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4 min readMar 20, 2017

DONKEY KONG COUNTRY 3: DIXIE KONG’S DOUBLE TROUBLE! | PEDRO MARQUES

Quem jogava Donkey Kong Country 3 (SNES)?

Certo, alguém jogava. Não é bem essa a pergunta. É mais no sentido de “que tipo de pessoa jogava Donkey Kong Country 3 (SNES)?”. E é uma pergunta difícil, porque se você lembrar da sua sala da 4ª série você vai lembrar da pessoa que jogava Super Mario World (SNES), a que jogava Mortal Kombat 4 (PSOne), a que jogava Sonic the Hedgehog (Master System), a que jogava 007 GoldenEye (N64) e alguns jogos mais — mas Donkey Kong Country 3 (SNES), não. Eu estou ressaltando os consoles aqui em questão não só porque alguns desses jogos têm mais de uma versão — é porque só jogou Donkey Kong Country 3 (SNES) quem tinha um SNES. Quem não tinha, não.

E era só o dono, mesmo, porque Donkey Kong Country 3 é um jogo denso, cheio de pequenas coisinhas que só quem está com o controle ou prestando muita atenção vai poder apreciar. Quer dizer, ele é denso, mas não exatamente empolgante — do tipo que seu amigo dono de um SNES mostrava pra você quando você chegava na casa dele, dizendo “olha a parte em que eu tô, que da hora!”. Não, você chegava na casa do seu amigo e ele tava jogando qualquer outra coisa pra se vangloriar. DKC3 é o jogo que ele provavelmente jogava à noite depois da escola ou no Domingo até a hora do jogo.

Não era a pessoa que tinha um Nintendo 64. Pessoas que tiveram um Nintendo 64 tinham sua personalidade não vou dizer resumida, mas sintetizada no fato de que tinham um Nintendo 64. Eram as crianças que mais manjavam de videogames, iam no Cantinho da Criança do Hipermercado Extra e destravavam todos os bonecos e todas as pistas do Diddy Kong Racing, afinal já tinham zerado em casa, e sabiam como pegar as 120 estrelas no Mario e também tinham um GameBoy com Cabo Link, razão pela qual provavelmente tinham um Gengar ou um Alakazam. Ah, eles tinham as Beyblades com aqueles aneis gigantes de ferro, também, que soltavam faísca. Não são, portanto, as que jogavam Donkey Kong Country 3.

Também não são as crianças que compraram um Playstation logo depois do SNES. Essas crianças davam em árvore, não podem ser elas. Você sabe quem são: são crianças que faziam a festa de aniversário em casa e não no buffet Cara Melada, como também são as que jogavam bola na rua e cantavam a abertura de Dragon Ball GT junto com todo mundo, mas cantavam “por um caminho cheio de sonhos e de luz” em vez de “por um caminho cheio de sombras e de luz” e, ao ver que um nerdzinho tinha cantado diferente, paravam e pensavam “ué, mas como assim ‘sombras e luz’? Não faz sentido” e só descobriram que era isso mesmo no Ensino Médio. Elas começaram a jogar Magic quando todo mundo jogou, em Investida, no máximo em Flagelo (quem começou a partir de Mirrodin eram as crianças ricas que queriam se juntar ao bonde e aí se foderam porque veio YuGiOh!).

Quer dizer, essas eram as crianças normais. As que jogavam Super Mario World. Elas são candidatas a terem jogado Donkey Kong Country 3, mas isso implica acreditar que mesmo o menino mais normal — não descolado, normal — da sua sala tinha alma e fazia alguma coisa de que gostava do fundo do coração e sabemos todos que isso é impossível. Porque Donkey Kong Country 3 é um jogo que exige muito carinho não só pra ser jogado, mas pra se ter.

É que ele é um jogo meio residual no SNES. Ele guarda aquele ar engraçado de jogos que têm sprites-que-parecem-modelos e modelos-que-parecem-sprites, uma maçaroca tecnológica e artística, mas a maçaroca já tinha sido desvendada com o advento do super-poderoso 3D. Esse tipo de arte foi preservado mais em jogos de PC da CD Expert, então é razoável supor que a pessoa que jogou DKC3 teve pelo menos curiosidade em ver esses jogos e, na hora formadora de caráter de escolher seu MMORPG, talvez tenha escolhido MU Online em vez de Ragnarok ou Tibia, mas pela razão certa: MU Online é uma maçaroca tecnológica e artística que só poderia acontecer naquela época, assim como Donkey Kong Country 3.

É uma idiossincrasia, um pouco, ter jogado Donkey Kong Country 3. Porque é jogo de quem tinha muito carinho por seu videogame, mas não de maneira afetada o suficiente pra virar jornalista no futuro. É um limbo entre o Moleque do Bairro, que é o que chamava os amigos em casa pra jogar Marvel vs. Capcom (PSOne) e chamava a Morrigan de gostosa, e o Showman, que fazia noites do pijama pra todo mundo jogar uma fase de Pokémon Snap (N64). Então acho que era a criança que mandava muito no CS, mas sem ir na Lan House toda semana.

Donkey Kong Country 3 ainda sugere, mas não pressupõe, que você jogue de dois. Mas não um com cada controle e sim revezando ou ainda um jogando e o outro procurando dicas e truques na revistinha de games. Justamente por ser um jogo denso, mas não desses que fazem os dois jogadores fritarem. É, pra todos os efeitos, um jogo de tarde de Domingo antes do jogo. Ou até mesmo durante o jogo, já que a criança que jogou Donkey Kong Country 3 é mais propensa a ter tido uma TV no quarto ou a não gostar tanto assim de futebol. Vai ver por isso eu não fui uma dessas crianças e não pude conhecer nenhuma na minha época, mas adoraria conhecer crianças Donkey Kong Country 3.

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