Minha vida em 3 segundos
Em todas as vezes em que eu paro pra pensar sobre essa história, eu me faço a mesma pergunta sempre: o que existe de tão especial nesse evento? Eu queria ser a pessoa das grandes histórias de vida, que vão desde viagens terríveis até relacionamentos conturbados dignos das piores séries da Netflix. Mas infelizmente eu sou apenas um cara comum, que cresceu sendo um adolescente genérico, vindo de uma criança esquisita — uma existência bem pedestre mesmo — e talvez essa história seja o ápice da adolescência que esse indivíduo teve. Com grandes expectativas, e quase nenhuma proatividade.
Esse texto por si só já é uma tentativa de tentar encontrar a razão do eco que existe na minha cabeça quando eu lembro sobre o ano de 2009. Certamente não foi um ano tranquilo. Conturbado do início ao fim, e mesmo com os traumas que adquiri de lá pra cá, ainda penso com carinho. Acho que não tem muito o que elaborar quando o corpo esquece a dor e fica somente a sensação de que você sentiu algo de verdade. Algo visceral. A dor de ainda ter a memória.
Todos os nomes citados além do meu próprio são fictícios a fim de preservar a identidade das pessoas envolvidas.
SUNBURN
Tudo começa talvez em 2008 (ou 2007, anos igualmente terríveis), durante os anos de ouro do Orkut, enquanto rolava o feed do site, vi algumas fotos recém postadas no perfil da minha prima Aline. Fotos da sua turma no colégio, com os alunos e alunas fazendo poses em filas. Em uma dessas fotos estavam todas as garotas da sala, e reparei justamente em uma específica. Uma menina branca, de cabelos castanhos e olhos grandes. De ar assustado porém divertido. Decorei seu nome pela marcação na foto e fiquei com ele guardado durante um bom tempo.
Como minha prima já havia mencionado em alguma outra ocasião que iria fazer o primeiro ano do ensino médio em outra escola, e que essa escola seria a mesma que eu iria, imaginei que a garota da foto também fosse. Era uma esperança muito vaga e não pensei muito que pudesse realmente se concretizar. Era uma época em que aflorava a ideia de um relacionamento amoroso, ao passo em que eu deixava para trás a expectativa de ver ainda em vida Naruto finalmente virar o Hokage da Vila da Folha. As prioridades falando mais alto, talvez?
Essa esperança ficou guardada em um lugar esquecido durante os próximos meses, e a vida seguiu durante aquele ano. Enfim, acabei esquecendo essa garota.
BLISS
E chega o ano de mudar de escola. Saí da antiga com um amigo que me acompanhou nessa jornada. Torci pra que ficássemos na mesma sala, o que não aconteceu, então tive que me virar sozinho no meio de estranhos. Eu tinha esperança de que com meu amigo Felipe, as coisas seriam mais fáceis. Socializar com o apoio dele me ajudaria.
Sendo assim, seguindo sem auxílio, me vi isolado e sem perspectiva de amizade naquela turma. Lembro bem de uma ocasião no primeiro dia em que passei o olho por toda a sala e me perguntando quem ali me parecia mais fácil de abordar. Foram dias difíceis, em que minha ansiedade falou mais alto e me fez entrar em depressão.
Durante alguns poucos dias da primeira semana, enquanto tentava me adaptar ao ambiente e às pessoas, eu tentei achar a garota. Nesse ponto da história, a esperança de que alguma coisa desse certo era quase inexistente. Eu já tinha muitos problemas ocupando o espaço que deveria ser dos estudos mas, para a minha surpresa, lá estava ela, com vários amigos que saíram da escola anterior. Menos a minha prima. O que era uma surpresa.
Coincidentemente nesse ano, eu passei a conversar todos os dias por MSN com Aline. Conversávamos sobre tudo. Nesse ano nossa amizade cresceu bastante, e me senti confortável para abordar minhas vulnerabilidades. Falei sobre como eu me sentia deprimido e sozinho na escola. Como era difícil fazer amizades. E eventualmente eu toquei no assunto que me deixava mais ansioso, mas me afetava de uma forma diferente. Me dava frio na barriga sempre que eu pensava em externar isso, principalmente pra alguém que conviveu com a pessoa que eu tinha um algum interesse.
