A traição de Monk e a sinceridade de Deus

Pedro H. Lima
6 min readAug 3, 2021

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E se o seu maior amor for uma mentira?

Cena do sexto episódio da quarta temporada

A série Monk, uma das minhas preferidas, acompanha um detetive particular com TOC, perfeccionismo e outras particularidades. Ele é um detetive extraordinário, capaz de resolver qualquer caso. Ou melhor, qualquer caso, exceto um: o assassinato da sua esposa, ocorrido muitos anos antes do que é retratado na série. Ele amava profundamente a esposa, Trudy, e mesmo oito anos depois da sua morte ainda não conseguiu deixar de pensar constantemente sobre ela, lamentando todos os dias a sua morte. Ele vive sozinho, e sua felicidade é relembrar a vida alegre que teve com ela.

No entanto, em determinado episódio da quarta temporada, Monk recebe uma notícia aterradora: Testemunhas disseram que Trudy está viva, tendo apenas forjado a própria morte para deixar Monk em paz. Ao saber disso, o detetive entra em crise e fica catatônico. Não sabe o que dizer, não sabe o que pensar. A cena é comovente. As únicas palavras que ele repete inúmeras vezes, completamente atônito, são:

“Se isso for verdade, então nada é verdade. Se isso for verdade, então nada é verdade!”

O desespero da traição

Dá pra sentir, na voz, na expressão e na história a sua absoluta angústia. Na situação dele, que nunca amou ninguém mais que à Trudy, que nunca confiou em ninguém mais que na Trudy e que nunca se sentiu amado por ninguém tanto quanto pela Trudy, isso foi arrasador. O que fica nas entrelinhas é “Se for assim, então eu construí toda a minha vida sobre areia — fui traído na única certeza que tive na vida, de que Trudy me amava.” Eu acho que a insinceridade é a pior traição. Chorar no ombro de alguém que com a mão quer te roubar a carteira é ruim, mas descobrir que seu amor te amava só da boca pra fora é pior. Toda a sua vida foi uma mentira.

Não vou dizer como o episódio termina, pois o objetivo na verdade é pausar nessa cena e ver nela uma janela para o coração humano. Isto é, creio que o sofrimento de Monk é um temor enraizado profundamente em todos nós — “e se no final tudo tiver sido uma ilusão? E se eu fui enganado o tempo todo?”. No caso do detetive da série esse temor era sobre a sua vida temporal, mas quero que consideremos a vida eterna. Você já teve medo de não ter sido perdoado, de estar enganado e de no último dia receber o duro golpe da condenação? Você já sentiu um calafrio percorrer a espinha por pensar na possibilidade de no dia do juízo o Cristo a quem você ama dizer “Nunca te conheci”? Se você já considerou isso, você sentiu por alguns momentos o que eu acho que deve ser a pior angústia que um homem pode ter — o medo de ser traído por Deus.

E se o amor de Deus for uma mentira?

Mas a Escritura tem um bendito remédio para essa dor — uma certeza firme que podemos agarrar. É uma promessa sobre Cristo Jesus nosso Salvador, que nunca nos trairá:

“Pois assim é dito na Escritura: “Eis que ponho em Sião uma pedra angular, escolhida e preciosa, e aquele que nela confia jamais será envergonhado””

1 Pedro 2:6 NVI

Aqui vemos que Jesus Cristo, o Filho de Deus encarnado, é a “pedra angular”, a base concreta, que Deus nos deu. Quem constrói sobre Ele tem uma morada eterna, que nunca será abalada. Mas o que isso tem a ver com nosso assunto? Tudo. Se você colocar toda a Sua confiança na salvação perfeita e suficiente que Jesus fez — se apostar todas as fichas nessa única certeza — você não deve ficar duvidoso nem inseguro. “Não temas”. O próprio Deus prometeu, e por meio do profeta e do apóstolo redigiu, que ninguém, nem uma única alma, chegará a Cristo e dirá “eu confiei em Ti, mas me rejeitaste.” Nunca! Pelo contrário, quem em Cristo confiar “jamais será envergonhado”.

