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4 min readMar 20, 2017

DONKEY KONG COUNTRY 3: DIXIE KONG’S DOUBLE TROUBLE! | MARIANA MACIEL

O peito explode com aventura quando Crazy Calipso toca. Não importaria em nada se o resto do jogo fosse cinza e grotesco, de formas abstratas correndo atrás de ícones em meia-lua e surfando sobre piche espumante. A promessa está ali, de que tudo vai ser divertido e o tempo não importa, números e nomes não importam, só se divirta com o que der e, se rolar um esforço, dá pra se divertir ainda mais.

Costumava brincar de mapa com meu irmão e minha prima quando éramos crianças demais pra entender que andar em círculos e então em linha reta não acumula pontos no Fator Diversão©®™. Também não existia internet. Brincar de mapa consistia em, explicando de forma resumida, insatisfatória e óbvia, desenhar um mapa do tesouro em uma folha de papel, com vários inimigos e obstáculos no caminho, e então segui-lo a risca até, enfim, chegar no prêmio figurativo, que geralmente era só um “CHEGAMOS NO FIM” e então ir fazer outra coisa. Vale notar que a rota do mapa era realmente técnica e detalhada, como todo desenho da TV Globinho ensinou pra gente que deveria ser. Mais ou menos assim:

Então se havia um inimigo deveríamos batalhar, se havia uma montanha deveríamos escalar, e se o tracejado fazia círculos deveríamos andar em círculos. Nosso espaço de brincadeiras se resumia a um pátio retangular de 2x5 metros pavimentado com laje grês, inclinado num ângulo suficiente para descer sentada no skate ser divertido e também para estragar toda piscina plástica que ganhávamos de Natal. Tinha um limoeiro habitado por lagartas kamikaze 24/7. Andar em círculos era necessário. E éramos heróis e elfos, Zelda e Saria, Mario e Luigi, todos os melhores personagens de Star Fox (logo, não o Slippy). E nossos círculos eram trilhas, e nossos brinquedos eram tesouros, e nossas lagartas kamikaze eram nojentas.

Enquanto Crazy Calipso toca, ali nos símbolos de um ou dois jogadores, cooperativo ou competitivo, você vê não um render 3D estranho dos personagens exemplificando cada modo, como nos outros jogos, mas fotos de rosto, próximas, como um tio fotografando os sobrinhos nas situações mais tontas possíveis para guardar de lembrança no fim das férias. Porque enquanto Donkey Kong Country foi sobre macacos que curtem ouvir uma sonzeira na floresta e Donkey Kong Country 2: Diddy’s Kong Quest foi sobre caça a tesouros piratas em lugares sombrios e gosmentos, Donkey Kong Country 3: Dixie’s Kong Double Trouble! é uma viagem de férias de verão para visitar parentes distantes, que moram lá no norte, e fazer todas aquelas atividades arriscadas com seus primos que você nunca poderia fazer em casa, na cidade, durante o resto do ano. Então você se junta com seu primo mongol gigante e gastam as tardes passeando na hovercraft do primo bombado bizarro, às vezes apostam dinheiro em jogos de azar com seu avô, outras vezes jogam Super Mario 64 com sua avó, até salvam a Rainha Pássaro-Banana quando dá tempo. Você se diverte com o que tem, e é a maior diversão da sua vida.

Existe um mundo nesse norte para ser explorado, como cavernas dentro de cavernas dentro de cavernas. Esse mundo te diz que industrialização é ruim, que o capitalismo é selvagem e cruel, que a poluição e o desmatamento não deixam para trás nada além de abelhas assassinas e aranhas pula-pula. Mas nada disso é uma constatação ou um questionamento porque você está de férias e se macacos tropicais convivendo com ursos de florestas temperadas convivendo com lagartos do deserto não são motivos de sobrancelhas erguidas, não é a destruição de tudo que há de bom e puro que extrairia alguma reação. O que você faz é explorar, atirar barris com seus cabelos longos e braços fortes, nadar com peixes coloridos e piranhas mal-humoradas. Você aproveita aquela semana que alugou a fita, então reloca e reloca porque tem tanto tempo pra queimar antes do período escolar voltar que só quer seus barris, primos e hovercraft e o que seja, e aí se o final realmente te dá algo ou não não importa, porque foi a exploração em círculos que realmente deixou suas lembranças.

Brincar de mapa acabou eventualmente. Um misto de termos mais o que fazer, com amigos mais legais que primos e irmãos, e essa outra coisa que diz que brincar fora de quatro paredes é bobo e o esquema é acordar depois da meia-noite pra jogar Tibia porque a internet discada cobra por conexão ao invés de por minuto. E a gente cresce e se torna insatisfeito e exigente, associando números e estrelas a coisas que não foram feitas para receber números e estrelas e sim atenção, e os testes do BuzzFeed definem mais sobre o que fomos do que o que fomos de verdade (diga seu sabor favorito de pizza e diremos quando vai se casar!). Mas Crazy Calipso ainda toca, e por mais que a gente trate todo o resto como formas abstratas correndo atrás de ícones em meia-lua e surfando sobre piche espumante, os macaquinhos correndo atrás das bananas e as fotos de cabelos sujos de areia comprovam que em algum momento a preocupação foi não ter preocupação e se divertir com o que se tinha — que foi sim, a maior diversão da sua vida.

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