A 3ª Guerra e as cinzas do Museu Nacional

Em Berlim, 1933, a sede do Parlamento era queimada — um fato que foi usado para exacerbar o anticomunismo e o sentimento de medo que conferiria poderes excepcionais a Adolf Hitler. No Rio de Janeiro, em 2018, o incêndio no Museu Nacional denota assustadoras semelhanças com o início da Segunda Guerra: é porque chegamos à Terceira.

Marília Moschkovich
4 min readSep 3, 2018
À esquerda, o incêndio no Parlamento alemão em 1933. À direita, o Museu Nacional em 2018.

Acordo com a notícia triste sobre o museu nacional. A ciência brasileira e mundial, em especial as ciências sociais e humanidades, em luto. O conhecimento, a cultura popular, a história dos povos originários: cinzas.

Não é o primeiro nem o último museu que vai ser destruído pelo descaso, principalmente desde 2014/2015, ainda na gestão da Dilma, quando começaram os grandes cortes para a ciência tanto pelas agências estaduais quanto pelas nacionais — todos eles acelerados e aprofundados após o golpe (que veio justamente para acelerar e aprofundar).

É triste ver a desinformação e o absurdo de certos argumentos igualmente liberais — de um lado, os que dizem que “já vai tarde” o museu porque é coisa de “esquerdista” e “desperdício de recursos”; de outro, os que dizem que a perda não é tão grande assim pois é um museu “de brancos” ou de “história branca”. Ouvir esses argumentos é desolador.

Não podemos analisar esse fato — e nem a destruição da produção científica brasileira, em curso — como um fato isolado nacionalmente (só do Brasil), nem como resultado direto do golpe. O golpe aprofundou e acelerou, como disse, a implementação de um projeto radical de austeridade.

Austeridade significa, sempre, no capitalismo, austeridade para quem já não tem muito, para que possam ser mantidas ou elevadas as taxas de lucro de quem tem demais. Esse é o processo que estamos vendo: uma reconfiguração da maneira de organizar a produção e circulação de mercadorias e conhecimento globalmente. Como parte essencial dos passos necessários para recuperar as taxas de lucro de grandes empresas de atuação internacional e do capital financeiro após a crise de 2008, sem iniciar uma terceira e fatal guerra mundial.

Uma guerra tem a função econômica de reestruturar radicalmente a produção porque tudo vai pro saco, recomeça-se do zero. Além disso, a força de trabalho também é reduzida drasticamente, e volta a estar sob certo controle estatístico, por assim dizer. Quem duvidar tome o tempo de fazer uma boa pesquisa no Google Acadêmico e nas solitárias bibliotecas que restam, sobre a relação econômica entre a crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial.

É disso que estamos diante neste exato momento.

Que um candidato abertamente simpático ao nazismo e ao fascismo esteja em segundo lugar nas pesquisas eleitorais brasileiras, não é surpresa. Que a desestruturação que estamos vivendo no Brasil esteja semelhante ao momento da Argentina tampouco. Que governos ultra liberais tenham sido eleitos em diversos países muitas vezes por “medo” de que a ultra-direita chegasse ao poder, nos últimos anos, também não.

Vocês acham que Hitler chegou ao poder como? Foi pelo sistema democrático alemão dos anos 1920/1930. Pelo apelo popular do anticomunismo e do medo de tudo frente ao cenário desolador pós-crise (e quem ainda não viu as correntes e posts da direita dizendo que a culpa do incêndio é dos socialistas e comunistas que estavam na gestão do museu?). Criminalização da luta política, da crítica. Com o apoio de tratados de diferentes governos — como o dos EUA — que acharam que era bom deixar ele crescer um pouco ali já que ele invadiria a União Soviética, “poupando” os EUA de gastar recursos com isso. Interesse ideológico e econômico.

Tem gente que sai ganhando com o incêndio desta noite. Sai ganhando com a destruição dos sistemas públicos. Sai ganhando com a miséria, com a fome, com a morte em série de tantas e tantos que já se somam. É o preço que pagamos por continuarmos neste sistema chamado capitalismo, em que o ponto central de toda atividade humana é o lucro de alguns. Para recuperar esses lucros, queima-se. Com bomba atômica, com fogo, com bombardeiros. Com prisões políticas, centros de tortura, ocupações militares em favelas.

Queimar força de trabalho. Zerar a organização produtiva. 1929–2019.

Não se enganem, esta já é a terceira Guerra Mundial.

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Marília Moschkovich

socióloga-antropóloga, escritora-poeta, feminista-comunista, antirracista, não-mono/relações livres