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4 min readSep 20, 2016

CASTLEVANIA: ARIA OF SORROW | PEDRO MARQUES

Castlevania: Aria of Sorrow é um jogo no qual não dá pra confiar.

Talvez seja o caso de todos os Castlevania. Não sei, nunca joguei nenhum outro. Mas é da linhagem de jogos que escondem uma coisinha brilhante em um dentre oitocentos baús. Aí pronto: se um deles tem, pode ser que os outros setecentos e noventa e nove também tenham, mesmo que se diga expressamente que não tem (podem estar mentindo! Só os fortes persistem). E existem certos tipos de pessoa que são particularmente suscetíveis ao pensamento que bate se você abrir setecentos e noventa e oito dos setecentos e noventa e nove, não achar nada e quiser ir embora. É um sussurro maldoso, um sussurro que ri, falando “mas e se… no último…?”

Eu sou uma dessas pessoas.

Eu sou MUITO uma dessas pessoas. Castlevania: Aria of Sorrow tem um contador que mostra uma porcentagem de poderes que você extraiu dos bichos que encontra pelo caminho. Se ela chegar a 100%, significa que você encontrou cada um dos bichos e coletou o poder de cada um deles. Mas não. Não, eu não confio, porque com esse tipo de jogo eu não descanso enquanto eu não tiver 100% de certeza que não existe nada escondido atrás do 100%, algo secreto, algo secreto por trás do secreto e assim até o infinito.

Não é que eu goste de completar as coisas — nunca na minha vida eu platinei um jogo — mas é que a ideia de que pode ter alguma coisa muito especial em algum lugar que eu não vi é muito torturante. E jogos que podem ou não estar escondendo algo o tempo todo, cujas paredes — TODAS elas — podem ou não ser quebráveis, cujos monstros podem ou não dropar um poder e um item, como Castlevania: Aria of Sorrow, são feitos especialmente pra acabar com gente que nem eu.

E aí você pode dizer “nossa, mas quando acaba essa dúvida constante? Quando você pode sossegar?” e eu direi que não, nunca, não existe sossego se você jogar baseado só nessa dúvida. Por isso mesmo, eu não tenho a menor condição de jogar Castlevania: Aria of Sorrow sem um walkthrough.

Mas só por ora eu vou é chamar de DETONADO. É que DETONADO é um nome muito mais legal que walkthrough, porque veio das revistas de jogos brasileiras e todas as revistas brasileiras sobre videogames sempre foram escritas com spray de grafitti por pessoas de boné pra trás andando em um teclado de computador com rodas, pois têm esses termos RADICAIS e ANTENADOS. Walkthrough é um cara de perna cruzada tomando café em London te falando que ah, nessa parte você faz isso e aquilo. DETONADO É O MALUCO DANDO VOADORA NA PORTA DO SEU QUARTO E JOGANDO MELECA DE NARIZ NA SUA PAREDE PRA TE FALAR SOBRE COMO ELE DETONOU, ESMERILHOU, DESOSSOU ESSE GAME!!!

DETONADO!!!

DETONADO, entende, dá essa noção de COMPLETAMENTE DESTRUÍDO que é exatamente o que eu quero em um DETONADO. Eu preciso da segurança, ou pelo menos da ilusão, de que alguém antes de mim foi lá e simplesmente virou o jogo do avesso, mijou no cartucho pra mostrar quem é que manda e só então escreveu um texto dizendo o que é pra eu fazer caso eu queira fazer o mesmo. O problema com isso é que se essa pessoa fez isso, então isso já é uma marca a ser superada, afinal, qual que é a graça de seguir o que um cara já fez? Quem detona os detonados?

Pode parecer ter um salto lógico aí, mas não tem salto lógico nenhum. Não tem uma lógica em primeiro lugar. Só que da mesma maneira que, sem o DETONADO, você tem uma base de 100% de completude com alguma possibilidade em algum lugar pra mais do que isso, a chance de descobrir um lugar novo se você fizer um esforço extra, com ele você tem uma base de certos parâmetros que alguém colocou e que você tem que superar porque o que o jogo (ou, nesse caso, o texto) diz não é o que ele realmente quer dizer. Não pode ser, porque ele já mentiu na vez em que disse que aquilo era uma parede e não dava pra passar.

Então você, se você tiver esse tipo de problema, acaba matando uma desconfiança pra alimentar outra. Ah, então o DETONADOR chegou na Headhunter no nível 17? Não, senhor. O que o DETONADO quer dizer com isso é “então você volte e não pare de grindar enquanto não estiver no mínimo no nível 30”. Se não for pra ser muito superior, nem vale a pena. E Castlevania: Aria of Sorrow deixa você fazer isso, estimula você a fazer isso, com seu esquema de salas que pode ser abusado pra dar respawn em bicho. É o jogo, junto com o texto do DETONADO, te falando “isso… mais força… cyber-luta, vamos lá… eu estava dando 95 de dano nesse bicho, nessa hora. Vai deixar?? VAI ENCARAR??”

…Alguém me ajuda.

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