Guia e apresentação do “Romance dos Três Reinos” para principiantes

Nintakun
31 min readAug 19, 2022

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Se você tem muito contato com cultura popular oriental, é altamente provável que já tenha escutado o nome “Romance dos Três Reinos” em algum ponto da sua vida, ou mesmo, alguma referência a ele, ainda que tenha passado despercebida.

Você pode até não saber exatamente do que se trata, mas talvez saiba que é um negócio que veio da China antiga e tem uns guerreiros fodões e que, por algum motivo, existem japoneses fissurados nessa parada (recentemente tivemos o anime “Ya Boy Kongming!”, que trouxe um dos personagens mais famosos dessa história pro mundo moderno, por exemplo), e talvez tenha até despertado certo interesse e curiosidade em saber mais sobre esse assunto aparentemente complexo e interessante. Ou talvez você só seja um grande entusiasta de história, e a história da China antiga lhe desperte interesse, pois esse é um dos capítulos mais turbulentos dela.

Se você é essa pessoa que já ouviu falar nesse negócio mas nunca soube por onde começar a aprender mais sobre, tô aqui pra dar o caminho das pedras para mais uma toca profunda e tentar explicar de forma bem direta e didática sobre o básico do assunto.

Vamos começar pela pergunta básica…

O que é o “Romance dos Três Reinos”?

O juramento de irmandade de Liu Bei, Zhang Fei e Guan Yu no jardim de pêssegos, uma das cenas mais marcantes do começo dessa história.

Vou responder isso de forma bem rápida e direta: o RdTR (vou passar a abreviar assim agora) é um dos grandes clássicos da literatura chinesa. Junto com “Jornada ao Oeste”, “Margem da Água” e “O Sonho da Câmara Vermelha”, ele integra o quarteto dos “4 grandes clássicos literários chineses”.

O livro, com sua autoria atribuída a Luo Guanzhong, e teve suas primeiras versões publicadas durante o século XVI (uma das mais antigas de que se tem notícia é de 1522), e é uma versão dramatizada e romantizada de eventos históricos reais que aconteceram na China entre os anos 184 e 280, período esse conhecido como “A Era dos Três Reinos”.

Sabe-se muito pouco sobre a vida de seu autor, e já houveram até discussões sobre se ele foi ou não o real autor do livro ou quanto disso tudo realmente foi escrito por ele, já que a obra foi publicada muito tempo depois da sua morte e passou por várias edições (ele supostamente viveu entre os anos de 1315 a 1400, durante boa parte da dinastia Yuan, quando a China estava sob controle Mongol, mas até essas informações são meio incertas), porém ao que tudo indica, consta nos registros históricos que ele era dramaturgo e novelista. Mas isso por si só é assunto pra outra ocasião, então prefiro focar minha atenção no livro em si por agora.

O livro é um verdadeiro épico gigantesco de mais 1000 páginas, divido em 120 capítulos, contando numa obscenidade de detalhes as intrigas, batalhas, estratégias e feitos incríveis dessas figuras históricas que existiram na China há mais de 1800 anos atrás. Desde o começo desse conflito, até a reunificação da China, que marcou o fim dessa era.

Parece foda, né? Mas antes de eu falar mais sobre isso, vamos lá que o tio aqui vai ter que falar um pouquinho sobre história antiga da China pra contextualizar melhor isso aí…

Como começou essa zona toda de Três Reinos?

Apertem os cintos que tá na hora da aula mei’ capenga de história, cambada!

Mas não se preocupem, vou tentar contar isso de forma mais ou menos resumida! Vou focar nos detalhes mais importantes que deram origem a isso tudo. A minha intenção aqui é dar uma simplificada pra quem não é iniciado entender melhor esse contexto sem muita dificuldade. Enfim, vamos lá…

Você provavelmente já deve ter ouvido falar em que a história da China (bem como de outros países asiáticos) é frequentemente dividida em “dinastias”.

Nossa historinha começa com a Dinastia Han, uma das mais longas e poderosas dinastias da história da China, que começou no século II A.C e e chegou ao seu fim definitivo no ano 220 D.C, após impressionantes mais de 400 anos.

Estabelecida inicialmente por Liu Bang, a Dinastia Han foi uma era bem próspera, e foi até considerada uma das “Eras Douradas” da história antiga da China, pois foi nela que vários notáveis avanços científicos e tecnológicos aconteceram, nas mais variadas áreas, incluindo a medicina e as artes.

Vamos avançar para o anos 180, que marcam “o começo do fim” da Dinastia Han, onde a corrupção no império tava comendo solta, principalmente por causa de um grupo de caras conhecidos como “Os Dez Eunucos” (sim, é isso mesmo que você leu, eunuco de “não ter pinto”… e curiosidade: na verdade, eles eram doze!), que tinham bastante influência na esfera política da corte imperial chinesa da época. Com essa corrupção rolando, várias rebeliões começaram a acontecer por toda a China de Han, e uma delas foi “A Rebelião dos Turbantes Amarelos”, que recebeu esse nome pois seus combatentes usavam… turbantes amarelos.

Com isso, surgem recrutamentos de exércitos voluntários por toda a região, e além deles alguns outros batalhões, que conseguem pôr fim nessa baguncinha anos depois. Três nomes notáveis de guerreiros que participaram dessa confusão aí são: Liu Bei, Cao Cao e Sun Jian.

Avançamos mais um pouquinho e PUF, em 189, o então “Imperador Ling” morreu! O país foi lançado ao caos enquanto vários dos que restaram tentam se aproveitar da situação para tomar poder para si! Entre esses, vai ter um cara chamado Dong Zhuo, que vai fazer muita merda e consegue controlar as coisas com mão de ferro e tirania por um tempo até surgir quem seja capaz de peitá-lo.

