Os heróis esquecidos de 1970

A seleção de 70 era uma máquina do início ao fim mas alguns de seus componentes não são lembrados como deveriam

Mateus Amaral
7 min readSep 19, 2020
Félix, Piazza e Brito tentando conter o ataque adversário. Fonte: Instagram / Brito1970oficial

A seleção brasileira que foi campeã do mundo em 1970 tem o maior quinteto ofensivo da história do futebol: Gerson, Rivellino, Pelé, Tostão e Jairzinho. Celebrada nos quatro cantos do mundo, não há quem não tenha visto alguns lances daquela máquina de ataque. Mas o sexteto da parte de trás não tem exatamente o reconhecimento que merece. Sabem aquela história de que uma grande equipe começa por um grande goleiro? É por ele que vamos começar!

Félix

Félix posando para foto antes de um jogo. Fonte: Peter Robinson

Talvez o mais injustiçado do time, Félix foi o goleiro titular da campanha vencedora. O camisa 1, falecido em 2012, tem sido costumeiramente atacado por pseudo-entendedores que dizem que ele não estava no nível do resto da equipe e falhou durante a copa inteira. Vamos aos fatos: Concordo que Félix não era o melhor goleiro brasileiro da época. Manga estava a frente mas atuava no Nacional-URU e jogadores que jogavam fora do Brasil estavam fora do radar. Portanto, Félix era a melhor opção. E sobre as falhas? Ele realmente falhou contra a Romênia na primeira fase e contra o Peru nas quartas mas e os milagres operados por ele? O goleirão defendeu um foguete de cabeça contra a Inglaterra na fase de grupos e salvou o Brasil aos 42’ do segundo tempo na semifinal contra o Uruguai, o jogo estava 2x1 para o Brasil e apenas dois minutos depois a seleção fez o terceiro gol com Rivellino, ou seja, ele foi essencial para que o Brasil chegasse a final.

A carreira de Félix fora da seleção foi vitoriosa e cravou o seu nome na história do Fluminense Football Club. O goleiro foi titular do time durante 10 anos, foi pentacampeão carioca e campeão brasileiro com o clube também em 1970, está claro que ele merecia a vaga na copa e a honrou com seus milagres.

Carlos Alberto Torres

O capitão com a taça Jules Rimet. Fonte: Arquivo Nacional Fundo Correio da Manhã

O único desta lista que é tratado com o devido reconhecimento: Carlos Alberto Torres, ou simplesmente Capita. O camisa 4 foi revelado no Fluminense mas também é ídolo de Santos e Botafogo. Seu desempenho na Copa do Mundo foi coisa de cinema, coroado com um golaço contra a Itália na final, o capitão cravou sua imagem na memória de todos os brasileiros ao erguer pela última vez a taça Jules Rimet que foi aposentada pela FIFA naquela edição. O jogador está no hall dos maiores laterais-direitos da história do esporte, tinha uma técnica de camisa 10, a força de um camisa 5 e a defesa de um camisa 3, era praticamente perfeito e assim foi lembrado por toda sua vida.

Hércules Brito

Brito posando para a foto antes de suar a camisa mais pesada do mundo. Fonte: Instagram / Brito1970oficial

Revelado pelo Vasco da Gama, o famoso zagueiro saúde era quem dava a consistência defensiva necessária para o time que tanto gostava de atacar. Sua força invejável lhe rendeu uma premiação individual, o melhor preparo físico da Copa do Mundo de 1970, prêmio esse que fez com que o presidente Médici lhe concedesse a alcunha de comendador. Brito não era unanimidade, ele já tinha sido convocado para a copa de 66 e não tinha convencido, mas fez partidas acima da média em 70 e não falo apenas da seleção. O camisa 2 do Brasil também foi Bola de Prata da revista Placar, o que coroou o maior ano de sua carreira. O comendador figura entre os maiores zagueiros da história da seleção brasileira com Bellini, Orlando, Mauro, Ricardo Gomes, Lucio… Nada mal!

Piazza

Piazza concentrado antes do jogo. Fonte: Reprodução/CBF

Mais técnico e talvez menos marcador que seu companheiro, Piazza na verdade era volante, foi deslocado para a defesa por Zagallo que se viu obrigado a fazer isso algumas vezes naquela competição, Rivellino virou ponta, Tostão virou atacante… O volante e ídolo do Cruzeiro não sentiu o peso de jogar fora de posição e não decepcionou, colou na experiência de seu parceiro Brito e atuou como se tivesse passado a vida jogando atrás, foi um monstro. Como atuava no meio, Piazza tinha uma qualidade incomum para um zagueiro, o que permitiu que o velho Lobo adiantasse o jogador para cobrir as subidas de Clodoaldo. Seu destaque foi tanto que o rendeu uma vaga na seleção da Copa do Mundo de 70 ao lado de Franz Beckenbauer, vale lembrar que ele desbancou o histórico Bobby Moore, ídolo da Inglaterra.