A partir desse momento eu entrei numa nova fase da minha vida em que compartilhei uma parte importante para mim. E era um segredo a ser mantido a todo custo!
Alguns dias se passaram, conversamos sobre amenidades todos os dias, e minha prima resolveu me apresentar numa conversa de MSN com a garota. É difícil buscar algum sentimento de algo tão grandioso mas que com o passar do tempo foi ficando cada vez mais borrado na memória, mas se for chutar, digo que fiquei apavorado. Quis correr. Encerrar a conversa ali. Mas já estava feito. Finalmente estava falando com Ana! Quem eu dia e noite passei a pensar com mais carinho desde que a encontrei no colégio.
Era difícil pensar em qualquer coisa que fosse assunto pra conversa. Até hoje é. Mas aquela era a primeira interação que eu tinha na vida com uma pessoa que eu tinha algum interesse romântico. Meu cérebro virou gelatina e eu fiz malabarismos para continuar uma conversa que fui tendo quase todos os dias daquele ano. Isso tudo com apenas uma pessoa sabendo de toda a história: minha prima Aline.
Durante todo o ano letivo de 2009, o sinal tocava anunciando o fim da última aula do dia, eu corria para casa, e ansiava pelo momento em que eu poderia conversar e ser sincero em meus limites com minha prima. E também ter o máximo de contato que eu conseguia com a garota que dia após dia, nutria mais sentimentos. Um ano inteiro com conversas diariamente que começavam da seguinte forma:
Eu: Oi, boa noite. Como você está?
Ana: Boa noite, tô bem e você?
Eu: Melhor agora.
Um ano. Toda noite. A mesma resposta começando a conversa.
Eu realmente não fazia ideia do que estava fazendo.
TIME IS RUNNING OUT
Até hoje eu penso na extensão de toda essa história. Como eu estive em contato por mensagem todas as noites com ela. Como eu consegui manter com sucesso minha identidade em segredo. Como mais ninguém sabia disso tudo. Pra mim até hoje é inacreditável.
Sim, eu consegui com que essa garota, com quem eu conversava todo santo dia pela internet, nunca soubesse quem eu era, apesar de estarmos sempre divididos por metros de distância no colégio. Ela no 1° ano D. Eu no 1° ano B.
Eu tinha uma foto de perfil. Que tirei especialmente para a ocasião de apenas ter alguma foto. Até então eu usava apenas avatares aleatórios. E mesmo assim, com uma foto de ângulo estranho, mil efeitos para disfarçar acne (e, sei lá, o próprio rosto?), ela não me reconhecia na escola. Agradeço-a por isso até hoje. Talvez fosse um simples desinteresse de saber quem eu era. Talvez fosse a providência divina por meio da edição de foto. Ambas as causas? Jamais saberei, mas de qualquer forma agradeço. Seria mais fácil se ela me reconhecesse, essa história acabaria aqui mesmo, mas eu tinha uma lição ainda a aprender.
À medida que o tempo passava eu fui ficando cada vez mais ansioso para demonstrar meus sentimentos. Em algum momento daquele ano, eu me declarei por mensagem. Não aguentei, e de supetão eu falei tudo que queria. Não surtiu efeito algum, claro. E não lembro qual foi a resposta. Apenas sei que não demorou muito para que voltássemos a conversar como se nada tivesse acontecido. Suspeito até hoje que ela tenha falado para alguma amiga próxima sobre o ocorrido, já que algum tempo depois, durante o fatídico evento que selou minha tragédia, ouvi algo que me surpreendeu. Chegaremos lá.