Um MONTE de coisa vai acontecer, e no meio dessa confusão irão surgir três grandes potências militares e políticas: Shu, Wei e Wu, que serão lideradas pelos três caras que mencionei dois parágrafos atrás. Liu Bei comanda Shu, Cao Cao ficou com Wei e Sun Jian é quem está por trás de Wu.

Quando esses três caras (e mais alguns de outros grupos) assumem o palco principal dessa história, a partir daqui, algumas das batalhas mais sangrentas da história da humanidade, alianças, intrigas, planos absurdamente malucos, estratagemas incríveis e uma quantidade inacreditável de reviravoltas irão acontecer pelas próximas décadas, até a China, agora dividida em vários pedaços sem um poder político centralizado estável, ser reunificada novamente.

Sejam bem-vindos à Guerra dos Três Reinos!

Realidade x Ficção

Escultura recriando uma cena icônica do livro: Zhuge Liang usando a “estratégia do forte vazio” contra seu eterno rival, Sima Yi. É uma cena bem marcante, mas… é totalmente ficção e não há registros de que tenha acontecido de verdade, infelizmente.

Agora que sabemos como o conflito começou, acho que podemos seguir falando um pouco do livro.

Como eu já havia dito, o livro é uma versão dramatizada dos eventos históricos reais. Todos esses acontecimentos foram pesquisados, compilados e registrados pelo importante historiador chinês Chen Shou (233–297), no extenso documento histórico que ficou conhecido como “O Registro dos Três Reinos”. Esse documento foi a principal fonte de informação usada como referência para a escrita do romance, junto de vários conhecimentos e mitos populares… mais de mil anos depois.

Mil anos é MUITO tempo. Tempo o suficiente para vários detalhes de uma história tão antiga como essa se perderem, fazendo com que a veracidade de alguns eventos possa ser contestada, e não apenas isso como a difusão de vários mitos e lendas urbanas sobre todas essas pessoas e acontecimentos. Não só isso como também vale lembrar que os registros históricos foram escritos por uma pessoa que tinha seu próprio ponto de vista e referências sobre os eventos, que podem destoar um pouco de como as coisas de fato aconteceram ou de como elas poderiam ter sido registradas por outro historiador, tanto que, por exemplo, Liu Bei e seus companheiros de Shu normalmente são retratados como os heróis principais da história, enquanto a figura do Cao Cao e de seus subordinados de Wei costumam serem retratados como os antagonistas (e até existem adaptações que invertem esses papéis, como o mangá “Souten Kouro”, que dá o protagonismo para o Cao Cao). Não nos esqueçamos de que descobertas arqueológicas, como quaisquer outras descobertas científicas, estão sujeitas a atualizações que às vezes podem ir de conflito a informações anteriormente já estabelecidas.

Sabendo disso, acho importante pontuar que a caracterização de alguns personagens da história real pode ser meio propositalmente exagerada no livro, que deve ser encarado como um romance literário, e não um material 100% fidedigno aos eventos reais, por mais que seja profundamente baseado neles e siga a maioria deles fielmente. Alguns historiadores costumam dizer que o Romance dos Três Reinos é uns 70% história e 30% ficção. Um bom exemplo disso é o personagem Lu Bu, que na ficção costuma ser retratado como um dos combatentes mais poderosos que a humanidade já conheceu, capaz de, sozinho, dizimar exércitos de centenas de inimigos enquanto montava seu lendário e imponente cavalo chamado “Lebre Vermelha”… mas na vida real ele não era tão fodão assim e nem empunhava uma lança enorme, mas era conhecido por ser um ótimo arqueiro. Alguns dos estratagemas mais loucos do Zhuge Liang que são cenas favoritas de muitos também são ficção, por mais que o Zhuge Liang da vida real também fosse um bom estrategista e administrador.

Lu Bu, como costuma ser retradado na ficção: um cara durão que se der uma balançadinha de leve nessa lança aí já mata uns 20 caras de uma vez só no campo de batalha.

Em outras palavras e termos esdrúxulos, dá pra dizermos que o Romance dos Três Reinos é praticamente uma enorme fanfic da Era dos Três Reinos, talvez a fanfic história mais elaborada e influente de todos os tempos… e isso não diminui em absolutamente nada o seu valor artístico!

Apesar de, a princípio, recontar os eventos históricos, a ficção tomou várias liberdades artísticas, especialmente na caracterização de seus personagens, para tornar a leitura mais engajante, empolgante e adicionar um pouco de tensão, já que estamos falando de uma obra literária agora, e não de registros históricos reais. Porém, a história contada no livro ficou tão popular que arrisco dizer que as figuras do livro se tornaram até mais lembradas que as da vida real, com o passar dos séculos, e não é exatamente raro confundirem os eventos fictícios do livro com os acontecimentos reais, já que os registros históricos dessa época podem ser meio vagos e sem maiores detalhes.

O impacto do livro

Estátuas de alguns dos personagens centrais do livro. Da esquerda para a direita: Zhao Yun, Zhang Fei, Liu Bei, Guan Yu e Zhuge Liang.

Não é nenhum exagero dizer que o Romance dos Três Reinos é um dos livros mais importantes e influentes da história da literatura mundial.

Apesar de não ser tão difundido no Ocidente, no Leste Asiático ele possui uma influência comparável à de coisas como os trabalhos de Shakespeare, as histórias sobre Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda ou, me permitindo um pouco de exagero aqui, até a algo como a Bíblia. Além da China, a história já virou conhecimento popular em alguns dos países vizinhos, sobretudo Vietnã, Coreia e Japão. Inclusive, no Japão, um dos primeiro livros estrangeiros a ser traduzido para o japonês foi justamente o RdtR, em algum momento do século XVII, onde se tornou um história bem popular entre as massas.

