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10 min readSep 20, 2016

CASTLEVANIA: ARIA OF SORROW | GABRIEL SAVIOLI

Talvez um aspecto negligenciado de jogar videogame, mesmo que só no nível consciente, seja o de performance. Existem sistemas que nos permitem expressão por meio de certos trambiques não explícitos em si. Isso em jogos multiplayer é bem óbvio, especialmente nos competitivos (o conceito de “combo” em Street Fighter 2 não estava previsto no desenvolvimento); em jogos que se joga um de cada vez, a linha pode não ser tão clara.

Não é todo mundo que consegue zerar GOD HAND (sempre em letra maiúscula), e por motivos razoáveis. É um jogo difícil de entender como se movimentar e fazer o serviço a princípio. A análise do espaço em coordenação com o personagem pode parecer não fazer sentido por quiçá algumas horas. Depois de certo tempo você se acostuma com a câmera e, principalmente, pega uma lista de movimentos que funciona melhor caso a que o jogo te fornece no começo não agrade. A magia da coisa é que com esses movimentos você molda o seu estilo, o que é consequência de GOD HAND permitir que estilos existam sem ter que acessar um menu com a Árvore de Habilidades™ do seu estilo. Isso nos faz pensar naquele Splinter Cell mais recente que se vendia pela “liberdade” que dava aos jogadores ao dar-lhes a escolha de:

  • Fazer missões sem ser visto de jeito nenhum;
  • Fazer missões matando todo mundo com truculência (“…mas sem deixar testemunhas”, diz o trailer);
  • Fazer missões sem ser visto, mas matando de forma sorrateira.

(Obrigado, Ubisoft.)

Em GOD HAND, as habilidades que o jogador escolhe o permitem brincar com as opções e criar de forma orgânica suas próprias táticas. Não existe em lugar nenhum no manual que se pode aproveitar da rodinha de habilidades que diminui a velocidade do jogo, que dá tempo de alinhar um grupo de inimigos juntos enquanto um outro, no ar, fica na altura certa pro jogador sair da rodinha e dar uma voadora que o arremessa contra o agrupamento que nem uma bola de boliche. Não existe tutorial que diga, “ei, por que você não deixa esse inimigo novo por último antes de prosseguir pra treinar a sua esquiva contra ele e encher a sua barra de ataque especial?”

Sonic também é um bom exemplo. Alguém já parou pra pensar na ideia de “um bom jogador de Sonic”? Faz todo o sentido do mundo, considerando os quatro primeiros, mas ainda assim gera uma estranheza pensar que uma pessoa possa ser boa em Sonic, fazer truques e usar de conhecimento prévio e reflexos pra fazer coisas que outros jogadores de Sonic não conseguem e tudo.

Parece que em muitos casos nossas mães estavam certas ao dizer que nós brincamos de videogame, afinal.

Talvez seja por isso que eu não gosto tanto de Symphony of the Night. Ele é todo charmoso e com um monte de segredos, cheio de coisa e a animação de ataque do Alucard é muito bonita, mas como é sem graça de andar por aí. Primeiro porque o jogo fica nesse meio termo entre ser muito pesado e não pesado o suficiente (Rondo of Blood, Simon’s Quest) e rápido mas não o suficiente (Aria of Sorrow, Order of Ecclesia). Os primeiros eram jogos de ação maravilhosos porque respeitavam a escalada do tempo. Se andar é devagar e subir escadas é uma ação que monopoliza o cérebro de jogadores iniciantes, Rondo of Blood te fazia obcecar pra cada encontro e procurar sempre o melhor timing pra cada pulo e chicotada. Não dá pra agachar dos machados que os cavaleiros no começo do jogo tacam por cima, mas você pode bater neles. Você tem que bater neles do jeito certo. No Symphony of the Night fica a ideia que você pode esquivar de tudo, o que é verdade, mas em boa parte das vezes parece errado. Bater de frente também. Nada além de speedruns parece otimizado. Eu não quero brincar de filho do Drácula também se eu voo pra trás por pouco mais de um segundo [carecem fontes] sempre que um inimigo qualquer me bate, sem falar que meu corpo parece grande demais pra estar ali.

Eu encontro muito pouco quando quem tem o controle nas mãos sou eu. Por que não existe um modo de jogo onde eu sou invencível, o pulo é mais rápido e, sei lá, o tempo fica devagar sempre que alguém está perto de me acertar, estilo Pac-man Championship Edition DX? Tudo bem que esse não é o Symphony of the Night que existe, então eu nem posso culpar ele por não atender esses critérios, mas por que não aproveitar a experiencia de jogar coisas que não nos agrada e pensar em jogos melhores?

