segundo eu mesma
Que loucura, 2019 já era! Um ano tão difícil, mas com tanto encontro, tanta coisa interessante. Resolvi fazer uma lista das leituras que me deslocaram, assim, sem muita pretensão sabe, só curtindo a viagem. Fazer uma lista é dizer o que fica, mas como toda escolha é também sobre quem não está lá. E isso é bem terrível, mas adianto que não estou fazendo julgamentos de valor, só estou empolgadinha. O recorte foi bem específico: livros escritos por mulheres brasileiras e contemporâneas.
A sensação que eu tenho é que nesses tempos difíceis muita coisa precisa ser dita. Muita coisa precisa sair para que a vida desague e também para que a gente possa se colocar no mundo e, quem sabe, ganhar ele também. Talvez, por isso, tenha visto tantos livros potentes sendo publicados nos últimos dois, três anos.
Resolvi que aqui eu vou falar de livros nacionais e deixar para fazer uma lista só para o Leia Mulheres Osasco, mais panorâmica e para comemorar esse primeiro ano lindo. Voilá! Fiz um top trend do meu coração, as leituras que me pegaram: quando eu chorei baixinho, escondi o livro, ou gritei alto para todo mundo ouvir. O livros não foram, necessariamente, publicados este ano.
A minha ideia é que depois de ler este post você corra para comprá-los, afinal, o natal está aí. Coloquei eles em ordem alfabética, porque não quero dizer que um foi melhor que outro sabe. Eu adoro crítica literária e, modéstia às favas, faço isso bem. Então curte a viagem.
- A telepatia são os outros • Ana Rüsche, Monomito
A telepatia acessada organicamente, por um mosto de ervas, num instituto cheio de bruxarias no Chile. Olha, só por esses elementos era impossível eu não me envolver. Irene, nossa protagonista, rompe com os padrões do que é tido como a representação feminina tradicional. A jornada de Irene nos leva a uma história maravilhosa sobre autoconhecimento e autocuidado, com direito a abalos sísmicos reais e metafóricos. Impossível não se identificar com essa novela. Impossível não amar essa história. Para quem disse que não se faz ficção científica de qualidade no país, Ana Rüsche nos prova o contrário e cala a boca de muito marmanjo por aí. Aqui, deixo registrada como acho essa autora versátil: é conto, é romance, é novela e poesia, pode vir que ela faz de forma primorosa. Amo demais.
- Costuras para fora • Ana Squilant, Nós
A honra de ter sido uma das primeiras leitoras desse livro nem cabe no peito. Conheço a Ana Squilant há dois anos e sei da potência de sua escrita, de como ela trabalha os detalhes do cotidiano com maestria. As rasuras do corpo, as costuras expostas, as nuanças do humano, demasiadamente humano, aliado a um projeto gráfico e editorial impecáveis. É sucesso na certa. Costuras pra fora é uma bela jornada em que os contos são tão bem alinhavados que é impossível não pontuar a identificação e dizer para si “sei bem como é isso, já aconteceu comigo”. Que linda estréia! Apenas se permita o mergulho profundo nessa tessitura em que é preciso conservar as relações para não vê-las esgarçarem e, se elas se romperem, compreender o ponto certo para seguir em frente.
- Pérola Marrom • Nina Ferreira, Padê
Sou apaixonada pela escrita da Nina Ferreira e já tive oportunidade de vê-la recitar ao vivo, com seu jeito calmo e certeiro. Só agora li Pérola Marrom, livro publicado pela extraordinária Padê Editorial. Os versos são arrebatadores, pontuam com delicadeza e pungência o corpo dessa mulher que não se deixa assujeitar. Me peguei chorando e dizendo: “é isso!”, diversas vezes. Acho bonito como a Nina insere alguns poemas que são como quebras na construção lírica, que interrompem a tonalidade de algumas poesias e deslocam a gente. Fora que é maravilhoso ver algumas gírias do meu país centro-oeste inseridas na poesia. Saudade de casa sabe? Aquece o coração. Sou encantada por esse livro e por essa escrita. Essa leitura, no apagar das luzes de 2019, foi um presente, uma energia poderosa que me renova. Quero mais livros da Nina. Que venham!
- Se deus me chamar não vou • Mari Carrara, Nós
Fazia tempo que um livro não me deixava com tanta vontade de não terminar. Tinha medo que Maria Carmem, a protagonista da história, fosse embora e só me deixasse o vazio, por isso eu escondi o livro algumas vezes na primeira vez que li. Só para ter o prazer de reencontrar. Essa garota de 11 anos e muito tamanho me ensinou um bocado sobre empatia, identificação e solidão. Com ela eu entendi alguns processos meus e percebi que não estou sozinha. O romance de Mari Carrara tem uma escrita genial e eu admito, acabei fantasiando uma Maria Carmem só minha, que foi viajar o mundo, voltou, publicou um livro e foi ser quem ela quisesse. Eu fico passada em como a Mari transforma as relações, promove encontros, encontra as metáforas certas para dizer coisas simples, porém profundas. Maria Carmem, se deus me chamar eu também não vou, está decidido. Afinal, tem tanta coisa ainda para acontecer.
- Uma casa se amarra pelo teto • Viviane Nogueira, Macondo
O livro de estreia dessa mulher que amo pacas, que é minha companheira de Leia Mulheres Osasco e uma pessoa extremamente generosa, é um arraso. Quanta poesia linda! Juro que eu queria ter escrito um monte delas e abri o sorriso com tantos versos poderosos. Li duas vezes porque na primeira era só paixão e susto e na segunda eu pude entender melhor o que tava sentindo. Eu fico passada com a habilidade da Viviane transitar por tantos sentimentos com um lirismo tão potente. Uma casa se amarra pelo teto, se ata na memória, no lugar em que o corpo se entrega para que não haja esquecimento. Duas garrafas de Heineken nunca foram tão fortes e tão reveladoras para mim.
- Use o alicate agora •Natasha Félix, Macondo
Tenho pra mim que se a Natasha não existe, ela teria sido inventada por uma versão de mim que urge se entregar sem medo, mergulhar profundamente no corpo, na experiência e na crueza dos detalhes. Esse livro de poemas é um desbunde, um encontro íntimo, uma tentativa de compilar um mundaréu de desejos. A eu lírica, entregue e despida de qualquer amarra, nos convida a uma igual entrega. Essa foi uma releitura necessária, 1 ano depois da primeira leitura e um encontro muito poderoso com um erotismo refinado, avassalador. Natasha é dessas escritoras que quando você vê ao vivo é ainda mais estarrecedora! Ela chega e domina tudo. A poesia dela se inscreveu no meu corpo de tal forma que foi impossível sair ilesa.
E deixo aqui o meu desejo de que em 2020 eu tenha força para fazer a resenha dos livros que faltam, dos que virão, e que ano que vem eu possa ter uma lista ainda mais recheadinha de mulheres brasileiras e latino-americanas poderosas.