O livro fez tanto sucesso que, graças a ele, é comum que as pessoas se lembrem mais das versões fictícias de seus personagens do que das figuras históricas reais, e várias das representações visuais que vemos desses personagens até hoje em diversas obras de ficção, são derivadas de suas versões literárias na maioria das vezes, mesmo passado alguns séculos desde sua publicação.

O livro imortalizou os personagens num ponto de que existem até estátuas de alguns deles por aí, como por exemplo uma estátua do Guan Yu, um dos mais fiéis generais de Liu Bei e frequentemente retratado como um dos guerreiros mais poderosos e justos de seu tempo. Essa estátua fica em Jingzhou, na província de Hubei, na China, e mede impressionantes 58 metros de altura, pesando mais de 1000 toneladas, feita de bronze. Não só na China, mas em outros cantos da Ásia dá pra encontrar templos e estátuas dedicados a essas figuras.

A estátua do Guan Yu que fica em Jingzhou. Olha só o tamanho dessa porra, cara!

Tal qual dizem que uma boa parte dos asiáticos possuem genes do Genghis Khan dentro de si, podemos dizer que uma quantidade enorme de produtos de ficção feitos na Ásia tiveram influência desse livro, especialmente histórias de guerras ou intrigas políticas. Um exemplo famoso é “Legend of the Galactic Heroes” (“Ginga Eiyuu Densetsu”, em seu título original em japonês), originalmente uma série japonesa de livros escrita por Tanaka Yoshiki e mais conhecida no ocidente por sua adaptação animada para o mercado de homevideo durante os anos 90. Apesar da ambientação de ficção científica, a história é PESADAMENTE influenciada pelo Romance dos Três Reinos, tendo várias semelhanças bem nítidas, e o próprio autor já confirmou que o clássico chinês foi uma de suas principais inspirações.

Muito da ficção histórica produzida na Ásia tem alguma coisinha do RdTR (e de literatura clássica chinesa num geral) em seu DNA, tá no sangue já, da mesma forma que podemos encontrar resquícios de Shakespeare na ficção ocidental até hoje.

Desenho japonês em xilogravura de Tsukioka Yoshitoshi (1839–1892), de 1883, retratando uma cena do livro, onde Liu Bei e seus aliados vão até Zhuge Liang, no inverno, para recrutá-lo para ser seu estrategista.

E, como é de se esperar de um trabalho tão influente e importante como esse, existe uma infinidade de adaptações para os mais variados formatos de mídia. Temos “versões-resumo” do livro, uma penca de filmes, séries de TV, animações, peças de teatro, jogos de videogame, quadrinhos e tudo mais que o possa imaginar. Há opções para os mais variados gostos.

Se você, depois de ler toda essa introdução que eu apresentei aqui, pensou “puts, isso parece muito interessante, como faz pra entrar nesse buraco aí?”, hoje é o seu dia de sorte, pois a próxima sessão é justamente o motivo de esse texto existir.

(e também tem o fato de eu achar um absurdo existir tão pouco material em português sobre esse assunto na internet).

Como cair dentro do Romance dos Três Reinos?

Existem algumas opções, graças às várias adaptações. Tem em vários formatos e vários meios de dar uma beliscadinha que seja nesse conteúdo, pra variados gostos. São muitas adaptações e eu não vi/li/conferi todas que existem, então vou me focar em apresentar brevemente as mais famosas ou acessíveis e falar um pouquinho de cada uma, e seus prós e contras.

… só vou precisar que vocês saibam inglês, porque infelizmente a maioria delas está nesse idioma, já que não possuem muitas traduções para o português.

Vamos começar, claro, pela mais óbvia…

O livro original

Algumas das várias publicações em inglês do livro

Vou começar já jogando na roda que essa pode não ser a versão mais acessível ou a mais convidativa hoje em dia.

É um livro de mais de 500 anos atrás, gigantesco, e com escrita “arcaica”, então pode ser meio difícil de digerir e lê-lo confortavelmente, especialmente na falta de hábito com literatura tão antiga assim. Não espere terminá-lo em uma semana ou duas, ou talvez até em um mês, pois é uma história que pode te exigir paciência. Mas apesar disso, pra quem quiser conhecer a história em seu estado mais “puro” e está acostumado com literatura clássica, talvez seja a opção ideal.

Até existem algumas versões resumidas (“abridged”, em inglês) dele, e outras coleções divididas em volumes, dado o tamanho da história.

Existem algumas traduções diferentes do livro para o inglês. Uma das mais famosas, e certamente a mais fácil de conseguir, é de autoria de Charles Henry Brewitt-Taylor, por ter sido uma das primeiras, lançada em 1925. Ela pode ser comprada na Amazon em formato digital ou lida online de forma gratuita, no site Threekingdoms.com.

Também existe a versão do Moss Roberts, lançada mais recentemente. Essa versão possui uma prosa mais menos “seca” e acompanha várias notas de rodapé, com mapas e explicações que dão ainda mais contexto pros eventos da história e seus personagens, então se você conseguir e tiver a oportunidade de pôr suas mãos nessa versão, vá sem medo, apesar de a antiga servir também. Essa do Moss Roberts é frequentemente considerada a melhor tradução pro inglês desse livro, e por bons motivos. Só cuidado pra não se esbarrar com a versão abridged dela por aí sem querer, caso isso não te interesse. Existem outras traduções mas acho que essas duas são as mais notáveis.

Infelizmente não existem traduções do livro para o português, pelo menos não por completo. Dando uma passeada no Google encontrei uma tradução dos primeiros 14 capítulos do livro para o português, feita por Diego Aurélio Cotrim Ramires, que pode ser lida e baixada em pdf aqui. Eu sei que existem traduções pro espanhol e francês, mas não sei muito sobre elas ou se há versões em outros idiomas.

Se souberem de mais versões, sintam-se livres para comentar e me avisar.

