“Seikimatsu Leader Den Takeshi”, o líder pré-Toriko

Nintakun
21 min readJan 31, 2022

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Se você acompanha a Shonen Jump nos últimos 15 anos, é super provável que o nome “Toriko” lhe seja bem familiar. Toriko é um mangá que foi publicado entre 2008 a 2016, de autoria de Shimabukuro Mitsutoshi, compilado em 43 volumes encadernados e que fez um sucesso moderadamente alto, e era sobre um caçador super musculoso que caçava ingredientes raros pelo mundo todo pra poder criar o seu menu gourmet perfeito, e no processo ele costumava lutar contra uns bichos super estranhos e, ocasionalmente contra outros caçadores e em suas aventuras ele estava sempre acompanhado de seu parceiro, um jovem cozinheiro muito talentoso que sempre preparava esses ingredientes que ele capturava.

Sinto que hoje em dia não se lembram tanto mais de Toriko, mas na época que estava em lançamento, a série tinha uma popularidade considerável e chegou a ter um anime pra TV feito pela Toei que durou a impressionante marca de 147 epsódios em exibição contínua, o que é algo meio raro de uns anos pra cá.

Minha opinião sobre Toriko? Bom, gosto muito! É provavelmente um dos meus mangás favoritos da Jump dos anos 2000 pra cá, e na época que eu ainda lia a revista semanalmente, era uma das séries que eu mais aguardava ansiosamente um capítulo novo, junto com One Piece e, sei lá, Medaka Box e Bakuman… sim, gostava bastante desses dois últimos também, embora ache que Bakuman tenha degringolado legal da metade pro final, ma- Calma aí, Isso não vem ao caso agora! Às vezes sinto saudades dessa época que eu lia a Jump toda semana, mas hoje em dia não tenho mais pique pra isso não e prefiro esperar acumular os capítulos pra ler os volumes fechados no meu próprio ritmo depois.

Bom, voltando ao Toriko, a série fez bastante sucesso e chegou a ser um dos títulos mais populares da revista durante a sua publicação, ali entre os 5 primeiros com certo conforto. Porém, acho que vale dizer que Shimabukuro Mitsutoshi, o autor da série, não era nenhum novato e já tinha certa experiência antes de começar essa série, e isso me leva à série anterior dele na Jump, que é o assunto desse texto: “Seikimatsu Leader Den Takeshi” (em tradução livre “A Lenda do Líder do Fim do Século: Takeshi”)

Um Líder entre líderes

Apesar de praticamente desconhecido fora do Japão, ‘Takeshi’ é um mangá bem especial. A série começou a ser publicada em julho de 1997 nas páginas da Jump (e, curiosamente, na edição da semana seguinte da estreia dele, um mangázinho aí chamado “ONE PIECE” iria estrear. Acho que esse vocês já conhecem, né?) e surpreendentemente, se tornou uma das séries mais populares da revista.

É muito engraçado que Takeshi aparentemente era uma série bem popular na época de seu lançamento, a nível de, na maioria das vezes ter ótimas posições nos rankings de popularidade da Jump, ali marcando presença no meio de algumas figurinhas grandes dessa época, como o já citado One Piece, Houshin Engi, Hunter X Hunter, Yu-Gi-Oh!, Rurouni Kenshin e Naruto. Não era pouca merda conseguir se segurar junto de todos esses cachorros grandes, ainda que não vendesse tanto quanto eles, mas por outro lado, acho que a Shonen Jump dos anos 90, pós-fim de Dragon Ball e Slam Dunk, era um terreno propício pra mangás como esses surgirem.

Como diabos um mangá que, aparentemente, conseguia despontar como um dos figurões da época, foi esquecido pelo tempo assim e acabar virando uma completa obscuridade fora de solo japonês? Não garanto que vou conseguir, mas ao longo do texto vou tentar elaborar minhas teorias sobre o assunto, então peço paciência!

Sobre o que é esse raio desse mangá afinal?

Conheçam Takeshi, o nosso protagonista, que é esse simpático rapazinho que vocês tão vendo nessa ilustração aqui acima. É esse de cabelinho batido e… barba na cara……. e meio musculoso usando regatinha azul e de peito cabeludo.