Não lembro exatamente em qual momento do ano em que isso aconteceu, mas chuto que depois das férias de julho, numa visita de amigos, eu acabei mostrando com quem estava conversando, e disse o que estava acontecendo. Falei por cima que era quem eu gostava e que já estávamos nos falando fazia um bom tempo. Guardado o segredo por enquanto, eu lembro de em várias ocasiões um amigo em específico me ajudar durante as conversas. Me dizendo o que falar. E por isso, sei que fugi muito do meu perfil e encarnei um tipo de pessoa que não agia da forma como eu me sentia confortável. Eu era um conquistador. Buscando a primeira brecha na conversa para agir como um. O que divergia bastante de como eu era: tímido, introspectivo e sem traquejo social. Mas era o que eu acreditava que funcionava. Era o famigerado Jogo da Conquista, e eu, tinha que jogar dentro das suas regras. Hoje eu sei o quão patético um adolescente com os hormônios à flor da pele pode agir.
Já se passava meio ano desde que começamos a conversar. Numa ocasião eu combinei de encontrá-la no horário de saída, às dezessete horas. Não lembro exatamente como me senti durante aquele dia, mas aposto que eu queria que as horas se estendessem, postergando o encontro o máximo possível. Só a ideia de poder encerrar aquele mistério e ver a garota que eu gostava cara a cara, falando comigo, sem o conforto de uma tela de computador e o tempo de pensar na “resposta certa” não existir era insuportável.
Para a minha sorte esse encontro não aconteceu. Voltei para casa deprimido e senti que falhei em algo que achava de nível urgente e necessário. O lado que aquele adolescente acreditava estar construindo, do homem que deve acima de tudo procurar uma parceira, falhou. A ansiedade venceu, e no fundo eu sabia que era o que eu queria no fim das contas. Sabia que no dia que finalmente eu tivesse que encontrar Ana cara a cara eu iria estragar tudo.
Outros encontros foram acertados, e nenhum deu certo. Em dado momento, depois de voltar para o conforto da minha casa e ligar o computador para conversar com ela via MSN novamente, indaguei
Eu: por que você não foi ao nosso encontro marcado?
A resposta dela foi algo que me faz pensar até hoje:
Ana: falei com as minhas amigas, elas disseram que não sou eu que tenho que ir até você, e sim você que tem que vim até mim.
Meio confuso, tentei entender aquilo como uma regra, e que eu não havia entrado no jogo.
O tempo passou e as conversas continuaram como de costume, como se nada tivesse acontecido. Dia após dia era um martírio passar pelos corredores da escola e ter a sensação esmagadora de que a pessoa que eu mais gostava estava do meu lado e eu não conseguia dizer uma palavra. Sempre a via. Quando faltava algum dia, logo notava. Nada de mais interessante aconteceu, e isso foi se estendendo ao longo dos meses. Eu enrolava, ela não se interessava em procurar saber quem eu era. Era perfeito e agradava minha pessoa ansiosa, mas trucidante ao meu eu adolescente carente. Tinha medo que ela pudesse se interessar por outra pessoa nesse meio tempo, mas eu não podia fazer nada. Não eu sozinho. E foi aí que a história toma um rumo inesperado.
KNIGHTS OF CYDONIA
Até meados de Outubro, mais amigos do meu círculo começaram a saber que eu gostava de Ana. De um por um, eu ia confessando ter sentimentos por ela e conversar diariamente com a garota sem ela saber quem eu era. Até que todo meu círculo de amigos ficou sabendo. E o que começou com um segredo entre eu e minha prima, agora estava saindo do meu controle. Um dos amigos que sabia, e justamente o primeiro a descobrir, começou a comentar com outra colega de sala. Para mim até então estava sendo um dia normal, onde começou igual a todos os outros e iria terminar da mesma forma.
Milena, a colega de sala que acabou de descobrir, pergunta quando eu vou falar com ela. Eu prontamente respondo a mesma coisa que me disse durante aquele ano todo: “não sei”. E daí então eu testemunhei algo que até hoje não sei se partiu de total caridade ou armação puramente para montar um cenário de entretenimento ao ridículo onde eu seria o personagem principal.