+ Prós: Puristas de plantão, essa aqui é A VERSÃO pra vocês; O original é o original, pode ser uma ótima leitura para momentos rotineiros rápidos.

- Contras: Dada a natureza “seca” da prosa e a quantidade absurda de personagens e eventos militares e políticos, pode ser uma leitura meio pesada;

Agora, vamos falar de algumas das adaptações. Não estou aqui para julgar qual é melhor ou pior, e sim apresentá-las, e eu quero começar por uma bem especial…

“Sangokushi”, por Yokoyama Mitsuteru (quadrinho)

Se gosta de mangás e quer já mergulhar na “carne” da história tendo uma experiência mais ou menos próxima da leitura do livro, essa aqui pode ser a opção pra você!

Sangokushi”¹ é uma adaptação japonesa dessa história para quadrinhos, de autoria de Yokoyama Mitsuteru, que foi publicada entre 1971 a 1987 e lançada em 60 volumes. É uma das adaptações mais famosas e esse mangá foi o principal responsável pelo revival do interesse pelo Romance dos Três Reinos na cultura pop japonesa, que dura até hoje firme e forte. Foi bem popular e influente durante sua publicação e vendeu impressionantes mais de 80 milhões de cópias.

¹“Sangokushi” é o nome japonês do livro (veio do chinês “Sanguozhi”, nome normalmente usado pra se referir ao “Registro dos Três Reinos”, enquanto o romance normalmente é referido como “Sanguo Yanyi” em seu idioma original).

Dá pra fazer todo um texto à parte sobre o background da publicação desse mangá e o impacto que ele teve, mas ele tem uma particularidade bem interessante que a maioria das adaptações não tem…

O excêntrico e genial Zhuge Liang “Kongming”, estrategista de Liu Bei, na versão de Yokoyama.

Ao produzí-lo, Yokoyama usou como referência, além do romance original, a versão escrita por Yoshikawa Eiji, lançada entre 1939 e 1943. Familiarizados com literatura japonesa talvez reconheçam o nome dele por ser o autor de “Musashi”, o famoso livro que dramatiza a vida do lendário samurai errante Miyamoto Musashi. A versão do RdTR de Yoshikawa tinha a particularidade de misturar elementos tanto do romance original, bem como também do próprio “Registro dos Três Reinos”, o documento que descreve a história como supostamente aconteceu na vida real. Com isso, essa característica também acaba passando para o mangá de Yokoyama.

O mangá é uma leitura bem tranquila e suave, apesar de ser bem detalhado. Yokoyama costuma ter um jeito um pouco “seco” de apresentar suas histórias, então ele a apresenta de forma bem simples, sem poupar detalhes, mas mesmo assim indo direto ao que interessa, de forma bem fácil de absorver e acompanhar, além de entreter muito bem. Para quem não quer ler o livro original ou não conseguir aguentar, mas ainda quiser leitura como porta de entrada, acho que esse mangá é a porta de entrada mais acessível para uma versão mais “completa” da história. Ele adapta o livro quase inteiro, deixando apenas os dois capítulos finais dele de fora (e dando uma resumida no conteúdo dos últimos 14 ou 15 capítulos, que são praticamente um grande epílogo).

A cena do juramento de irmandade no jardim de pêssegos nessa versão.

Existem traduções amadoras dele inteiro para o inglês que podem ser facilmente encontradas por aí. Em português, no momento da publicação desse texto, está sendo lançada uma tradução desse mangá no Shin Sekai Scans, que já passou dos primeiros 20 volumes. A tradução é do meu amigo Symon, e eu faço alguns materiais complementares para a leitura, como mapas, memorandos de alguns personagens e uma linha do tempo com alguns eventos importantes que já aconteceram até então marcadas.

Esse mangá ganhou uma adaptação para anime na TV em 1991 com 47 episódios. Essa versão animada vai até mais ou menos um pouco antes da metade da história do livro, se encerrando na “Batalha dos Penhascos Vermelhos”, que é um dos eventos mais marcantes do livro e um divisor de águas na história dele (acontece mais ou menos no volume 27 do mangá). Existem legendas em inglês por aí da série toda, se procurar um pouquinho. Até no Youtube já postaram.

Existem muitas outras adaptações para quadrinhos, mas essa aqui é certamente a mais famosa.

+ Prós: Passa a história de forma bem fácil de absorver; Yokoyama consegue fazer os personagens serem bem expressivos; As misturas com elementos da versão do Yoshikawa Eiji podem ser bem interessantes.

- Contras: Leitores esperando cenas de batalhas épicas com grandes espetáculos visuais podem se frustrar; A adaptação não cobre os dois capítulos finais com a reunificação da China pela dinastia Jin, caso isso lhe seja um problema.

MENÇÃO HONROSA: Entre os vários outros quadrinhos inspirados ou adaptados dessa história, uma outra bem conhecida que vale uma menção honrosa aqui é “The Ravages of Time”, publicada em Hong Kong por Chan Mou. A série está em publicação desde 2001 e atualmente conta com mais de 70 volumes encadernados e se destaca pelos desenhos bem detalhados e realistas e também pela história ser contada pela perspectiva do clã do Sima Yi, um personagem que é bem relevante na segunda metade do livro. Não li muito dessa versão, mas já me falaram muito bem dela, então se, por algum motivo, a versão do Yokoyama não funcionar para você, tem essa outra opção também.

“The Ravages of Time”, por Chan Mou

“Romance dos Três Reinos”, de 1994 (série de TV)

Que tal uma versão chinesa agora? E audiovisual ainda por cima!

Junto com o mangá do Yokoyama, arrisco dizer que essa aqui deve ser a mais famosa de todas. Foi exibida na TV chinesa em 1994 e teve um total de 84 episódios de mais ou menos uns 40 ou 50 minutos cada um.