Takeshi é um garoto especial. Sim, “garoto”. Ele tem 7 anos de idade, apesar de não parecer! E como todo bom protagonista de mangá da Shonen Jump dessa época, ele tem um sonho: ser o líder ideal para seus amigos e todos à sua volta! Se o Luffy quer ser o Rei dos Piratas, o Gon quer ser um Hunter tão foda quanto o pai dele e o Naruto quer ser o Hokage da sua vila, o Takeshi quer se tornar um “ser de liderança” (expressão essa que ele mesmo usa com frequência). Ele quer ser o líder ideal pros seus amigos!

Takeshi passa a morar com sua mãe (que quase sempre está trabalhando) na humilde cidade de Poppo e é o novo aluno transferido da escola local, e ele rapidamente faz amiguinhos na escola e conquista a confiança de todos por conta de seu carisma. Ah, ele sabe brigar também caso necessário! No primeiro capítulo ele já dá uma surra num valentão (que parece aqueles bandidos de Hokuto no Ken, fortão com moicano e tudo, mas é outro garoto um pouquinho só mais velho que o Takeshi) que estava fazendo bullying com um garoto que acabaria se tornando um dos seus melhores amigos depois.

Ele é um garoto com um forte senso de justiça e que valoriza os seus amigos, e tá quase o tempo todo falando e fazendo palhaçadas e nojeiras que arrancam reações de surpresa, risos e espantos de todos que estão à sua volta. Uma de suas piadas mais recorrentes é ele inventar alguma ideia estúpida e inventar uma explicação ainda mais absurda e incoerente pra ela, deixando seus amigos espantados. Confundir unidades de medidas ou fazer analogias sem nenhum sentido também estão entre vários de seus hábitos.

Junto de seus amigos, Takeshi irá conhecer muitas figuras estranhas e engraçadas que vivem nessa cidade e, frequentemente irá se meter em muitas aventuras malucas que parecem ter saído de um episódio de South Park.

Não sei se pela minha descrição até esse ponto ficou claro mas… ‘Takeshi’ é majoritariamente um mangá de comédia (o famoso “gag manga” como chamam em japonês). A grande maioria dos capítulos costumam ser bem episódicos, apresentando a situação maluca da vez, seu desenvolvimento, e sua conclusão, tudo num intervalo curto de umas 20 páginas. Vez ou outra tem alguns causos loucos que acabam demorando mais capítulos para serem resolvidos, mas não é muito frequente. E esse mangá vai constantemente adicionando novos personagens nesse elenco cheio de gente estranha.

Mais um dia normal com o Takeshi inventando alguma maluquice sem sentido que os amigos ficam chocados (no contexto do capítulo, tá havendo uma onda de calor forte na cidade)

Entre o rol de pessoas que Takeshi conhece, temos Gonzou, um garoto com um cabelo afro enorme e que pinta um bigode escrotasso na cara com canetinha pra tentar parecer mais adulto, e ele é meio que o rival-amigo do Takeshi; eles tem uma relação meio Chaves e Kiko, e ele é um autoproclamado “ser de chefia” em contrapartida ao “ser de liderança” que o Takeshi é. Temos Mitsuru e Eiji, os dois “amiguinhos normais” do Takeshi que são tão normais que não se destacam muito além de repreender o protagonista e o Gonzou pelas palhaçadas deles. Temos o Kojirou, um cachorrinho branco em formato de bola que é do Takeshi (no maior estilo “Bidu”) que acaba sendo o mascotinho fofo da série, e de vez em quando há alguns capítulos focados no dia-a-dia dele ou em alguma trapalhada que acabou se mentendo.

Um outro que eu gosto também é o Shimabuu, que nada mais é do que o próprio autor da série sendo um personagem, e ele tá frequentemente quebrando a quarta parede como bem entende, e sendo um adulto irresponsável nas horas vagas (e curiosamente, ele era um dos personagens mais populares!) e de vez em quando ele fica sem ideia e manda os personagens improvisarem alguma coisa ou até mesmo deixa seus assistentes fazerem capítulos inteiros de tirinhas aleatórias no maior freestyle; inclusive tem um capítulo bem engraçado onde a caneta especial dele quebra e o Shimabu manda o Takeshi e seus amigos irem lá longe pra dedéu em Okinawa buscar uma nova antes que o prazo da publicação acabe.

