O amor já nasceu errado.

Noedir Ferrara Jr.
3 min readJul 26, 2016

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(Annie Hall)

O amor já nasceu errado — pelo menos no Brasil, sim.

Não, este não é um texto de pessimistas amorosos que, de dez meninas que eles pediram para ficar, dez recusaram. Também não é um texto de feministas que afirmam friamente que não precisam de homem pra nada e que nunca casarão porque, lembrando, não precisam de homem pra nada.

Resumindo: esse não é um texto que um garoto de quinze anos cheio de espinhas na cara, ou um gordo que joga LOL o dia todo, ou um cara que se diz feministo, ou um cara que fala “Bolsomito” escreveu porque estava com raiva do amor e disse, no calor do momento: “O amor está errado! Mãe, faz um suco pra mim.” Não, esse é um texto cientifico em que eu provo intelectualmente que o amor é um erro desde sua concepção.

Leitor, se você não faltou na aula de colocação pronominal do — não sei — primeiro colegial (?), você saberá que não se pode usar o (maldito) pronome oblíquo átono — me, te, lhe — num começo de frase. Fazê-lo, aliás, deveria ser pecado capital.

Pois aí está! A maior prova de que o amor sempre foi um erro.

Como demonstramos afeto? Como o namorado fala para a namorada? Como a esposa diz para o marido? Como a mãe fala para o filho? Como o velho rico diz para a novinha loira? Como a novinha loira diz para o velho rico, só para ele continuar com ela até ele morrer e a loira ficar com todo o dinheiro que deveria pertencer aos filhos, mas que no leito de morte o velho assina um papel dizendo que ela pode ficar com a Ferrari?

Exatamente: “te amo”! Um belo tiro na cara de, por exemplo, Machado de Assis em nome do amor. Esse mesmo amor que, não bastasse assassinar a gramática, assassina também milhões de jovens inseguros que se suicidam por causa de um pé na bunda.

O amor está errado desde sua concepção — o pensamento ou a ideia de demonstrar amor com “te amo” — , logo depois está errado em seu miolo, quando o tolo diz o que pensou e ferra com a sua vida (e com o português), e encerra o erro em sua conclusão: o amor (seja ele recíproco ou não).

Aliás, não ser reciproco está mais de acordo com a gramatica do que ser recíproco — e talvez seja por isso que ninguém mais corresponde ninguém nessa baboseira de século XXI. Por exemplo, quando o tiro do “te amo” já foi dado, a pessoa que o recebeu pode:

1- Fazer um favor para o português e dizer: “Mas eu não te amo” ou “Desculpe, mas terei que ir para a Austrália cuidar de pinguins” ou — o meu preferido — “Saia daqui seu imundo, feio e ridículo asno. Quando te vejo me sinto no paredão de Che Guevara: fuzilada por feiura e ensanguentada pelas facadas da sua burrice”.

2- Provar que o amor é um erro e (contra)dizer: “Te amo também” — errando ao quadrado.

O amor brasileiro nasceu errado e ficou mais errado ainda com a internet: “t amu”.

(Obs. Essa mania de fazer samba para cada mulher que passa pela nossa vida uma hora daria errado).

Espero que você, caro leitor, tenha entendido que demonstrar amor é errado gramaticalmente e amar é errado emocionalmente.

Mas não se engane ao achar que a solução é amor próprio, pois o amor próprio está tão errado quanto lamber a tampa do iogurte: “Me amo”. Não!

Se eu provei que o amor é um erro, por favor, brasileiro, prove ao mundo que ele pode ser um acerto. Seja com mesóclise no “Amar-te-ei” ou na ênclise, no final todos sabemos que é errando que se aprende, e um conjunto de erros pode originar um só — bem dado — acerto:

Amo-te.

(Texto de Noedir Ferrara Jr., escrito em 16/07/2016)

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Noedir Ferrara Jr.

Ter 19 anos e não escrever sobre ter 19 anos é um crime que muitos jovens de 19 anos cometem aos 19 anos