Se você quer a versão audiovisual mais fiel aos detalhes do livro, adaptando a história na íntegra do começo ao fim, essa aqui provavelmente é a sua melhor escolha, já que ela é uma das poucas adaptações que realmente seguiu até o final da história do livro, sem resumir os capítulos finais ou deixá-los de fora igual a maioria das adaptações fazem.

Considerada uma das melhores novelas de época da história da TV chinesa até hoje, a série de 1994 foi um estouro de popularidade, sendo basicamente uma superprodução (pros padrões da época) para TV que cativou milhares de famílias chinesas que assistiam juntos essa série na TV. Pergunte a alguém de ascendência chinesa sobre o Romance dos Três Reinos que tenha vivido os anos 90 e é bem provável que ele tenha boas memórias com essa série.

Os pontos fortes dela é que essa é bastante fiel ao livro original, e adapta ele praticamente inteiro. Foi a primeira tentativa de se adaptar a história completa na TV, e eles conseguiram. Algumas coisas nela que podem não ser tão atrativas é que a qualidade da imagem disponível não é das melhores, já que nessa época na China não tinha muita preocupação em preservar algumas mídias devidamente. As cenas de luta podem ser meio “cruas” pra quem estiver esperando algo não tão “baixo-orçamento”, mas acho que passam bem porque a direção e a cinematografia da coisa toda compensa BASTANTE. Houve muito esforço em fazer uma boa série aqui.

Só tem um probleminha, por enquanto… ainda não tem legendas em inglês completas da série, porém isso está sendo resolvido pelo fansub Gentlemen of the Han, que está num projeto de lançar a série toda em inglês, e até o momento já lançaram os primeiros 31 episódios. Então se quiser acompanhar os lançamentos com eles, acho uma boa. Desses, os primeiros 23 episódios meio que já correspondem à primeira “temporada” da série (foram cinco, no total).

+ Prós: Essa é possivelmente a versão audiovisual mais fiel dessa história. As cenas musicais são muito bonitas. Os figurinos e direção artística são bem historicamente fiéis ao que existia na China da Dinastia Han.

- Contras: O “jeitão de novela” da série pode não agradar a todos. A qualidade da imagem disponível não é das melhores o tempo todo.

“Three Kingdoms”, de 2010 (série de TV)

Essa aqui já é um tantinho mais recente e pode agradar quem não for tão preciosista com o conteúdo do livro original ou não se acostumar com o jeitão da série de 1994 ou com o mangá… e tiver esperando algo mais “Game of Thrones”-zesco.

Three Kingdoms” foi uma série bem popular e ganhou notoriedade por ter sido a série de TV mais cara já produzida na China até seu lançamento, com um orçamento de mais de 30 milhões de dólares e chegou a ser exportada para vários outros países, majoritariamente pela Ásia, e teve um total de 95 episódios, de mais ou menos 45 minutos de duração cada um.

A produção parece bem mais “sofisticada” em questão de orçamento, cenas de ação e efeitos especiais mais bem elaborados (bom, é uma série de quase 20 anos depois da outra, né…), então pra quem tiver procurando mais ação ou mais “epicidade”, essa aqui pode agradar. Pelo que eu vejo por aí, essa não costuma agradar os fãs mais puristas da história do livro por conta das liberdades artísticas que ela toma com o desenvolvimento e abordagem de alguns personagens, mas a rigor, num geral o que há de mais importante se mantém preservado aqui.

O público chinês num geral costuma preferir a série de 1994, mas vejo algumas pessoas preferirem essa de 2010, especialmente não-chineses ou quem prefere assistir uma produção mais moderna. Já conheci pessoas que tiveram essa aqui como a porta de entrada delas para a história, e funcionou muito bem. Qual das duas é melhor? Aí já vai de gosto.

Em questão de “o quanto da história ela adapta?”, é algo em torno de uns 80%. A série de 1994 é mais “completa” nesse aspecto, mas até aí a maioria das adaptações costumam parar nesse mesmo ponto. Essa aqui usa o conteúdo de mais ou menos o capítulo 104 ou 105 do livro e se encerra ali.

A grande vantagem dessa série em relação à de 1994, além do orçamento e da produção que pode ser mais atrativa a alguns gostos, é que você pode encontrá-la completamente legendada em inglês por aí com certa facilidade. Baixar torrent diretamente com o pessoal do fansub é uma opção, ou até mesmo assistir no Youtube pois de vez em quando upam a série completa lá com legendas em inglês.

Infelizmente não sei de legendas em português sobre essa ou sobre a outra série, então se elas surgirem ou estiverem em algum canto que não achei, digam nos comentários par aque eu possa atualizar a postagem depois, caso lembrar.

+ Prós: As cenas de batalhas são bem caprichadas. Pode ser bem chamativo pra espectadores que preferem produções mais recentes.

- Contras: A direção visual não é tão “vibrante” quanto a da série de 1994, então às vezes podem ter cenas “cinzentas sem-vida” demais. A escrita dos diálogos pode parecer enrolada às vezes. Talvez não seja a melhor opção para quem quer uma versão mais purista.

Trilogia de filmes animados “Sangokushi” (1992–1994)

Pôster do terceiro filme da trilogia

Você quer uma versão mais próxima da história original dos livros em formato audiovisual mas não está com energia pra encarar a série de TV de 1994 ou queria isso em forma de animação mas a adaptação do mangá do Yokoyama não te desceu como gostaria? Então essa aqui talvez seja uma opção interessante.

Esses filmes foram produzidos pela famosa Toei Animation nos anos 90, dirigidos por Katsumata Tomoharu (que tem em seu currículo o famoso filme de 1982 do Capitão Harlock “Waga no Seishun Arcadia”, uns dois filmes de Yamato e algumas séries de TV da Toei nos anos 70 e 80), e possuem uma trilha sonora excelente composta pelo Yokoyama Seiji (que fez trilhas para Saint Seiya, Harlock e Metalder, entre outras coisas)!