Vamos nos demorar ainda um pouco sobre essa promessa.

Monk, caso a sua esposa realmente tivesse forjado a própria morte, teria apostado toda a vida numa falsidade. Em outras palavras, tudo o que ele fez e sentiu na vida era apenas uma manifestação da sua certeza de que Trudy o amava, mas se ela não o amava, então nada era verdade — nenhum presente dado, nenhuma lembrança alegre, nenhuma saudade; nada é genuíno se ele estava sendo enganado o tempo todo.

E o mesmo temor pode se manifestar nos cristãos. Talvez imaginemos o dia do juízo:

– Aparte-se de mim!, ordena o Senhor.

– Mas Senhor, eu confiei em Ti toda a minha vida, Tu morreste por mim e me salvaste, por isso preguei, orei e trabalhei para a Tua glória!, clama o fiel.

– Você se enganou, eu nunca te conheci, diz o Senhor.

Se descobríssemos uma verdade assim, toda a vida cristã — todos hinos cantados com coração alegre, todas orações confessando os mais sujos pecados, todo esforço de deixar de lado a timidez e falar sobre o Senhor, tudo — seria vaidade, e nós seríamos os mais miseráveis de todos os homens. Essa seria a cena mais lamentável na história da existência. Mas ela é impossível, nunca acontecerá. Nunca! A verdade já está descoberta para nós na Bíblia, e ela é toda a verdade: O Deus de amor sabe amar e de modo algum trairá a sua confiança nEle.

Contudo, você pode pensar que Cristo disse, sim, que no grande dia irá rejeitar alguns que o chamam de Senhor, mas leia bem o texto de Mateus: eles apontaram diversas obras realizadas “em Seu nome”, mas não se arrependeram de seus pecados e não confiaram na salvação que só Cristo garante por Seu Sangue. Pelo contrário, permaneceram praticantes da iniquidade. Mas não é assim com quem se arrepende, confia e segue Jesus. Quem faz isso é pessoal e intimamente conhecido por Ele. É Sua ovelha, e ninguém pode arrancá-lo da Sua mão.

“Quem nela confia jamais será envergonhado.”

Essa promessa de segurança não é estranha, pois a Escritura está cheia de testemunhos dela: Cristo prometeu que confessará diante dos anjos o nome de todos que O confessam aqui. Mais: “Quem perseverar até o fim será salvo”. No contexto, o Senhor falava sobre não deixar de confiar nEle e seguí-Lo, nem mesmo diante de reis e ameaças de morte. Perceba que Jesus não diz “quem perseverar até o fim talvez se salve”. O que Ele realmente diz é “quem perseverar até o fim será salvo,” com toda certeza será salvo. Ele quer exterminar todo tipo de dúvida, para que não haja medo algum em confiar nEle de todo coração e seguí-Lo.

Se a Sua morte é verdade, então todo o mais é verdade, especialmente Seu amor.

Com todas essas promessas, creio que nosso Senhor Jesus é a pessoa mais asseguradora que existe. Nosso Deus é o Deus mais sincero e genuíno, sem segundas intenções e sem ilusão. Como registrado na Escritura, “Deus não é homem para mentir”. Voltando ao tema, o amor humano pode falhar e enganar. Forjando a própria morte e abandonando Monk, Trudy teria envergonhado-o até o mais deprimente desespero. Mas não tema, Deus jamais faria algo assim, pois a salvação que Ele nos garante em Cristo não engana. A Sua sinceridade chegou até à morte, e Ele morreu para mostrar que ela vive. De fato, nunca envergonhará quem confiar nEle e na Sua graça, pois Ele mesmo prometeu, e a Sua Palavra é a verdade — se a Sua morte é verdade, então todo o mais é verdade, especialmente Seu amor.

Parafraseando a famosa frase de John Stott: Se você quiser uma definição de sinceridade não vá ao dicionário, vá ao Calvário.

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Pedro H. Lima

Cristão reformado apaixonado pelo Deus Triuno que criou todas as coisas, inclusive a Literatura.