No intervalo do almoço, fui escoltado por três colegas até a porta da sala de Ana. Aparentemente um desses colegas já tinha chegado antes e comunicou que eu iria ir até lá conhecê-la. Hoje não tenho certeza se naquele momento ela já sabia quem eu era. Mas de qualquer forma lá eu estava. Frente a frente com a pessoa mais adorável do mundo. Quase um ano inteiro atrasando aquele momento, de estar olhando diretamente nos olhos dela. De me ver existir no brilho dos olhos dela. De saber que finalmente eu existo para ela. De me tornar matéria diante dela.
E foi aí que tudo deu errado.
Hoje parando para pensar, era uma sensação muito obtusa aquela. Não sei se por pressão, por falta de prática, mas para minha decepção e confirmando meus medos, eu não consegui falar mais do que um “oi” e sorrir até ficar sem graça com o silêncio que se instaurou. Ela me recebeu com um sorriso caloroso, com um “oi” caloroso, mas ela também não conseguiu dizer mais do que isso. Era uma situação terrível para ambos, eu percebi. Nada de bom poderia sair daquele encontro forçado e exposto a todos os olhos e julgamentos.
Consigo entender como a minha cabeça funcionou naquela hora, justamente porque é como ela funciona até hoje. Claro que numa escala bem menos problemática. Hoje é mais fácil falar, é mais fácil agir, é mais fácil ser quem eu sou, sem a pressão de ter que seguir as malditas regras do tal Jogo da Conquista. Ao mesmo tempo que consigo compreender o que aconteceu ali, é difícil justificar uma dificuldade que se apresenta de forma tão abrupta. Eu não funcionava naquela hora. Não funcionava para aquilo. E apesar de me odiar naquele momento, hoje eu compreendo as dificuldades daquele Pedro. Hoje eu sou o que ele sempre quis ser, mesmo com problemas a serem resolvidos e certas limitações. Sem aquela pessoa, aquele momento, eu não teria enxergado meus limites e começado a contornar e trabalhar onde pudesse. Foi uma jornada que eu tive que trilhar sozinho, e sem nem perceber os pequenos progressos que tive.
Passado esse preâmbulo de autocomiseração, lá estava eu há pelo menos dois minutos diante dela, sem olhar nos seus olhos, olhando para o chão ou onde fosse mais confortável. Alguns colegas de classe ficaram por perto, até hoje não sei se por pura benevolência de estar dando apoio ou para se certificar que o show iria acontecer conforme o esperado. Após esses poucos minutos torturantes, eu fiz algo que acabei repetindo em outras ocasiões onde entendi que estava diante de um beco sem saída: voltei por onde eu tinha chegado até a zona de conforto, mesmo que a sensação de derrota me abatesse de forma descomunal.
“Depois a gente se fala”, eu disse algo do gênero. Voltando para a sala, lembro de lágrimas brotando dos meus olhos. Sento na minha cadeira e estou prestes a chorar. Mais pessoas, que até então não sabiam de toda a extensão da minha história com ela, chegam ao meu redor e me perguntam a mesma coisa que até hoje eu não consigo responder: “O que aconteceu? Por que tu não falou nada? Por que ficou calado o tempo todo?” ao que respondi quase chorando algo que mesmo que eu lembrasse agora, não chegava a riscar o significado de razão. Enquanto lá estava eu, abatido, ainda me recompondo da situação e achando que tudo estava resolvido mesmo que da pior forma possível, vejo pessoas olhando pela porta da sala em minha direção. As amigas de Ana olhavam para mim. Logo de início não sabia o que significava aquilo e só intuí como uma forma de saber quem era aquele cara de quem a amiga tanto falava, ou até pior: para apreciar o show.