Não costumam falar muito desses filmes se comparado às outras adaptações, mas eu pessoalmente acho que são uma boa adaptação de uns 80% do livro (eles param no mesmo ponto que a série de TV de 2010 se encerra, o capítulo 104). Obviamente não tem como botar todos os detalhes, mas acho que boa parte dos eventos mais importantes estão lá.

E aí vem o ponto fraco desses filmes: o ritmo deles pode parecer meio acelerado demais. Cada um tem mais ou menos umas 2h20min de duração, mas eles são bem carregados e a história tá andando literalmente o tempo todo. Se você não estiver prestando muita atenção enquanto assiste, pode ser meio fácil se perder, caso já não tenha familiaridade com a história original. Caso isso não seja um problema pra você, então pode ser uma ótima opção. Eu diria que ter esses filmes como sua primeira experiência com o Romance dos Três Reinos seria algo comparável a assistir a trilogia de filmes do Gundam original como o seu primeiro contato com Gundam.

Pra achá-los por aí, procure por “Sangokushi”. O fansub Orphan os lançou legendados em inglês em excelente qualidade. Para facilitar o trabalho de vocês, o título dos filmes em japonês são:

IMPORTANTE: Cuidado pra não confundir esses filmes com uma duologia de filmes animados japoneses que foi feita nos anos 80. Essa duologia também se chama “Sangokushi”, mas os filmes se chamam apenas “Sangokushi” e “Sangokushi 2” e são bem diferentes da trilogia da Toei.

+ Prós: direção visual muito refinada e momentos com animação genuinamente excelente. Trilha sonora sensacional. Consegue comprimir muitos dos eventos mais importantes do livro e fazer a história funcionar com a força que esse formato permite.

- Contras: o ritmo pode ser rápido demais pra condensar tanta informação, o que pode deixar espectadores mais casuais ou que não estejam prestando tanta atenção aos filmes, meio perdidos. E por causa disso, alguns momentos desse filme podem passar um ar de “cara de documentário” só que em forma de animação.

Duologia de filmes animados “Sangokushi” (1985–1986)

E bom, já que eu acabei de mencionar a existência disso há algumas linhas atrás, acho que vale a pena falar um pouquinho dessa versão também. Eu poderia facilmente ignorar essa versão, mas acho que vale a pena explicar um pouco sobre ela pra não deixar dúvida no ar.

Essa aqui é outra adaptação japonesa da história (e acho que à essa altura você já deve ter percebido que a Ásia inteira gosta dessa história) e é pra quem quer uma versão um pouco mais simples de um pedaço da história e não se incomoda de ter algumas liberdades poéticas, mas quer conhecer um pouquinho de alguns personagens centrais da história original.

Dito isso, essa versão pula muito da introdução da história geral do livro e já começa meio direto na ação, no que seria mais ou menos capítulo 30-e-algo do livro, com Liu Bei e Cao Cao já estabelecidos como grandes inimigos um do outro e focará sua narrativa majoritariamente nisso. O primeiro filme se encerra com a Batalha dos Penhascos Vermelhos, uma das passagens mais famosas do livro. O segundo filme continua a partir daí, com várias alterações na história original e se encerra com uma versão bem alternativa de eventos dos capítulos 80-e-algo. Na real esses filmes mudam tanto a história que é até meio difícil traçar o quanto dela que cobrem.

Apesar das várias liberdades poéticas que esses dois filmes tomam (especialmente o segundo), muitos elementos de eventos da história dos livros ainda estão presentes aqui e a caracterização da maioria dos personagens é consideravelmente fiel, apesar de coisas como… um Cao Cao loiro, por exemplo (que inclusive se deram o trabalho de trazer uma explicação pra isso no filme além de “ele é um personagem de anime então vamos botar um cabelo colorido nele”… coisa que totalmente não existe na história original). Temos também uma personagem original chamada “Li Hua”, e os personagens parecem bem mais jovens do que eles de fato eram nas passagens do livro que esse filme adapta.

Não é uma adaptação lá muito fiel e nem parece muito interessada nisso, apesar de ela ainda ser bem permeada de elementos e acontecimentos do livro, que acabam rolando de maneiras bem diferentes (exemplo: Personagem X morre nas duas versões, mas a forma como isso acontece é diferente), mas pra quem quiser sentir um gostinho com uma versão bem simplificada de vários eventos e personagens, talvez seja uma versão atrativa. Ou mesmo pra quem já conheça a história e quiser ver uma versão bem diferente.

+ Prós: É bonitinho visualmente. Trilha sonora bacaninha. Algumas das liberdades criativas podem ser interessantes pra quem já conhece a história. É uma versão bem simplificada que pode agradar iniciantes que não fazem muita questão de algo fiel ao original.

- Contras: Algumas das liberdades criativas são meio esquisitas, tornando algumas cenas quase cômicas em relação aos eventos do livro ou das adaptações mais fiéis. O clímax do segundo filme pode não ser lá muito satisfatório. A breguice exarcebada pode não agradar a todos.

“Red Cliff” (2008, filme)

Agora vamos voltar um pouquinho pras adaptações chinesas. Se você queria uma versão em forma de filme blockbuster, finalmente chegou o seu momento, tem opção pra você também!

Red Cliff” é uma versão cinematográfica adaptando um dos trechos mais badalados de todo o livro: a “Batalha dos Penhascos Vermelhos”*. Esses eventos se passam mais ou menos do capítulo 40 até o 50 do livro.

*sim, eu sei, você já viu esse nome mais algumas vezes nesse texto, mas isso é o quão impactante é esse evento da história. É um dos maiores pontos de virada na história do livro afinal (e foi uma das maiores reviravoltas na história real durante essa era também).