Um outro bem notável é o “Bonchuu”, outro garoto musculoso de 7 anos muito bom de briga que tá sempre vagando sem rumo por aí como um bom delinquente, e ele se parece bastante com o design que veríamos anos depois pro Toriko, só que de cabelo verde.

Enfim, acho que tá bom por aqui porque se eu ficar falando de todos os personagens doidos que existem nessa série, esse texto não acaba nunca. Tem vários muito divertidos e gosto da maioria deles. A cada novo arco, vários deles vão sendo introduzidos e vez ou outra aparecem de novo depois.

Esse mangá tem muitos personagens memoráveis

Takeshi’ é um mangá bem caótico, e digo isso no bom sentido da palavra. Literalmente qualquer tipo de loucura pode acontecer, então teremos histórias bem variadas entre os capítulos. A grande maioria desses capítulos de comédia são bastante divertidos e genuinamente engraçados. Tem alguns capítulos que são mais “emocionantes” com algum momento muito bonito e comovente neles também (normalmente esses momentos são Takeshi e seus amigos fazendo alguma gentileza pra alguém que precise).

Humor é uma coisa super subjetiva, mas, particularmente, a comédia em ‘Takeshi’ me agrada bastante. Ele se permitir brincadeiras surreais e absurdas sem nem um pingo de preocupação com realismo, e às vezes falta de compromisso com a coerência, acaba trazendo muita liberdade criativa pro Shimabukuro pra ele fazer praticamente o que quiser nesse mangá e, de alguma forma, funcionar. Ok que nem sempre funciona porque tem alguns piadas aqui e ali que não envelheceram nada bem, especialmente no começo, mas a maior parte delas funciona muito bem. O Timing cômico do cara é ótimo!

Talvez ter muita piada com peido, escatologias e demais nojeiras dignas de Ren & Stimpy não seja pra todo mundo, mas admito dar risadas com várias delas (logo nos primeiros capítulos tem uma dessas que consiste no Takeshi cagar nas calças de propósito só pra encobertar um amiguinho dele que tinha se cagado e ninguém ficar zoando ele porque estariam distraídos com o cocô do Takeshi, que fede muito mais. Eu gosto desse capítulo, ser amigo do Takeshi deve ser legal).

Mais um dia normal em um capítulo de Takeshi. Uma queda de braço onde quem perder, sai com a mão toda suja de bosta

Essa talvez seja uma opinião impopular-impopular (uma opinião incomum sobre algo que já não é muito comum haver opiniões), mas sinto que ‘Takeshi’ está no seu melhor quando está focado em fazer comédia absurda e se permitindo essa liberdade.

Espera, tem momentos onde ele não tá sendo um mangá de comédia?

É, tem, e isso nos leva ao próximo tópico…

Oscilando o tom

Eu falei ali atrás que ‘Takeshi’ era um mangá MAJORITARIAMENTE de comédia, não que era inteiramente de comédia. Se somarmos todos os capítulos, algo em torno de 60% do mangá devem ser esses capítulos cômicos de histórias bizarras autocontidas. Os outros 40% são distribuídos em seis arcos mais focados em ação e aventura com algumas lutas.

Esses arcos não costumam ser muito longos. Os mais curtos duram uns 10 ou 12 capítulos e o mais longo de todos dura 30. Isso provavelmente foi uma tentativa de alavancar a popularidade da série, e acabou evidentemente funcionando, pois o mangá ficou 5 anos em serialização semanal na revista de mangás mais concorrida do país, e isso não é um feito fácil!

O primeiro desses começa no capítulo 54, e é essencialmente o Takeshi se juntando aos outros líderes, seus colegas do antigo jardim de infância de formação de líderes (!), para dar uma surra na gangue do Mummy, um arruaceiro que tá tocando o terror por aí. E esse arco tem uns momentos SÉRIOS e acaba tendo lutas que parece que saíram de um mangá de delinquente às vezes, com algumas porradas meio absurdas demais aqui e ali, de vez em quando, mas por aí.

