. Este post também foi dado de graça; tem um papo aí de modelo de remuneração, mas só acredito vendo. Entretanto, o Medium parece benévolo, caridoso até, se compararmos com a maneira como o Facebook explora o melhor (a criatividade, as opiniões, as memórias) e o pior (todo o resto) das pessoas, tudo para manter a caixa registradora tilintando. Hoje, em vez de trabalhar para o Facebook, boto o Facebook para trabalhar para mim, na divulgação de conteúdos meus… publicados em outras plataformas.

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Então, depois que abati uns 95% da presença do Facebook na minha vida, o que mudou? Conforme já descrito acima, ganhei tempo pra trabalhar mais, ler mais (on e offline), jogar mais videogame. A compulsão por obter likes e shares veio diminuindo com o tempo. Tenho me dedicado a esticar mais as ideias em posts longos aqui no Medium. E sobretudo tenho esvaziado minha cabeça de polêmicas idiotas, vaidades vãs, bravatas inúteis, convites para joguinhos que nunca jogarei, notícias falsas, posts pagos patéticos.

Curti.

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Marco Antonio Barbosa
Telhado de Vidro

Dono do medium.com/telhado-de-vidro. Escrevo coisas que ninguém lê, desde 1996 (Jornal do Brasil, Extra, Rock Press, Cliquemusic, Gula, Scream & Yell, Veja Rio)