Não houve golpe
Mas, ainda assim, é triste como os diabos.
Ontem foi um dia terrível.
Com Fernando Collor, nos permitimos acreditar que um impeachment era motivo de festa. Não é. Collor foi atípico. O normal é essa ressaca que vivemos.
Impeachment é uma ruptura. Collor vinha do nada. O PT tem história. Representa uma longa tradição brasileira que deu quatro presidentes: Getúlio, Jango, Lula e Dilma. Tanto Lula quanto Dilma também foram marcos. Um operário brilhante. Uma mulher.
Mas o Mensalão aconteceu.
O Petrolão.
As pedaladas para fingir que o país estava bem durante a eleição. O governar tratando mal o Congresso. A crise econômica. O desemprego. A lenta migração de brasileiros da Classe C de volta à pobreza. (Já começa a aparecer nas estatísticas.)
Impeachment é uma ruptura.
Mas está sendo feito por um Congresso eleito. Igualzinho a presidente. O último lance, se ocorrer, será concretizado por um Senado presidido pelo presidente do Supremo. (Ou pela presidente do Supremo, se ocorrer no segundo semestre.)
Uma sessão para destituir a presidente da República ocorre perante os presidentes do Legislativo e do Judiciário.
Nenhuma lei terá sido quebrada. E tudo está previsto pela Constituição.
Pedaladas não são crimes de responsabilidade? Quem decide se são ou não são os senadores. A Constituição lhes outorga esta responsabilidade. Não é coisa única do Brasil. Impeachment é assim em democracias presidencialistas. O Senado decide se crime foi cometido. E, se ele decidir, está decidido.
O julgamento não é jurídico. É político.
É o único caso previsto na Constituição para um julgamento assim.
É claro que é uma ruptura.
É claro que Eduardo Cunha.
É claro que Michel Temer.
É claro que Jair Bolsonaro.
É claro que Renan Calheiros.
Tudo é claro. E essas pessoas têm mandatos legitimados pelo voto popular. Votos que têm, cada um, peso igual aos votos de Dilma.
Inclusive Michel Temer. Cada um de seus votos é idêntico a cada um dos votos de Dilma.
O jogo está sendo jogado dentro das regras.
Não gosta das regras? Pressione para mudá-las. Precisam mesmo de mudança. Sente nojo da política? Justíssimo. Bem-vindo ao Brasil, ele é assim faz algum tempo. Os deputados sequer sabem concordância? Lula tampouco sabia e, do ponto de vista da gestão, foi um presidente de alta competência. Bolsonaro é um fascista? É. Eduardo Cunha é corrupto? O acúmulo de evidências fazem parecer que sim. Ainda não foi condenado em última instância. Os deputados que nós escolhemos o escolheram. O STF não o julga? Não julga os outros parlamentares envolvidos na Lava Jato? Cobre do STF. Neste caso, Legislativo e Executivo nada têm a ver com a morosidade do Judiciário.
Tenha nojo à vontade do que ocorreu ontem.
Pessoalmente, não tenho nojo. Mas carrego comigo uma baita tristeza. Uma sensação de fracasso retumbante, de desânimo, de olhar para tudo em que acreditei quando bem mais jovem e ter o Brasil como o Brasil é esfregado na minha cara.
Mas foi tudo legal, realizado pelo Legislativo, sob supervisão do Judiciário.
Chamar de Golpe é um desrespeito com todos os brasileiros que tiveram de enfrentar 1930, 1937, 1964.
Além de escrever sobre tecnologia para Globo e Estadão, Pedro Doria publica semanalmente uma newsletter sobre História do Brasil e seu impacto no presente. A assinatura, gratuita, pode ser feita aqui.