Mas eis que algo inesperado acontece e acaba piorando tudo o que eu achava ter resolvido com a covardia: as amigas dela chegam até mim e fazem a mesma pergunta que nem eu conseguia responder. Disse a mesma coisa de antes. Algo raso e irrazoável. Escutei de uma delas “mas ela está afim de você”, e é algo que mesmo esperando lá no fundo que fosse acontecer em algum momento daquele ano todo conversando com ela, sendo a melhor pessoa possível para ela, me forçando a ser alguém que eu não conseguia acompanhar, eu hoje duvido que tenha escutado isso realmente. Era bom demais para ser verdade. Talvez elas estivessem querendo que aquilo me estimulasse a ir até ela, algo que não iria acontecer de novo. Mas aí que veio a proposta das amigas dela. A inversão da mesma situação de minutos antes: “você quer que eu traga ela aqui?” me perguntou uma delas. Ao que eu respondi “mas ela não vai querer”. Lembrando bem do encontro que veio a falhar meses antes e a resposta de que era eu quem deveria ir atrás. Eu concordo no fim das contas e elas saem e voltam com Ana. Com toda certeza ela não queria estar ali, naquela situação, mas aposto que escutou as amigas tentando encorajá-la a me fazer esse favor, e enfim cedeu. Sentou-se ao meu lado. A história se espalha entre o 1º B e estou a sós com ela na sala. Com o canto do olho conseguia vê-la. Seu cabelo castanho liso, a pele muito branca, a estatura miúda. Atrás de sua cabeça conseguia perceber a porta da sala aberta, e pessoas assistindo o movimento final da apresentação.
O que no início do ano era só um segredo que compartilhei com a minha prima Aline, que ao longo do ano fui confessando a amigos próximos e que confiava, agora era um tema conhecido por pelo menos quatro salas do primeiro ano. Especialmente as salas do primeiro andar daquele bloco, onde espalhavam-se amigos de Ana, vindos de sua escola anterior junto com ela. De um dia para o outro, minha maior vulnerabilidade era de conhecimento público, e não havia nada que eu pudesse fazer. A sequência de dominós foi iniciada no momento que eu cedi a pressão e fui até a porta da sala dela. Até então eu poderia evitar aquilo tudo. Seria pior, mas de outra forma. Talvez ela ficasse sabendo quem eu era por boato, mas não iria chegar até mim, como eu esperava dentro das minhas limitações. No fim das contas, a forma mais rápida de acabar com aquele mistério foi de fato ter cedido à pressão.
HOODOO
Era intervalo do almoço na escola. Tínhamos aproximadamente uma hora inteira para fazer a refeição e descansar até retomarmos o horário das aulas. Era dia de prova. Já havia gasto pelo menos cerca de 20 minutos entre a fila do almoço e a refeição em si, sendo assim ainda me restava pelo menos 40 minutos até que eu pudesse me ver livre daquela situação embaraçosa para mim e para a garota ao meu lado. Ela continuava calada, olhando para o chão. Eu olhando pro meu tênis, pensando no que falar dessa vez. “Posso perguntar sobre vestibular. Posso perguntar sobre que curso ela vai fazer”. Mas nenhuma pergunta me parecia substancial para engatar e manter uma conversa. O que eu iria falar depois? Como deveria me portar tendo ela ao meu lado dessa vez? Ela gosta de mim mesmo? Não escutei errado? Muitas perguntas enchiam a minha cabeça. Nenhuma saía da minha boca. Uma colega de sala, Amanda, que junto com o resto das pessoas fora do meu círculo de amigos próximos acabou de descobrir sobre meus sentimentos e Ana, chegou perto e tentou puxar conversa entre nós dois. Perguntou sobre times de futebol, qual que nós torcíamos. Respondemos a ela, Ana torcia pelo Sport, e eu Santa Cruz. Mais algumas amenidades e Amanda desiste e nos deixa a sós novamente. O mesmo silêncio segue durante aquele intervalo de almoço.
Enfim, quando o destino decidiu que havia se divertido com meu sofrimento, o sinal toca. O intervalo do almoço que parecia ter durado uma eternidade finalmente havia acabado. Ana se levanta, me dá um “tchau”, eu respondo “tchau” e fico no mesmo lugar, remoendo o que aconteceu e tentando me dar as respostas que todo mundo me fazia: o que eu fiz? Por que eu não fiz?