De um lado, Takeshi e seus amigos líderes; do outro, Mummy e seus capangas. E sim, todos esses personagens são canonicamente crianças, até o grandalhão ali da direita.

Trivia: “Crows”, do Takahashi Hiroshi, é um dos mangás favoritos do Shimabukuro. Vocês já leram “Crows”? É bem legal! Dá pra ver escancaradamente a influência dele nesse arco.

E curiosamente, pra um mangá que tava empenhado em fazer humor escatológico até aqui, até que ele se sai bem nessa primeira tentativa de arco mais “sério”. Tem coisas mais graves em jogo nessa história, mas vez ou outra ainda tem algumas piadas. Se eu tivesse de criticar o “arco do Mummy”, seria que na reta final a história perde um pouco do gás e tenho lá minhas ressalvas quanto ao desenvolvimento do inimigo principal (que acaba virando um personagem relativamente recorrente depois). Apesar de tudo, acho que foi uma boa tentativa, mesmo que em tom pareça meio fora de lugar e o coitado do Shimabukuro meio que fica um pouco perdido no controle da própria história (coisa que ele mesmo admite).

O segundo desses arcos consiste em Takeshi e seus amigos indo para uma ilha bizarra chamada “Ilha do Poder”, com o objetivo de pegar um item raro que eles precisam pra um fim que não quero dar spoiler. Eles partem numa aventura muito doida que parece claramente um protótipo de vários arcos que veríamos anos depois em Toriko, com direito a vários animais esquisitos na ilha e algumas lutas.

Takeshi e seus amigos que estão em aventura na ilha cheia de bichos estranhos.

Particularmente acho esse mais divertido que o anterior, a aventura é legal, o controle do Shimabukuro com a própria história parece mais refinado e ainda tem alguns momentos de comédia genuinamente engraçadíssimos no meio. É um bom equilíbrio entre tudo que esse mangá tem de legal. O rapaz tá pegando o jeito da coisa.

Esses arcos vão ficando cada vez mais malucos. O que vem depois desse tem Takeshi & amigos tendo que ir para o Reino dos Demônios para lutar contra eles numa espécie de outra dimensão que permite que eles tenham superpoderes além da imaginação, o que acaba resultando em umas lutas no maior estilo Dragon Ball, com direito até a algumas páginas com cenas de ação fluídas de dar inveja a alguns mangás de lutinha da própria Jump da época. Alguns dos mesmos problemas do arco do Mummy se repetem aqui, na minha opinião, mas o saldo ainda é bem positivo.

Esse mangá de vez em quando tem uns bichos estranhos enormes que parecem aqueles que veríamos em Toriko depois. O Shimabu provavelmente gosta de desenhar esses bichos estranhos.

Eu não vou contar muito sobre os outros porque acho que eles merecem serem descobertos por conta própria, mas tem um que lembra bastante o arco de Skypiea em One Piece (e curiosamente veio logo antes de Skypea ser publicado na época) e o arco final da série parece que saiu de Crows de novo de tão hiperdramático e sério, só que AINDA MAIS do que o primeiro arco desse tipo.

Agora esse mangá fazer essa salada mista toda e tudo isso ainda conseguir fazer algum sentido dentro dele, é um feito e tanto. Tem bastante variedade aqui e ouso dizer que aqui tá o ápice da liberdade criativa do Shimabukuro Mitsutoshi. Eu adoro Toriko, mas é meio difícil competir com um mangá que permite que TUDO possa acontecer igual ‘Takeshi’ nisso.

Apesar de esses arcos existirem e preencherem uma porcentagem considerável da série, não se enganem, ainda é um mangá de comédia em sua principal essência (e se quisermos estatísticas ainda mais precisas, os capítulos referentes a esses arcos todos, somados, ainda estão abaixo da linha dos 50% dos capítulos totais da série… mas não muito abaixo, no entanto).