Mas enfim, voltando a fita aqui rapidinho, isso foi um filme enorme lançado em duas partes (ou seja, na prática são dois filmes) em 2008 e 2009, cada uma com mais ou menos 2h20 de duração, dirigidos pelo famoso John Woo, conhecido por ser um dos diretores de filmes de ação mais famosos de Hong Kong. Existe uma versão resumida que edita cenas dos dois filmes pra formar uma coisa só, com 2h28 de duração, feita pra ser lançada no Ocidente, mas… ei, você não quer uma versão capada que corta vários detalhes importantes, né? ……. Ou quer?

Enfim, esses filmes adaptam todo o contexto por trás da Batalha dos Penhascos Vermelhos, tomando várias liberdades criativas aqui e ali pra tornar tudo bem blockbuster-friendly, claro, mas ainda assim o espírito da coisa tá bem forte em toda a direção, as filmagens, a atuação. São filmes com força o suficiente pra até impressionar quem não está muito acostumado com cinema oriental. Se seguram tanto como adaptação do RdTR quanto como bons filmes épicos de guerra.

Por adaptar um trecho lá do meio do livro, no começo pode dar a sensação de “pegar o bonde andando” pra quem não é iniciado, já que o filme começa logo no meio de uma baita batalha com muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, mas acho que o filme toma um bom tempo pra se focar em apresentar os personagens e temas que serão mais importantes (aqui, o foco é Zhuge Liang e Zhou Yu unindo forças contra Cao Cao) pra narrativa específica do filme, então funciona com quem não conhece a história de antemão também. Acho que o resuminho histórico que eu dei lá atrás já te ajuda a não ficar muito perdido.

… e nisso aquela versão ocidental editada cortada que eu mencionei ganha um pontinho positivo, porque nela mostra um letreiro apresentando o nome e o cargo dos personagens importantes quando aparecem na tela pela primeira vez, pra ajudar os espectadores ocidentais, que provavelmente não têm familiaridade com a história, a se contextualizarem.

Diferente da maioria dos itens recomendados nesse post, esses filmes podem ser encontrados com legendas em português por aí se você souber usar direitinho o Google ao seu favor. Curiosamente, esse filme também recebeu até uma dublagem em português e foi lançado por aqui no Brasil como “A Batalha dos Três Reinos” em DVD, e isso seria muito legal se não fosse por um detalhe bem infeliz: a versão que foi dublada é a versão re-editada que capa os dois filmes em um só. Ou seja, se quiser ver a versão “extendida”, nada de dublagem, infelizmente.

Se você quer experienciar um trecho dessa história em forma de cinema Blockbuster de Hong Kong, “Red Cliff” talvez seja a opção pra você.

+ Prós: Cenas de batalha bem impressionantes, excelente elenco, trilha sonora caprichadíssima, orçamento de blockbuster hollywoodiano. Algumas liberdades criativas são interessantes (porém outras nem tanto).

- Contras: Esses filmes são bem longos, então podem ser meio cansativos. A falta de contextualização no começo pode deixar alguns iniciantes meio perdidos quanto a alguns detalhes.

Dynasty Warriors (série de jogos de videogame)

Como muitos temas históricos, a Era dos Três Reinos recebeu uma porrada de jogos de videogame sobre isso também. E arrisco dizer até que esse costuma ser o primeiro contato da maioria dos ocidentais com essa história.

Tem jogos dos Três Reinos pra vários gostos, mas acho que os mais comuns são os de estratégia, como a série “Romance of the Three Kingdoms” da Koei Tecmo, que começou a ser lançada em 1985 para os computadores e consoles da época, e já está no seu décimo quarto jogo, lançado em 2020 para as plataformas atuais. A franquia de estratégia em tempo real “Total War” já teve o seu jogo sobre isso, “Total War: Three Kingdoms”, lançado em 2019 pra PC.

Também há “Dynasty Wars” e “Warriors of Fate” (“Tenchi wo Kurau” e “Tenchi wo Kurau II”, em seus títulos japoneses), originalmente lançados pela Capcom nos anos 90 para os fliperamas, que são beat’ em ups que usam designs do mangá “Tenchi wo Kurau”, um mangá de Motomiya Hiroshi, bem popular nos anos 80 na Shonen Jump, que é uma adaptação de elementos do Romance pra formar uma história própria. Vale dizer que a versão ocidental do segundo jogo alterou os nomes de todos os personagens e locais da China dos Três Reinos para nomes mongóis por sei lá qual motivo (o Cao Cao virou “Akkila-Orkhan”, pra vocês terem ideia).

Existem muitos outros jogos, mas quero focar a atenção desse texto pra uma franquia em específico, que é sem dúvida nenhuma o exemplo mais famoso de jogos baseados nessa história: franquia “Dynasty Warriors”, da Koei. Esses jogos são lançados desde 1997 e já saíram em inúmeras plataformas e já tiveram trocentos spin-offs e atualizações.

Esses jogos são (tirando o primeiro, que é um jogo de luta tradicional), num geral, jogos de ação hack and slash, mais especificamente uma variação popularmente conhecida como “musou” onde você controla um personagem que vai massacrando uma horda de centenas de inimigos no campo de batalha enquanto conquista novos territórios e cumpre as missões que lhe são dadas enquanto desfere os golpes mais estilosos possíveis, alguns parecendo que saíram de um filme de wuxia, e com encarnações ainda mais exageradas dos personagens que vemos no livro, que já são versões exageradas e glorificadas de figuras históricas reais.

Esses jogos não costumam ser muito pesados em narrativa, então quase qualquer um pode servir. Eu particularmente recomendo com força Dynasty Warriors 8, que gosto bastante e acho um bom ponto de entrada bem atrativo, mas os jogos de PS2 podem ser uma boa sugestão também. Esses jogos costumam trazer recriações de várias cenas icônicas do livro e há toda uma infinidade de personagens selecionáveis. Dynasty Warriors 9, o último lançado, possui mais de 90 personagens jogáveis, por exemplo.