Ok, vamos brincar de fazer um agora rapidinho:

Vamos pensar num jogo de tiro de navinha em primeira pessoa. Mais ou menos on-rails, suas únicas opções de movimento são mexer na mira circular e escolher com a inclinação da mesma pra que lado ir em certos pontos da fase. Tem também um botão pra absorver certos tipos de projéteis inimigos, o que se feito bem na hora certa faz a navinha explodir tudo na tela e seguir mais rápido por alguns segundos. Você não pode perder, porque a navinha é indestrutível; cada tiro inimigo que passar é pego pelos seus escudos e faz a tela tremer e uma luz vermelha acender no cockpit e só.

A sua navinha só tem um tipo de tiro, que é um projétil incandescente que pode ser disparado na cadência de uma pistola. A sua navinha pode rebater tiros com os tiros dela. Os pontos de interesse de cada fase, assim como inimigos maiores (naves maiores, aliens maiores, demônios sumérios maiores, etc) levam mais dano se você atirar no ponto fraco deles no momento certo ou rebater um tiro no ângulo certo pra que os dois projéteis virem um só, maior e de cor diferente.

Tem todo tipo de coisa explodindo e cada objeto/superfície reage de forma independente. No meio de certos combates o jogador nem vai discernir a tela mais por causa da chuva de partículas e destroços voando.

Esse jogo, que não tem e provavelmente nunca vai ter nome, seria O Melhor Jogo do Mundo por umas boas duas semanas. Sem a presença de um estado onde o jogo para, jogadores teriam que encontrar formas de acabar com aquilo do jeito mais rápido possível; eles teriam que analisar os frames de animação e os ângulos de incidência e manusear o espaço de forma a fazer jogadas matematicamente perfeitas. Eles também poderiam descobrir que brincar de Pong com os tiros do inimigo é muito divertido e brincar disso por um tempo. Fazer malabarismos atirando em tiros já repelidos, fazer tiros repelidos tomarem uma trajetória tal que eles colidem entre si no espaço.

O argumento oficial dos desenvolvedores seria que não faz tanta diferença poder ou não perder, desde que você possa se sentir melhor fazendo a coisa. Provavelmente venderia bem mal. Quem sabe.

Mas bem; Castlevania: Aria of Sorrow

Eu…acho que é meu Castlevania favorito. Existe muito pouca firula envolvida, contando que você não se incomode com a historinha de “poder da amizade!” e “o meu verdadeiro eu que tenho de controlar senão O Mundo Pode Acabar” e tudo mais. A bem da verdade, ela é inofensiva. Soma Cruz, o protagonista estudante de intercâmbio no Japão, se vê jogado no castelo do Drácula dentro de um eclipse solar. A amiga dele que vive no templo onde ele ia também. Tem um soldado careca que te vende armas. O vilão principal acaba não sendo o vilão principal, se você pega o final de verdade.

Uma visita cursória ao mobygames nos mostra que além de produtor, o Koji Igarashi é creditado como roteirista (tem um jeito melhor de traduzir “scenario writer”, aliás?) de Aria of Sorrow. Olhando pro resto do trabalho dele com videogames, ele desempenhou a mesma função num certo Tokimeki Memorial, um jogo de relacionamentos entre jovens no ensino médio. Ele já disse numa entrevista que um dos atrativos em Castlevania é a história dos jogos, mas temos que nos perguntar até que ponto esse comentário é uma concessão por ser, uh-hum, uma história de videogame. Não que ele pareça estar mentindo; o ponto de citar Tokimeki Memorial aqui é porque, pela fama que possui, deve ter mesmo muito potencial nas coisas que ele escreve. A coisa é que, bem, independente de qualquer juízo de valor, esse potencial não parece vir ao caso quando o assunto é Castlevania. Tanto faz; ainda existem outras questões, mais relevantes, como até que ponto depois de Symphony of the Night a visão dele é “dele” e não do Comitê de Massagem de Ego de Jogador de Videogame? Qual a opinião dele sobre o termo “igavania”? Onde ele conseguiu essa camiseta? Onde eu posso conseguir essa camiseta?

Em Aria of Sorrow cada movimento é uma marca sólida no seu mundo. Uma espadada só vai infligir dano quando os pixels na ponta da espada, que se contrai e retrai na animação de ataque, tocarem as delicadas áreas passíveis de sofrer dano. O que significa que, às vezes, acertar um golpe contra um inimigo pequeno no ar transforma o jogo por uma fração de segundo num jogo de tiro onde mira é essencial. O número de vezes que eu trombei com inimigos porque o ataque não estava alinhado certinho da primeira vez que joguei foi vergonhoso. Vim a perceber que isso acontecia porque em muitos jogos de ação dá a impressão que o ataque funciona como se fosse uma parede; você ataca e fica safo de tudo na sua frente. Aria of Sorrow nos lembra de algo muito óbvio, que é: se um ataque, à distância ou não, não “existe” no espaço, a potência da ação tende a ser reduzida.

