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6 min readSep 20, 2016

CASTLEVANIA: ARIA OF SORROW | LUCAS RAFAEL ANDRADE

Elegância é algo que talvez nunca entre na minha cabeça por completo.

Enquanto consigo expressar um gosto bem específico para coisas belas (mulheres, j-pop) não consigo processar a ideia de, por exemplo, pagar mais de 15 reais num vinho. É uma contradição que existe em mim gostar disso, porém gostar também das coisas elegantes, o que reflete nas roupas que eu uso, no meu comportamento, nas obras que consumo, músicas que escuto e nos jogos que gosto. Deve ser por isso que por mais que eu passe (passo) um tempinho apreciando quadros antigos, arquitetura de igreja, estátuas, acho muito mais fácil de entender essa beleza — as vezes a mesma! — na arte de joguinho de videogame. Até um tempo atrás eu nem entendia os quadros, qual a graça, né? Hoje já dá pra pensar em colocar na parede da sala.

Pensando bem, essa coisa de elegância cai melhor ainda com a palavra “sofisticado”. Eu definitivamente não sou sofisticado. Meu vinho preferido se chama Campo Largo e é uma marca deveras famosa aqui no sul — ele custa em torno de 7 a 12 reais e já virou parte de minha rotina tomá-lo. Isso é provavelmente uma afronta ao bom gosto e as taças que estão cheias dos vinhos que provavelmente custaram mais de 40 reais e têm algum nome francês, não o nome de uma cidade (que dá pra fazer piada com o nome de uma outra cidade, que eu inclusive vivo). Mas que se dane, eu prefiro o Campo Largo mesmo.

Koji “Iga” Igarashi é uma pessoa que provavelmente toma vinho caro, sabe se vestir bem e é sofisticado. Aliás, ele provavelmente é o próprio Dracula (Castlevania Series) da vida real. Ele reformulou um jogo que era um desses de fase só que em uma estética mais punk, numa coisa mais sofisticada, com um homem de longos cabelos brancos e rosto levemente afeminado que faz movimentos graciosos enquanto luta, anda pelo castelo, desvia (anda) e em suas demais ações. É rápido, eficaz no que quer propor, além de se passar num ambiente bem maior: o castelo todo é aberto e você vai progredindo conforme encontra itens, poderes e demais utensílios, diferente das fases de antigamente. Chamava Symphony of the Night, esse aí. Depois foram todos colocados numa latinha e chamados de igavania.

Vampiros sempre foram o tipo de pessoa que o Iga é. Em Castlevania eles faziam uma versão completamente estereotipada do mesmo, de certo modo até caricato (como todos os bichões conhecidos que apareciam). Seja nas roupas, seja na sua taça de vinho a qual o mesmo vai quebrar (e até assim ser elegante) na hora que você chegar pra luta ou até no jeito de soltar seus golpes — só abrir levemente a sua capa, sem fazer muita extravagância e se movimentando através de teleportes. Elegante. Não tinha outro jeito de contra-atacar isso, no primeiro do Iga você assume o controle do filho do Dracula, que, tentando seguir o estilo do pai ainda consegue ter sua própria personalidade e talvez ser até mais sofisticado — afinal não é nada elegante ter uma segunda forma grotesca, deve ser por isso que ele tentava esconder. Isso talvez tenha sido, na mente do mesmo, um jeito de superar os outros Castlevania. Nunca saberemos, mas acho que deu certo, considerando que não tem mais Castlevania de fase.

Sem pressa, sem pressa. Vamos voltar um pouco. Do outro lado, do lado dos bichões estereotipados e do Dracula vilão a gente jogava com os Belmonts, um clã caçador de vampiros. Belmonts são homens musculosos, que acredito eu que não se preocupam muito com que roupa estão vestindo, tem um movimento um tanto travado e lutam usando chicote — é o exato oposto. Porém deixe-me dizer: é muito bom lutar assim. Sério. Você tem que se preocupar com o que você faz, a hora que você se move, com a distância que o chicote cobre e o que o inimigo pode fazer contra você. Claro, nos primeiros era meio precário tudo isso — mas olhe Castlevania IV, Rondo of Blood e Bloodlines, a santíssima trindade; todos eles tentaram melhorar esse estilo em seu máximo, cada um de seu jeitinho especifico.

