Jodie e a loja de Espiritos | Fantasia

Nina Bichara
6 min readDec 28, 2017

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um conto sobre uma colecionadora de seres mitológicos

A porta abre com o soar do pequeno sino, um aviso sempre que alguém entrava pela porta da frente. Mas desta vez ao invés de cliente era apenas Jodie com a bolsa tilintando, cheia de frascos trazendo mais itens para o estoque da loja. Na maioria dos dias era um trabalho ok, com alguns riscos ocasionais. Era recompensador chegar em casa com coisas novas e poder atender a pedidos complicados de clientes.

As chuvas de verão tinham feito as florestas e os campos ficarem cheios e verdejantes, então ela tinha um grande carregamento de hibiscos. Seriam ótimos para poções de proteção e para clientes que tinham animais exóticos em casa. Ela guardou as ervas e flores nas respectivas gavetas do armário de madeira que ia até o teto, deixou os frascos vazios na mesa de botica e saiu para o quartinho dos fundos.
A lamparina era mais fraca ali, a janela era coberta por tecido grosso de denim, mas a pouca luz que entrava mostrava as prateleiras recheadas de frascos e vidros de todas as formas e tamanhos. Jodie tirou da bolsa de tecido um frasco redondo, nele estava uma criatura ofídica, com chifres no topo da cabeça e um rabo que terminava num pequeno espanador de pêlos. Ela olhava pra dentro do frasco com olhos determinados e orgulhosos, foi um grande achado. Ela nunca tinha visto um Serpenzeth, eram criaturas belas e letais, uma mordida e um ser humano ficaria uma semana paralisado no meio da mata, mas eram ótimos para produzir analgésicos. Claro que ele seria um ótimo ‘estoque’ para substituir cogumelos que só dão em algumas estações ou que crescem em cavernas difíceis de acessar, mas não era por isso que Jodie o trouxe.

Os outros potes do quartinho estavam cheios, as criaturas mais diversas, coloridas, letais, adoráveis. Cada uma das criaturas exóticas e mitológicas que ela esbarrou em cada uma das suas expedições. No início era apenas para manter estoque, Jodie não era uma bruxa muito habilidosa, mas ela sabia fazer pequenas explosões de natureza e um ótimo feitiço de encolher. Além de conhecer bem qualquer coisa que dê no mato, aliás, mato era a única força da natureza que ela conseguia controlar. Foi assim que ela conseguiu proteger e salvar tantas criaturas. Ela as encolhia e mantinha em sua loja em potes diversos, mantendo registro de todas.

Jodie estava protegendo as criaturas, assim como ela, os bichos e espíritos eram parte de uma cultura que estava morrendo. A magia não era mais bem vinda no mundo e aos poucos aquelas criaturas iam ser sinais de mau agouro ou caçadas até a extinção. Algumas ainda precisavam de fé para viver, e poucos estavam dispostos a acreditar nelas. Então ela tomava para si a responsabilidade de cuidar delas, na esperança que houvesse lugar para elas no mundo, assim como torcia para que houvesse lugar para herbalistas como ela.

-Boa tarde Lady Vanice, que surpresa! O que posso fazer por você hoje?
A mulher estava coberta por uma capa esfarrapada, mas era fácil ver o rosto e a barra do vestido ornamentado.
-Boa tarde Jodie, por favor não diga meu nome tão alto. Você ainda tem pó de Tortulho? O Lorde está doente há semanas e acho que isso vai recuperar um pouco de seu ânimo. Já não sabia mais de onde pedir ajuda até minha mãe me mandar aqui.
A mulher parecia desconfiada ou com medo, olhava para todos os cantos enquanto Jodie pegava o produto e colocava em um frasco com a ajuda de um funil.
-Tem mais alguma coisa que a Lady precisa? Eu posso receitar algumas coisas para fazer uma sopa fortificante.
-Não não, querida — o rosto se contorceu numa careta insatisfeita — isso é tudo por hoje. Tenho certeza que já vai ajudá-lo. A não ser que… você tenha algo interessante aí nesse seu estoque!?
-Não não, eu trouxe muitos hibiscos essa semana, mas nada de mais, me desculpe.
-Sei..Bom, então acho que tenho tudo o que preciso, querida. Até a próxima.
Ela saiu e mais uma vez o sino tilintou enquanto a porta se movimentava. Era estranho, Lady Vanice não era uma cliente comum, seus antepassados até eram bem ligados com os espíritos e a antiga religião, mas ela representava todo o contrário naquela sociedade. Influenciando muitos a sua volta. Mas Jodie sabia que muitos se voltavam para a antiga religião quando em momentos de doença e desespero. Esse devia ser um desses casos.