Cada momento parece trazer um punhado de opções viáveis. Você pode pular por baixo dos ossos que os esqueletos jogam, ou você pode estudar em quais distâncias é viável atacar o osso no ar, ou dar um dash pra trás, ou deslizar pra frente, etc. Supondo que você não pegue a espada que quebra o jogo (nada contra), cada tipo de arma traz uma nova visão pro combate; umas batem de cima pra baixo, outras de baixo pra frente, outras só pra frente. Mais rápido ou mais devagar. Dá pra fechar Aria of Sorrow usando uma pistola.

Ainda assim você ainda tem que jogar como Soma Cruz enquanto ele (spoiler) se descobre como Drácula. Aí, caso você pegue o final oficial, você luta contra o Julius Belmont antes do Ultimo Chefão de Verdade. Pra contextualizar: Soma descobre que é o Drácula, destinado a voltar depois de ser selado no ano 2000. O jogador vai até a porta de fumaça preta na parte de baixo dos jardins suspensos e lá o Julius se diz triste pela descoberta, e que é o trabalho dele como Belmont acabar com o vampiro a todo custo. Eles brigam.

Existe tanta coisa acontecendo nessa briga. Primeiro que é o único chefão fora o Último Chefão de Mentira que tem o mesmo tamanho que você (a moral da história: muita gente no recreio da escola vivia falando de chefões memoráveis enormes, mas os mais legais costumam ser os que parecem com a gente). Segundo que as habilidades dele são muito “expansivas”, já que ele vira personagem jogável depois. Julius consegue atacar em ângulos estranhos por causa da voadora e dos itens Belmont que ele usa (a cruz, a água benta, a estrela). Você tem que se adaptar ao conjunto de variáveis, que se amontoam sem parar. O chicote pode acertar duas vezes: uma quando vai pra frente e outra quando cai (gravidade, duh). Nesse ponto, as opções de movimento que o jogador tem a disposição é igual, o que só acontece nesse caso.

O jogador acaba tendo que olhar pra suas experiências e ver que estudar a altura e o ritmo certo pra dar espadada ou pular não só funcionava pro osso ou a bandeja que o esqueleto joga, mas assim que essas ações te ensinavam sem querer algo muito mais profundo sobre o funcionamento dos sistemas envolvidos. Mas claro, isso não existe em nenhum vídeo famoso no youtube sobre Level Design até porque não é, a rigor, tanto uma questão de design, mas sim de performance.

Depois você descobre que o Julius estava se segurando durante o combate e o Último Chefão é precedido de todos os seus amigos mandando mensagens de apoio, consolidando o aspecto anime da coisa (não por coincidência o próximo Castlevania “of Sorrow” largou mão de ter arte de capa feita pela Ayami Kojima).

Acho que é isso. Aria of Sorrow é, pra mim, a versão condensada de algumas das melhores partes dos melhores Castlevanias. É o melhor do passeio proposto pelo Symphony of the Night, sem a roupa de baixo que pinica o pouquinho necessário pra te fazer perder a cabeça e (quase) o melhor do peso de Rondo of Blood. A trilha sonora é bem qualquer coisa, e os fundos do castelo não são tão bonitos. Ele não é excêntrico e engraçado como o Bloodlines. Manejar os menus das habilidades não me incomoda nem um pouco porque é bem rápido de trocar. Eu já falei que dá pra fechar o jogo com uma pistola? Mas que coisa.

EPÍLOGO: Bloodstained: Ritual of the Night não deve levar muito mais tempo pra sair. Talvez seja divertido. Tomara que seja. Os modelos estão bonitos, apesar que pelos vídeos lançados, o design dos monstros na primeira área é meio xoxo e às vezes o fundo se mistura com as plataformas na minha cabeça. É só um demo, então vai saber. Me incomoda um pouco a Inti Creates (aparentemente) ter colocado um dash-de-costas-pra-andar-mais-rápido na protagonista; No Symphony of the Night, apesar de contribuir pra falta de impacto no grande esquema das coisas, pelo menos o movimento era bonitinho por ter sido descoberto na gambiarra. Ali é só meio bobo., tipo, tá lá a Menina Matadora De Demônios dando uns pulos de costas num corredor grande e chega a parte de é pra deslizar e o jogador para, vira a personagem na direção da parede, e desliza. Isso é só um detalhe. Talvez por isso que incomode.

imagem por ario barzan

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