O arco final é um negócio de louco e tem umas lutas genuinamente MUITO bem desenhadas

Não sei se consigo falar se havia alguma coisa parecida na Jump na época. Talvez o Bobobo-bo Bo-bobo, do Sawai Yoshio? Talvez, mas esse aí nasceu em 2001 e ‘Takeshi’ já tava na praça fazia um tempinho, e o próprio Sawai já disse que se ele nunca tivesse se esbarrado com ‘Takeshi’, ele não certamente não teria virado artista de mangá (e essa curiosidade faz bastante sentido, já que o senso de humor dos dois é bem parecido em algumas coisas).

‘Takeshi’ é uma anomalia bem fascinante dentro do panteão da segunda metade dos anos 90 da Jump pra virada pros começo dos anos 2000.

O Líder era popular?

Quer saber o quão popular é um mangá na Jump? É só pegar uma capa dessas onde todos os protagonistas atuais da revista estão reunidos e ver o quão perto do Luffy ele está ou se está “na linha de frente” do desenho. Olha o Takeshi ali do lado do Luffy, mais à frente até do que o Naruto e o Yoh, de Shaman King. Essa capa é de 2001.

Takeshi era um mangá popular. Podia não ser no nível de One Piece ou Hunter X Hunter, mas definitivamente tinha o seu lugar ao sol dentro da Shonen Jump e conseguia posições muito boas com bastante frequência nos rankings de popularidade da revista, rivalizando com alguns dos títulos mais populares da época.

No gráfico abaixo, tirado do site Jajanken, que compila dados e rankings de toda a história da Shonen Jump desde o seu início em 1968, podemos ver que nos primeiros dois anos de publicação, a série estava com bastante conforto no top 5 das séries mais populares! Mesmo que a média tenha caído um pouco depois disso, durante quase toda a sua serialização, ‘Takeshi’ nunca passou por nenhum grande perigo significativo de cancelamento por baixa popularidade, e se manteve uma série de bom sucesso. Curiosamente, “Toriko” teve uma média mais irregular de popularidade, apesar de ter sido outra série de sucesso bem notável.

Gráfico da popularidade de ‘Takeshi1 ao longo de sua publicação semanal na Jump. As bolinhas coloridas são capítulos com páginas iniciais coloridas, e as bolinhas no topo são as vezes onde ele foi a série da capa daquela edição.

Em 1998 no “Jump Super Anime Tour", foi lançado um OVA da série pra ser uma espécie de episódio piloto, junto com OVAs de One Piece e Hunter x Hunter.

Esse curta é bem simplezinho e não chega a ser tão bonito quanto o piloto de One Piece que saiu no mesmo evento (sabem aquele piloto que foi animado pela Production IG? É a esse mesmo que me refiro. Saiu junto), mas tem lá seu charme. O Takeshi é dublado pelo Nagashima Shigeru, mais conhecido como “Cho”, que provavelmente tem como papel mais conhecido o Brook, de One Piece! Yohohohoho!

Apesar desse curta existir, e da popularidade da série, é meio esquisito que Takeshi nunca tenha virado um anime pra TV. Curiosamente, ele é o terceiro mangá mais longo da história da Jump a não receber um anime pra TV, atrás de “Rokudenashi Blues” do Morita Masanori e “Toilet Hakase” do Torii Kazuyoshi, e empatando com “Circuit no Ookami” do Ikezawa Satoshi. Por que será que isso aconteceu?

Isso aqui é o mais próximo que essa série teve e provavelmente algum dia terá de ser adaptada pra animação.

Não acho que “ser um mangá de comédia” tenha sido a principal causa, apesar de estar relacionado. “Hanasaka Tenshi Tenten-kun, veio na Jump mais ou menos na mesma época e ganhou um anime bem rápido. “Sexy Commando Gaiden: Sugoiyo!! Masaru-san” era outro mangá de comédia super nonsense bem popular dessa época (ele foi finalizado alguns meses depois da estréia de ‘Takeshi’)e também virou anime. Se “ser mangá de comédia” é uma hipótese a ser cogitada, acho que a questão é um tanto mais específica que essa.