O estoque estava uma bagunça, dava preguiça manter tudo arrumado então Jodie adiou até não poder mais, mas era semana de lua cheia então ela precisava organizar as coisas para poder buscar mais do que precisasse. Naquele momento ela nem tinha noção do que tinha sido vendido e do que tinha acabado. O vento não estava nada fresco e parecia mais uma baforada, mas ela continuou a contar os ramos de Camélias na esperança de terminar rápido.
Um vidro caiu no estoque dos fundos. Jodie prendeu a respiração com a concentração quebrada e pegou a vela. Ela empurrou a porta lentamente e viu um pequeno Fogo Fátuo azul vindo na sua direção. Ele puxou o cabelo dela com força.
-AAAH! Mas que diabos, o que você pensa que está fazendo?
Ela sabia que Fátuos normalmente guiavam as pessoas em caminhos ruins, mas o bichinho parecia desesperado apontando para o canto mais escuro do balcão. A maçaneta da frente começou a se movimentar. Jodie apagou a vela e se jogou no canto do balcão. A porta se abriu num estalo, o sininho fez um barulho lento de alguém que tentava abrir a porta sem ser ouvido. Os passos foram direto para a porta dos fundos. Abrindo a porta com um solavanco.
Nesse momento Jodie pode ver o corpo maciço, não podia ser um ladrão comum, um ladrão pelo menos olharia pro lado da caixa registradora. Mas a pessoa era grande o suficiente para ela não tentar ameaçar com a pequena faca de caça que ela tinha no bolso. Sem contar o pequeno Fogo Fátuo azul que se escondia entre as roupas dela, Fátuos não costumavam ter medo de nada, eles que botavam medo nas pessoas. Ela resolveu ficar quieta, se ela pelo menos alcançasse aquelas pedras de Obscurantina…

Ela começou a se arrastar no chão para alcançar o armário com as pedras. Foi quando ouviu algo quebrando na outra sala. um grunhido masculino e estridente e um guincho. Ele estava atrás da criatura na outra sala, boa intenção é que não tinha. Ela esticou o braço, abriu a gaveta e jogou a pedra no meio da sala, imediatamente deixando toda a loja com uma névoa escura. Não dava pra ver um palmo diante dos olhos, nem o pequeno Fogo fátuo era visível n aquela escuridão.
— Quem está aí? É você bruxinha? Não se preocupe, já tenho tudo o que preciso.
O homem tinha uma voz rouca e ameaçadora. Jodie só ouviu os passos vacilantes e a porta se abrindo mais uma vez. Despejando o homem noite adentro, ileso. Pensando bem, deixar toda a loja em breu completo não foi um bom plano.

Demorou um bom tempo até a poeira abaixar, o pequeno fogo fátuo foi na direção da porta dos fundos assim que estava mais visível o interior da loja. Jodie o seguiu apesar de ainda estar com os joelhos endurecidos com o susto.
Ela viu os dois potes quebrados, o pote com o fundo pantanoso do Fogo fátuo e um outro maior e com montanhas e nuvens escuras. Ela nunca esqueceria daquele, era um pequeno Dragão Vermelho bebê, cuja mãe tinha sido caçada dias antes de sua incursão da montanha. A sensação de impotência tomou Jodie e ela caiu de joelhos chorando. Ela não poderia se considerar uma protetora de criaturas assim, ela não tinha a mínima ideia de quem tinha levado o pequeno dragão, ela não tinha nem pistas por onde começar.

Entre soluços e o rosto quente com as lágrimas ela sentiu um pequeno puxão nos cabelos. O pequeno fogo fátuo apontava para um canto e puxava seus cabelos. Havia um colar no chão, talvez arrancado enquanto o dragão tentou revidar quando tiraram ele do pote. Era um brasão familiar, um brasão com uma quimera e a constelação de Órion. O brasão da família de Lady Vanice…

Nota da Autora: Não tá bom, mas eu vou tentar escrever mais depois. A ideia veio das imagens da Emma Lazauski, que eu esbarrei no pinterest.

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Nina Bichara

Escritora, editora, fazedora de joguinhos e streaming de rpg. Gente por ocasião, hobbit por amor. Escrevo aqui para espantar monstros pimpões.