Os três partidos que (realmente) valem no Brasil

Pedro Doria
4 min readOct 1, 2015

É boa notícia que a Rede e o Partido Novo, os dois membros mais jovens da política brasileira, se apresentem baseados em ideias e não conveniências. Coisa rara. Eleger dez deputados, dois senadores, quem sabe até um governador, é fácil. Mas para entrar mesmo na disputa de poder precisarão antes tirar alguém do jogo. É que apesar das muitas siglas, na política brasileira só há espaço para três protagonistas. Se quiserem transformar o Brasil, aí é ainda mais complicado. Para explicar o porquê, só com um pouco de história.

A República Velha inaugurou uma organização política que se baseava em dois grupos. A maioria dos presidentes entre Prudente de Morais e Washington Luís estudou Direito, ou em São Paulo, ou no Recife. Mesmo os não-advogados eram todos doutores muito bem preparados que tinham um projeto mais ou menos comum de Brasil. Desejavam um novo Estados Unidos nas Américas. Não davam a mínima para o povo, o típico Jeca Tatu. Queriam construir um Brasil grande apesar da baixa qualidade que percebiam no povo. Viviam, essencialmente, num mundo de relatórios, planilhas, estudos, ideias. Governar era uma questão técnica, coisa de encontrar a fórmula ideal. No fim, o povo se daria bem com este país que imaginavam. Formavam o que poderíamos chamar de Partido dos Técnicos.

Naquele Brasil, todas as eleições eram fraudadas. Para se eleger, os doutores precisavam do apoio dos governadores e sua turma. Estes, de coronéis a caudilhos, chefes de regiões maiores ou menores, funcionavam na base da troca de favores. Tinham o poder sobre que votos sairiam das urnas. Mas precisavam, para se manter caciques, de verbas e projetos que vinham do governo federal. Pelo pacto estabelecido, este grupo, ou o Partido Fisiológico, mantinha o Partido dos Técnicos na presidência em troca dos favores certos. Um grupo talvez desconfiasse do outro. Mas, juntos, se mantinham no poder.

O Brasil da República Velha era instável. Revoltas estouravam a toda hora. Revoltas no campo com traços religiosos, caso de Canudos, Contestado ou até do Padinho Ciço. Revoltas também urbanas, como as de operários em São Paulo ou do proletariado contra vacinação obrigatória, no Rio. Para não falar dos militares. Todos se levantaram em algum momento. Dos pobres marinheiros aos educados tenentes e capitães, passando pelos sargentos. A cada dois anos havia um levante violento no Brasil. Aquele regime não tinha como dar certo.

Quem resolveu o problema da instabilidade foi o mais brilhante político da história republicana. Getúlio Vargas. Resolveu inventando o PTB. Ou seja, deu espaço para uma agremiação política que aglutinasse ao menos parte dos anseios populares. Este terceiro grupo, o Partido Trabalhista, trazia duas características. Em primeiro, genuína sensibilidade para questões que afetavam a maior parte dos brasileiros. Em segundo, a síndrome de tantos dirigentes sindicais ainda hoje, um certo pendor por um empreguinho público, de preferencia acompanhado de salário e pouco trabalho.

O jogo político brasileiro tem se dado no confronto de projetos entre o Partido dos Técnicos e o Partido Trabalhista. É tentador dizer que um está à direita e, o outro, à esquerda. Mas o Partido dos Técnicos nunca se furtou a usar o tamanho do Estado. Não é liberal. O que os define não são questões como Estado grande ou mínimo, Keynes ou Hayek. Num exagero, o Partido dos Técnicos acredita que gestão é preencher planilha. O Partido Trabalhista parte do princípio de que governar é tocar as pautas trazidas pelos movimentos sociais. E tanto um, quanto o outro, quando chega ao poder faz um pacto com o Partido do Fisiologismo. O pacto pode ter se sofisticado mas, na base, é o mesmo feito por aqueles primeiros presidentes. Sempre que houve democracia no Brasil, este foi o jogo.

O Partido dos Técnicos foi a UDN, hoje é o PSDB. O Trabalhista foi o PTB, seu campo esteve em disputa durante os anos 1980 até que o PT se consolidou no lugar. O Partido do Fisiologismo foi o PSD, foi o PFL, é o PMDB. Ele é fluido, se espalha em outras siglas, mas está sempre lá e se agrupa quando preciso.

Quando Dilma Rousseff deixar o Planalto, o PT estará tão desgastado que terá de defender seu espaço. O PSOL só o ocupa se conseguir se deslocar ao centro. PSB e Rede são evidentes candidatos. Para o Partido Novo, desbancar o PSDB neste momento parece muito mais difícil.

Revolução, revolução mesmo, ocorrerá se um dos dois conseguir esganar o Partido do Fisiologismo. Mas esta parece ser uma aposta alta demais. Se alguma instituição realmente tiver este poder um dia não será um partido. Será a própria democracia brasileira que, se madura, simplesmente o expurgará.

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Pedro Doria

Editor do Meio. Colunista do Globo, O Estado de S. Paulo e CBN. Meu pai nasceu no DF, nasci na GB e dois de meus três filhos no RJ. Todos na mesma cidade.