IV tentou trazer o melhor chicote possível, fazendo uma pequena concessão pra outras coisas que faziam parte do jogo, o que importava era fazer um monte de coisa: se pendurar, girar, bater nos bichos de longe, usar o formato vertical de uma fase a seu dispor. Rondo of Blood era o mais punk, quase hardcore. O esforço de trazer uma estética muito melhorada dos outros jogos foi grande demais, tudo era bonito, mas de um jeito meio rústico e tinha aquele ar “durão” também. Foi o melhor combate que um Castlevania já concebeu, beirando o nível de jogo de lutinha, cada inimigo era uma dança de golpes e possibilidades num pequeno espaço. Era difícil, muito difícil, também. Bloodlines foi o malucão do trio, fazendo um jogo que você não joga com um Belmont, pode usar lança (a melhor lança já feita nos video games) e nem se passa nos arredores do castelo do Dracula, na verdade você fica viajando por vários países da Europa matando os bichões. Tem uma luta em cima da Torre de Pisa. Ele parece mais um filme do John Carpenter dentro do formato dos outros jogos, é incrível.

Agora sim, voltando ao ponto.

Tivemos uma era de caras durões que graças aos poderes da fricção tinham sérias dificuldades em vencer bichões, depois disso veio o filho do bichão mais forte, trazendo um novo norte para a série, e aí, passando por uma coisinha ou outra chegamos no Aria of Sorrow. Aria of Sorrow é o caminho para a sofisticação e elegância, e, consequentemente, o que mais incorpora isso da série até então. Tanto o lado bom quanto o lado ruim disso. Você é uma pessoa (supostamente) normal, nesse. Você só quer ir ver um eclipse solar com a sua amiga gatinha. Você acorda no castelo do Dracula, que estava morto há muito tempo. Você tem poderes, com eles pode absorver a alma de seus inimigos. Tem mais gente no castelo (por que diabos alguém abriria uma loja aqui?). É o dia prometido, o dia da volta de Dracula. Obviamente, quem está com a responsabilidade de ser o novo Dracula é você.

Claro que não dá pra saber disso (o personagem não sabe) logo de começo — por isso se pega uma espadinha no chão, ou tenta ir no soco, mas anda pelo castelo. E como anda; vai atrás de uma coisa, atrás de outra. É bem bonito, na verdade. Dracula com certeza tinha um bom gosto para seus ambientes interiores, estátuas e obras de arte espalhadas pelo castelo. Não esperava menos de um vinho francês.

Então é claro que o castelo tá cheio de bicho e passagem fechada pra sair procurando solução: contando isso tem “combate” que é basicamente bater e bater nos inimigos até eles morrerem, sem necessidade de muito esforço extra, exceto em algumas partes bem específicas. É um processo mordaz. Mas é bom andar pelo castelo, sair vasculhando por aí, observando o que há no fundo, olhando a cada quinze minutos~meia hora a porcentagem do mapa que foi completado e onde ainda tem que andar. Reparando agora, é uma coisa que beira a obsessividade, apesar de parecer uma ideia tão boa na hora. Talvez por isso mesmo a outra parte seja tão fraca, mas tão fraca, que dá vontade de chorar. Pelo menos tem a luta contra a Morte, que você tem que fazer alguma coisa além de bater.

Tem aquele poder de absorver a alma dos inimigos, também. Esse é bem legal, eu admito. Qualquer inimigo, qualquer um mesmo, tem uma chance de ter sua alma sugada pelo Soma e cada uma dessas tem funções em especifico, podendo ser ativas (vermelho), passivas (amarelo) ou de suporte (azul). Aí dá pra ficar combinando as três de vários modos diferentes — também é uma coisa obsessiva, ficar coletando monstro atrás de monstro. Alguns nem tem tanta diferença nos efeitos. Talvez já seja o formato pré disposto a trazer coisas assim consigo e não só serem sistemas que existem puramente para brincar.

Uma coisa é certa: o Koji gosta de se colocar em seus jogos. Aria transparece nas suas paredes, nas suas mecânicas, no seu personagem, nos motivos dele, o castelo todo está cheio de dicas de “olha, eu sou assim”, mesmo que isso o faça sofrer de maneiras lamentáveis.

Obrigado pela experiência, Aria.

Mas dane-se, eu ainda prefiro Campo Largo.

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