Aliás, se vale a menção, em 2021 saiu um filme de Dynasty Warriors adaptando o jeitão dos jogos recontando um pequeno trecho dos primeiros arcos do livro. Esse filme pode ser facilmente assistido no Netflix, na data da postagem desse texto.

+ Prós: Esses jogos costumam ser bem simples e agradáveis de jogar, mesmo pra quem não é muito habilidoso com jogos de ação. Apesar de algumas liberdades poéticas, a caracterização dos personagens é bem marcante e, num geral, fiel ao que normalmente vemos no livro e na maioria das adaptações. Tem muitas opções de títulos diferentes pra tentar, e jogar multiplayer com um amigo pode ser legal.

- Contras: O combate pode ser muito repetitivo pra quem procura algo mais complexo. Alguns jogos não são tão bons. Esse tipo de jogo de ação não é do agrado de todos. Quem está procurando storytelling nesses jogos pode se frustrar.

Romance of Three Kingdoms Podcast (Podcast)

Você está com a sua compreensão auditiva de inglês em dia e curte podcasts? Pois tenho algo que possa te interessar!

Conheçam o “Romance of the Three Kingdoms Podcast”, um podcast que, como o nome sugere, é justamente sobre essa história. E não, não é “um papo de bar” sobre o Romance ou de gente discutindo se quem estava certo era o Liu Bei ou o Cao Cao ou algo do tipo, é melhor!

O programa é apresentado por John Zhu, nascido e crescido na China e atualmente jornalista nos EUA, e trata-se de uma versão recontando a história TODA em formato de podcast. Não é bem um audiobook, caso esteja se perguntando, mas John tem bastante familiaridade com o livro desde a infância e começou esse projeto para levar a história de uma forma mais acessível para novos públicos, e decidiu fazer isso na forma de podcast.

Durante mais de 150 episódios de mais ou menos meia hora cada, nosso apresentadou narra em detalhes a história do clássico, nos contando ela como se fossem histórias contadas pelos nossos pais quando éramos crianças (e provavelmente como foi contada para ele também). Além da narração, no site do podcast há vários materiais complementares, desde transcrições do conteúdo dos episódios até mapas dos eventos de cada episódio, linhas do tempo, tabelas com informações extras e muito mais.

Além dos episódios da história do romance, também há programas extras com curiosidades e mais informações complementares, e até mesmo comparações entre o romance e a história real. É uma alternativa bem completa pra quem curte acompanhar histórias por áudio.

Você pode ouvir o podcast no site oficial, no Spotify, no Audible, no Google Podcasts, no Youtube, no Apple podcasts, e mais algumas outras plataformas, provavelmente. Imagino que seja bem difícil algum app de podcast que você use não ter.

E BÔNUS não-diretamente relacionado ao tema desse post, mas que acho que vale a pena citar: além desse podcast, o John também terminou recentemente um segundo projeto, o “Water Margin Podcast”, que funciona na mesma pegada, só que é uma recontagem de outro dos 4 grandes clássicos da literatura chinesa: o “Margem da Água”. Então se você gostar e ouvir tudo e ainda quiser mais, tem outra obra bem diferente, e quase tão historicamente importante quanto, depois!

+ Prós: Pra quem consegue ser multitarefa de ouvir enquanto faz alguma outra coisa, pode ser bem convidativo. Adapta a história até o final. Os episódios extras possuem várias curiosidades históricas bem interessantes. O site tem ainda mais material de apoio que é bem legal.

- Contras: pra quem não está acostumado com nomes chineses, pode ser meio difícil de se habituar no começo.

Considerações finais

Esse aí do leque de penas, o Zhuge Liang (meu personagem favorito, inclusive), sou eu depois de mostrar essa coisa toda que vocês acabaram de ler

Bom, tem Romance dos Três Reinos pra todos os gostos, existem várias outras versões e adaptações, mas acho que com essas que eu comentei e citei já dá pra começar a brincar (eu falei de mais de dez aqui, pô!), porque imagino que são as mais convidativas para iniciantes interessados… e porque são as que eu conheço melhor. Existem outras, e até algumas histórias totalmente à parte que trazem elementos do romance chinês e seus personagens como base para reimaginar e fazer algo novo (oi, “Ikkitousen” e “Legend Hero Samgugjeon, estou falando de vocês mesmo…), mas preferi focar a minha atenção em adaptações mais diretas da história.

Só há a infelicidade de a maioria delas não terem tradução pra português (mas pelo menos tem em inglês, o que já ajuda muita coisa), mas espero que isso se resolva algum dia e se houverem novas traduções, pretendo atualizar isso aqui tomara que eu me lembre de fazer isso.

Meu objetivo aqui é ao menos apresentar e esclarecer o básico sobre esse livro de 500 anos atrás que foi muito mais influente na cultura popular do que normalmente assumimos que foi, especialmente na Ásia, mas se te convenci a adentrar no universo dessa história, imagino que meu trabalho aqui já foi feito. Acho até muito estranho que tenha tão pouco material informativo em português sobre esse assunto na internet, ainda mais considerando que é um livro tão importante e influente. Quem sabe um dia não publicam por aqui, já que até arriscaram publicar versões de “Jornada ao Oeste” por aqui uns bons anos atrás, embora nunca tenha sindo na íntegra.

“O império, há muito dividido, deve se unir; há muito tempo unido, deve se dividir.”

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Nintakun

Aspirante a piadista de meia-tigela e nas horas vagas entusiasta de videogame, quadrinhos, e iguarias nipônicas num geral (principalmente mangá/anime/tokusatsu)