Eu sabia que tudo havia acabado ali. Não existia possibilidade de algo dar certo tendo sobrevivido àquele espetáculo. Mesmo assim sabia que o maldito Jogo queria que eu insistisse. Houveram situações onde eu tentei mais algumas investidas, como no dia em que eu mandei uma cartinha. O dia que aproveitando um evento, tratando de uma amostra sobre meio-ambiente, por duas vezes, uma na manhã, e outra já no fim do evento a tarde, trouxeram Ana até mim mais uma vez, com o auxílio de Vinícius, um colega da classe dela, e que posteriormente veio a ser um grande amigo meu. Nessas duas vezes quase nada mudou. Ficamos calados durante minutos até eu desistir da ideia e decidir me afastar. Porém algo diferente veio acontecer na segunda ocasião. Mais uma vez Vinícius decide levar Ana até onde eu estava na rampa que dava acesso ao primeiro andar do bloco de salas. Porém dessa vez a ajuda dele foi mais incisiva. Incisiva, mas meu comportamento ainda não permitia que deixasse de ser lamentável. Vinícius se aproximou depois de alguns minutos vendo que eu não iria ter nenhuma atitude, e tudo iria acabar da mesma forma como semanas atrás.
Do meu lado esquerdo se encontrava Vinícius, que me ditava coisas para falar para Ana. Sim. Ele ditava e logo em seguida eu repetia. “Desculpa por tudo o que aconteceu antes. Mas é que eu sou introvertido” repetia eu, gaguejando e tendo total noção do quão ridículo era a cena para ela, do meu lado direito. E para arrematar a tentativa, ele pede pra ela me dar um beijo na bochecha, o que encerrava ali aquela conversa.
Os dias que se seguiram desde que tudo isso começou foram terríveis. Eu não faço a menor ideia de como e o que eu conversava com ela via MSN à noite. Certamente não tinha mais clima. Não tinha mais como nascer uma relação saudável dali em diante. Remoendo o meu fracasso, e vendo que já estava exausto por tudo o que aconteceu, resolvi desistir aos poucos. Em meados de Dezembro houve mais uma tentativa forçada, mas era o fim de fato. Nada que pudesse ser mencionado aconteceu ali, além do fato de Vinícius perdendo a paciência e gritando na frente de todos “mas ele só quer tudo na mão dele!”.
ENDLESSLY
Os resultados do ano letivo chegaram. Fui reprovado no primeiro ano do ensino médio. Não consegui me adaptar ao ritmo de ensino integral, somado ao fato de que meu dia era dedicado a pensar em Ana, e em como eu iria falar com ela, e em como eu iria me portar como namorado, nos cenários prováveis que iríamos viver juntos.
Nosso último contato foi logo após sabermos o resultado. Via MSN, perguntei qual o dela, ela foi aprovada. Ela perguntou o meu, e eu a informei do acontecido. E desde então nunca mais nos falamos.
Ana continuou estudando no mesmo colégio, de 2010 até início de 2011. Sempre via essa menina pelos corredores e nunca deixei de pensar em tudo que a fiz passar por pura covardia e inaptidão. Sinto que devo um pedido de desculpas, mas certamente ela não guarda essa situação da mesma forma que eu. Uma vida inteira se passou nesses 14 anos. Nós crescemos e viramos adultos. Namoramos outras pessoas. Algumas poucas vezes a vi pelas ruas da cidade e tive a impressão de que me evitava. Talvez eu também a evitasse. Talvez me vendo ela lembre de tudo o que aconteceu e só se sinta desconfortável. De qualquer forma é um elo que perdemos no tempo. Vidas que seguiram caminhos opostos, e que nunca mais se encontrarão.
Aqui, sentando na frente desse computador, no mesmo lugar em que dediquei horas da minha adolescência conversando com Ana, escrevi esse texto esperando o motivo dele existir. Agora, encerrado tudo, entendo, e sei que esse texto não é razoável, da mesma forma que uma vida qualquer também não é. Eu escrevo para não esquecer. É a resposta que enfim eu encontro ao fim da história. Uma história curta, de uma vida que poderia ser resumida em alguns segundos, mas que vividos, deixam uma lembrança que dura uma vida inteira.