Takeshi’ tem um senso de humor muitas vezes chucro, principalmente na parte onde tem piada com nojeira com frequência, mas até aí, “Midori no Makibaou” também tinha dessas de vez em quando (ainda que em menos intensidade) e virou anime. Uns cocôzinhos aqui e ali não seriam impedimento o suficiente. A arte meio “tosca” do começo talvez? Nah, ‘Makibaou’ também tinha “arte tosca” e virou anime do mesmo jeito.

Acho que o humor frequentemente metalinguístico de tiração de sarro com a sua própria condição de “mangá da Shonen Jump” pode ter sido a principal causa. Assim, a gente tem um personagem na série que é literalmente o autor do mangá interagindo diretamente com seus próprios personagens (eu já mencionei que, quase sempre que acontece aquelas enquetes de popularidade dos personagens que sempre tem em mangás da Jump, ele transforma isso em tópico pra um capítulo inteiro zoando com isso e os personagens vão pra “cerimônia” como se estivessem vestidos para ir ao Oscar? Não só isso como um dos arcos “principais” começa justamente num capítulo desses!).

Se teve pelúcia do mascotinho à venda algum dia, deve ter feito sucesso o bastante! (encontrei alguns chaveirinhos também, mas não muitos)

Dá pra converter isso pra anime fazendo certo esforço, mas talvez tiraria um bocado da identidade original da série. Acho pouco provável que o Shimabukuro tenha rejeitado propostas de adaptação pra anime caso alguma tivesse acontecido, então talvez essas propostas só nunca tenham acontecido… o que é meio esquisito considerando o quão popular era a série. Lembrem-se que isso aqui é puramente especulação da minha parte.

Mas aí, em 2000, ‘Takeshi’ ganha o prêmio de melhor mangá infantil do ano no “Shogakukan Manga Award” (e a título de curiosidade, esse foi o mesmo ano em que “Monster”, do Urasawa Naoki, ganhou o prêmio de melhor mangá do ano, enquanto “Detective Conan” e “Tenshi na Konamaiki” empatam na melhor categoria de mangá shounen e “Red River” ganha como melhor shoujo). Vencer uma categoria numa premiação desse porte é um grande feito, e isso certamente atrairia mais atenção ao mangá, que estava em constante subida com sua popularidade, tendo boas posições nos rankings da Jump no meio de alguns nomes de peso que já tinham até projeção internacional, coisa que Takeshi nunca teve até hoje. Uma adaptação pra anime agora seria questão de tempo, né?

E aí chegamos num outro ponto dessa história toda que selaria a resposta a esse questionamento…

Shimabukuro atrás das grades

Bom, falar no Shimabukuro sem mencionar esse ocorrido é bem difícil, mas chegou a hora de finalmente mexer nesse elefante branco. Provavelmente alguns ou muitos de vocês já devem saber disso, mas em agosto de 2002, Shimabukuro Mitsutoshi foi, errrrrm, hmmmm… PRESO.

Shimabukuro se meteu com uma coisinha que os japoneses chamam de “enjou kousai”. O “enjou kousai” é uma forma de prostituição, normalmente empregada por garotas colegiais em cima de homens mais velhos, que na maioria das vezes as pagam para acompanhá-los por aí fazendo-nos companhia, e em casos mais extremos, para favores sexuais.

Inclusive, o Anno Hideaki, que vocês provavelmente conhecem melhor por causa de “Evangelion”, fez um filme bem impactante sobre isso chamado “Love & Pop”, em 1998.

Mas enfim, voltando aqui rapidinho, apesar de a prática não ser exatamente incomum, ela é proibida por lei, visto que a lei japonesa baniu a prostituição desde os anos 50, e a prática do “enjou kousai” não é bem vista pela maioria da população japonesa. Não pretendo entrar muito nos pormenores dos aspectos gerais e legais do assunto, então vamos ao caso específico que nos interessa…

O que aconteceu aqui foi que Shimabukuro foi pego com uma garota de 16 anos de idade, para quem ele estava oferecendo 80 mil yen (na cotação atual, algo em torno de uns 700 dólares) para engajar em ato sexual com ele. Shimabukuro foi sentenciado a cumprir pena por 2 anos pelo crime e, consequentemente, a publicação de ‘Takeshi’ foi cancelada na Shonen Jump.