Everaldo

Everaldo com o casaco da seleção. Fonte: Reprodução

O lateral-esquerdo revelado pelo Grêmio, era forte e veloz, tinha qualidade para sair jogando e não comprometeu. Ele compunha o trio de defesa ou fechava uma dupla com o Brito conforme o resto da equipe ia subindo e se ajustando. Everaldo foi o primeiro gaúcho a ganhar uma Copa do Mundo, o feito lhe rendeu uma estrela dourada na bandeira do Grêmio que lá está até hoje.

Clodoaldo

Clodoaldo correndo pela bola. Fonte: El Grafico

Primeiro componente do meio-campo, Clodoaldo era o volante da seleção e tinha a difícil missão de substituir Zito, que foi bicampeão do mundo em 58 e 62. O jovem revelado pelo Santos tinha apenas 20 anos e vestiu a camisa amarela como uma leveza incomum para a idade, ele tinha a função de ajudar a povoar as jogadas do Brasil na frente e promover a saída de bola a partir da defesa. Em uma destas chegadas ao ataque, ele foi assistido por Tostão e anotou um gol na semifinal contra o Uruguai, empatando o jogo. O camisa 5 finalizou dentro da área e retomou os ânimos da equipe, seu lance mais icônico com certeza foi contra a Itália na final, Clodoaldo driblou 4 jogadores adversários no meio-campo e fez o saudoso narrador Fernando Solera gritar, “é desta maneira que se ganha a Copa” e ele estava certo, a jogada genial terminou no gol mais bonito do Brasil em Copas e foi a cereja do bolo mais bonito que já foi confeitado.

Onde estão estes jogadores?

Félix

O goleiro do Fluminense atuou até 1978 e tentou uma carreira de treinador que acabou não dando certo, chegou a ser dirigente do Avaí em 2007. O paredão passou a aposentadoria sendo contestado por conta de algumas falhas em 70 e não teve o reconhecimento público que merecia, praticamente só não foi esquecido pela torcida do tricolor das Laranjeiras. Ele faleceu em 2012 vítima de uma enfisema pulmonar.

Carlos Alberto Torres

O Capita jogou até 1982 e encerrou sua carreira no falido New York Cosmos na tentativa de promover o futebol estadunidense, foi treinador durante 20 anos e foi campeão brasileiro com o Flamengo em 1983, ano de sua estreia como técnico. Passou a vida sendo celebrado e lembrado como o herói que foi, teve um justo reconhecimento. O lateral-direito passou a vida no seu bairro de infância, a Vila da Penha no Rio de Janeiro e faleceu em 2016 aos 72 anos, vítima de um infarto fulminante.

Hércules Brito

O ídolo do Vasco da Gama jogou até 1979 e se aposentou com incríveis 40 anos, não era chamado de zagueiro saúde à toa. Hoje ele passa a vida na Ilha do Governador no Rio de Janeiro, bairro que cresceu e vive sem muito holofotes. A CBF não esqueceu de Brito que comumente recebe homenagens da federação e convites para jogos importantes da seleção brasileira, em 2018 participou do programa “Show do esporte” na Band. Ele também participou de diversos eventos do Vasco que também não o esqueceu.

Piazza

O volante se tornou um dos maiores ídolos da história do Cruzeiro, já era campeão brasileiro e conquistou a Libertadores em 76 e se sagrou decacampeão estadual, sim, DECA. Foram feitos incríveis que renderam uma vida de homenagens e reconhecimento mais do que merecidos. Hoje ele passa a vida em Brasília, é presidente da Federação das Associações de Atletas Profissionais (FAAP).

Everaldo

Com a mais triste das histórias, Everaldo faleceu em 1974, vítima de uma acidente automobilístico enquanto fazia campanha para deputado federal. Sua esposa, sua irmã e sua filha também morreram no acidente. Ele passou 10 anos no Grêmio e foi tricampeão gaúcho.

Clodoaldo

O camisa 5 jogou no Santos até 79 e se aposentou em 81. Ele já havia sido campeão brasileiro e se sagrou pentacampeão paulista em 78. Passou a aposentadoria como jogador trabalhando nos bastidores da Vila Belmiro, foi diretor de futebol e até vice-presidente do clube. Sua última passagem se encerrou em 2018 quando foi dispensado do cargo de consultor executivo administrativo.

Quantos destes jogadores você conhecia? É primordial que lembremos daqueles que nos deram o direito de ostentar cinco estrelas no peito e nos colocaram no topo do mundo.

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Mateus Amaral

18 anos, estudante de jornalismo. Apaixonado por informar e entreter!