A situação do mangá na época era seguinte: o último capítulo publicado na Jump foi o 237 e o arco final do mangá já havia começado no 218. A história estava se desdobrando em um momento bem crítico, pronto pra iniciar a contagem regressiva pro final da série, e pra piorar com um pouquinho mais de exatidão, o tal capítulo 237 é justamente onde COMEÇA A LUTA FINAL DO MANGÁ, com o Takeshi oficialmente chegando pra enfim sentar o cacete no vilão da ocasião de uma vez por todas, em um arco que estava fechando todas as pontas e temas dos personagens da série, explicando vários mistérios. Que gancho desesperador pra se cancelar a serialização.

Irmão, imagina se o mangá simplesmente para do nada num capítulo que já começa ASSIM no meio de um arco cheio de ação e drama pra fechar a série com pompa? (calma que não tem spoiler, deixei só a imagem sem contexto mesmo)

Além disso, há alguns meses antes disso, logo no começo de 2002, Shimabukuro havia publicado um capítulo piloto apresentando a ideia para um possível novo mangá que ele faria depois que ‘Takeshi’ fosse concluído, e esse piloto se chamava… Toriko.

Sim! O “Toriko” que viríamos a conhecer no final dessa década já estava sendo planejado quando isso aconteceu, o que significa que Shimabukuro já estava planejando terminar ‘Takeshi’ bem em breve, de toda forma, o que acabou não acontecendo por causa de sua conduta deplorável. Se havia algum estúdio interessado em fazer uma adaptação do recém-premiado ‘Takeshi’ pra animação, essa é a hora em que eles pularam fora dessa ideia.

Porém, em 2004, após o término de sua sentença, Shimabukuro volta a trabalhar e inicia um novo projeto na revista adulta quinzenal Super Jump, um mangá chamado “RING”. Esse era um mangá esportivo, algo que Shimabukuro sempre quis fazer, por ser grande fã de esportes, e teve uma passagem relativamente curta pela revista, por quase 1 ano de publicação, lhe rendendo 3 volumes encadernando seus 25 capítulos.

Shimabu sempre quis fazer um mangá de esportes, e “Ring” foi onde ele realizou essa vontade, inventando um esporte fictício consideravelmente parecido com basquete, mas usando argolas grandes que deveriam ser atiradas em postes fincados no chão, ao invés de bolas que devem ser arremessadas em cestas suspensas no ar. É um mangá simpático até e o protagonista me lembra um bocado o Sakuragi de “Slam Dunk” (que por sinal, é o mangá favorito do Shimabu), mas com menos carisma. A série não foi muito longe, mas acho legal que algo assim exista.

Capa do primeiro volume de “Ring”

Logo depois do fim de “Ring”, ainda nas páginas da Super Jump em 2005, ‘Takeshi’ volta a ser publicado retomando do exato ponto onde tinha parado, e assim, os 10 capítulos finais do mangá são lançados na revista, enfim concluindo a série. Esses capítulos não foram compilados em volumes tankoubon (o último tankoubon lançado foi o 24, em 2002, que reunía até o capítulo 221. Lembrem-se que a serialização na Jump semanal parou no 237), porém nessa mesma época, ‘Takeshi’ ganhava uma republicação num novo formato, o wideban, que tem o dobro de páginas de um tankoubon tradicional, e aparentemente essa republicação vendeu bem, pois foi reimpresso algumas vezes, e é nesse formato que o público pode encontrar ‘Takeshi’ à venda até hoje. Sendo assim, a publicação de ‘Takeshi’ terminou com 247 capítulos, que foram compilados em 13 wideban (se os tankoubon tivessem continuado a sair normalmente na época, teriam sido provavelmente uns 27 volumes)

(talvez vocês já tenham lido isso em algum lugar, mas existe uma história por aí de “Quem permitiu que o Shimabukuro voltasse foi o Oda Eiichiro, do One Piece, que pediu e demonstrou apoio ao amigo de trabalho”, mas não achei nenhuma confirmação oficial disso, então acho mais seguro tomar como lenda urbana mesmo)

E assim enfim se encerrou a jornada do líder do fim do século… uns 5 anos depois do fim do século, mas se encerrou.

E por onde andou o líder depois?

Um desenho feito em 2021 por Shimabukuro para o aniversário de 97 anos de sua avó, em Okinawa, onde nasceu e cresceu.

Mesmo com o sucesso considerável da série do menino barbudo musculoso, a cagada homérica de seu criador provavelmente colaborou pra impedir que o menino voasse ainda mais longe, assim caindo num certo ostracismo relativamente rápido.

No entanto, Shimabukuro continuou em atividade depois de cumprir sua sentença e depois de “Ring” e do final de ‘Takeshi’ na Super Jump, anos depois lançaria o seu “Toriko”, que diferentemente de qualquer um de seus trabalhos anteriores, agora teria projeção internacional, mas aí é a história que a maioria de vocês provavelmente já conhece bem. No final de 2020, Shimabukuro ainda retornaria com uma terceira serialização na Shonen Jump chamada “Build King”, que acaba tendo uma duração bem curta por ter sido cancelada rápido, mas isso é história para outro dia.

Em seus trabalhos seguintes, Shimabukuro ocasionalmente botava personagens de ‘Takeshi’ fazendo uma pequena participação em alguns quadros como um easter egg, normalmente em cenas com multidões.

“Jump Stadium”, jogo de luta aos moldes de Smash Bros lançado pra celulares em 2018, com vários personagens da Shonen Jump num crossover. Como podem ver, o Takeshi tá nessa festa aí, ali logo à direita do logo (e o Toriko tá lá no fundão)

Por outro lado, no ocidente, ‘Takeshi’ nunca foi algo além de uma curiosidade inusitada e “ah, aquele mangá anterior do mesmo cara que fez Toriko” ou “ah, era esse o mangá que o cara do Toriko tava fazendo quando foi preso”. Naturalmente isso se deve não apenas à série nunca ter tido um lançamento oficial em nenhum país da Europa ou das Américas, nem mesmo scanlations amadoras por muito tempo, sendo que esta última foi algo que enfim acabou de ser corrigido bem recentemente da data da publicação deste texto. O grupo “Hi wa Mata Noboru” entrou numa cruzada de lançar a série toda em inglês e enfim terminaram o projeto, e agora a obra pode ser lida na íntegra por pessoas do mundo inteiro que saibam inglês.

O motivo de ter demorado tanto pra algo assim acontecer muito provavelmente se deve à natureza do próprio mangá e de ter demorado para surgir pessoas interessadas e dispostas a encarar tal tarefa (e provavelmente a merda que o Shimabukuro fez em 2002 pode ter afastado algumas pessoas disso, por motivos super compreensíveis). Mangás de comédia costumam ser bem mais difíceis do que a média para traduzir, e boa parte de ‘Takeshi’ tem bastante texto, então esse é um processo lento e que exige bastante atenção e paciência para que se tenha um bom resultado. É um esforço hercúleo adaptar algumas piadas de um mangá como esse para um idioma além do japonês, mas acho que a maioria delas consegue funcionar bem mesmo com algumas barreiras linguísticas e de referências culturais específicas aqui e ali, e honestamente, achei uma ótima tradução que consegue passar bem o espírito do mangá.

Desenho que Shimabukuro fez pra ocasião do aniversário de 50 anos de publicação da Shonen Jump semanal, em 2018.

Vocês já devem ter percebido que eu gostei muito desse mangá, mas o meu maior objetivo com esse texto é simplesmente deixar uma fonte de informação sobre ele mais acessível, já que não existem tantas informações a respeito, até em inglês, e esse tipo de coisa sempre atrai alguns curiosos. Eu tenho minhas opiniões a respeito, como vocês puderam ver, mas o foco aqui foi passar informação sobre a série adiante. Vindo de alguém que, de fato leu a série toda acho que passa segurança nas informações.

Se alguém for ler ‘Takeshi’ depois disso, espero que se divirta o tanto que eu me diverti horores com esse mangá.

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Nintakun

Aspirante a piadista de meia-tigela e nas horas vagas entusiasta de videogame, quadrinhos, e iguarias nipônicas num geral (principalmente mangá/anime/tokusatsu)